À meia-noite, minha alma flutuou para fora do porão.A porta do meu quarto foi escancarada. Meu irmão, Conner, entrou às pressas, bufando ao não me encontrar.— Não tá um pouco velha demais pra brincar de esconde-esconde e fazer birra?Normalmente, eu teria respondido.Mas dessa vez, apenas flutuei ao lado dele, incapaz de emitir um som.Conner ligou para o meu celular. Mas ninguém atendeu. Irritado, passou a mão pelos cabelos e folheou distraidamente o diário sobre minha escrivaninha.Havia apenas uma coisa escrita ali: “99”.O número de vezes em que eles tinham me decepcionado ao longo dos anos.Conner não entendeu. Franziu a testa, jogou o diário no chão e deixou um recado de voz.— Para com essas palhaçadas. A Ella quer seus cookies caseiros, então volta logo pra fazer pra ela!— É o dia da formatura dela. Nem pense em estragar isso. Se chegar em casa dentro de uma hora, eu te perdoo.Guardou o celular no bolso e voltou para a sala de estar.— A Sophie não tá no quarto e

Papai, Mamãe e Conner correram imediatamente até ela. Ao verem a marca vermelha, semelhante a uma queimadura, na palma da mão de Ella, entraram em pânico.— Não havia nenhum humano na festa. Que lobisomem mandaria um presente feito de prata? — perguntou Mamãe, os olhos vasculhando o cômodo até pararem sobre uma caixa de presente aberta.— Aquela caixa... É da Sophie? — Indagou, com a voz carregada de tensão.Ella imediatamente pareceu prestes a chorar.— Mãe, por favor, não culpa a Sophie. O presente estava na minha mesinha de cabeceira esta manhã. Eu só fiquei feliz por ela ter se dado ao trabalho de me dar alguma coisa.Num piscar de olhos, o rosto de Papai e Conner se encheu de decepção e fúria.— Eu sabia! Por isso ela está enrolando pra voltar pra casa. Já devia estar tramando como machucar a Ella!— Como eu posso ter uma irmã tão cruel?— Chega! Parem com isso e levem a Ella para o curandeiro da alcateia! — Gritou Papai, dando um chute na caixa de presente, a mesma que El

Conner ficou paralisado, meu nome escapando-lhe dos lábios num sussurro engasgado, mas foi o papai quem reagiu primeiro.Sua expressão atônita se contorceu em uma carranca.— Sophie! Você enlouqueceu?! Já não teve o suficiente disso? Vai fazer esse tipo de cena só pra chamar atenção?!Mamãe se juntou a ele, a voz cortante.— Levanta! Você tem ideia de como está ridícula? Fingir que morreu só pra roubar os holofotes da Ella?!Meu espírito flutuava ao lado deles, observando enquanto gritavam com meu corpo gelado.Ainda não acreditavam que eu estava morta. Achavam que era só mais uma das minhas tentativas de ganhar pena.Conner finalmente despertou do transe. Marchou até meu corpo e deu um chute impaciente com a ponta da bota em meu braço.— Para de fingir! Levanta!Meu corpo se moveu levemente no chão, mas fora isso, permaneceu imóvel.Aquilo o levou ao limite.— Eu disse pra levantar! — Rugiu Conner, e seu próximo chute fez meu corpo virar de lado. O impacto revelou o ferimento

Ryan correu para casa, chegando a tempo de encontrar o pai no meu quarto, agarrado ao meu diário.Ele o abriu na primeira página, e suas mãos começaram a tremer.[17: Meu décimo aniversário. A família inteira esqueceu. Só a empregada se lembrou e me comprou um bolinho.][23: Ella teve um corte de papel. Mamãe e papai passaram a noite em claro com ela. Eu quebrei um osso e tive que ficar deitada sozinha na cama.][32: Ganhei o primeiro lugar na feira de ciências da alcateia, mas mamãe e papai foram assistir às provas de caça da Ella.]Página após página, era uma ladainha de decepções.Noventa e nove registros, desde a infância até agora.Cada um com data, um relato minucioso do descaso deles.Os três se amontoaram em volta do diário, com lágrimas escorrendo pelo rosto.[45: Na Cerimônia de Despertar da Linhagem, me tornei uma loba cinzenta comum. Papai ficou tão decepcionado que virou as costas e foi embora sem dizer uma palavra de consolo.][48: Nosso aniversário. Ryan passou

Depois de ser expulsa da família, a vida de Ella desmoronou rapidamente.Sem a proteção da alcateia, ela só conseguia pagar pelos aluguéis mais baratos, em péssimo estado, na beira do território humano.Logo, espalhou-se entre as alcateias a notícia de que ela havia orquestrado o assassinato da própria irmã.— Um lobo que mata seu próprio sangue. — Declarou o Ancião Alfa. — É uma abominação e será exilado para sempre.Ela tentou encontrar uma nova alcateia que a aceitasse, mas ninguém queria uma assassina em seu território.Despida de seu status, Ella tornou-se uma verdadeira loba errante, desprezada e sozinha.Vagava pelas ruas como um fantasma, assombrada pela fome e pelo frio.Para sobreviver, foi forçada a fazer acordos nas sombras.Três meses depois, durante um desses acordos, ela encontrou a Fruta Proibida.Era um entorpecente absolutamente proibido para os lobisomens um veneno para a alma.Ela conhecia as consequências, mas mesmo assim, a tomou.Apenas em sua névoa de eu