A MERETRIZ

Continuamos cavalgando em silêncio, cada um perdido nos próprios pensamentos. Já fazia algumas horas que havíamos deixado o Vale dos Sussurros para trás; a estrada agora se tornava mais verde, salpicada de árvores e trechos de cerca viva. Uma leve mudança no grupo era perceptível — talvez a antecipação de descanso, talvez apenas fome. Não faltava muito para encontrarmos uma taverna.

Kenric começou a cantarolar baixinho a melodia de Me Ponha de Joelhos, uma canção tão indecente que, se sua mãe a ouvisse, faria o rapaz passar um mês inteiro sem conseguir sentar numa cela.

Seguimos cavalgando; eu já sentia o corpo cedendo ao cansaço. Pernas e braços pesavam como pedra. Meus olhos mal se mantinham abertos — a estrada e as árvores diante de mim já se tornavam enevoadas. Tinha medo de acabar dormindo montado. O relincho repentino de um cavalo me arrancou um susto; despertei de imediato, procurando o perigo ao redor.

— Finalmente! — ouvi a risada de Kenric.

Ergui o olhar e ali estava: a taverna e a estalagem. Na placa, uma mulher com o vestido erguido até os joelhos sorria com malícia. Acima da pintura, lia-se: A MERETRIZ.

Um guarda gordo dormia sentado num banco diante da porta, com o chapéu cobrindo os olhos. Descemos dos cavalos e os prendemos nos postes da estalagem.

Assim que entramos, o som do salão nos envolveu — risadas, conversas animadas e um homem tocando harpa no fundo. O ar tinha cheiro de vinho quente e especiarias, e meu estômago logo rugiu. Um homem bem-vestido aproximou-se de nós com um sorriso afável.

— Boa noite, senhores. Bem-vindos à Meretriz. Sou Reynard, o dono deste estabelecimento.

— Boa noite, Reynard — disse Hakon. — Sou Hakon, e estes são Amis, Kenric, Leoric e Maurin. Precisamos de cinco quartos, uma boa refeição, algum vinho e um lugar para deixar os cavalos. — Ele retirou uma moeda de ouro e duas de prata da bolsa e as colocou nas mãos do estalajadeiro. — Creio que isso cobre tudo, incluindo o desjejum.

— Claro, claro, meu senhor. Por favor, venham. Providenciarei tudo.

Ele nos guiou até uma mesa, acomodando-nos enquanto gritava para uma das funcionárias, que observava o harpeiro:

— Sybila! Eu não te pago para admirar músicos, venha aqui! — virou-se para nós, suspirando. — Me perdoem. É sobrinha da minha cozinheira. Boa menina… mas vive com a cabeça nas nuvens. — E voltou a chamar: — Sybila! Ande!

A jovem correu até nós — A joven era magricela, cabelos negros, olhos grandes que se arregalaram sob o chamado ríspido.

— Desculpe, senhor Reynard… eu me distraí.

Nada de desculpas vá até a cozinha e traga o jantar para esses senhores, traga vinho, pão e queijo também. Com licença senhores eu vou atrás do cavalariço para cuidar dos seus cavalos

Quando Reynard se afastou, Sybila nos lançou um sorriso travesso antes de correr para cumprir o pedido.

— Sybila é bonita, não? — murmurou Kenric. — Acho que uma diversão cairia bem.

— Pelo amor dos deuses, não arrume confusão, Kenric — reclamou Maurin. — Só quero uma noite tranquila. Não quero ser expulso… nem morto enquanto durmo.

Ele não gostava nada do jeito mulherengo de Kenric, jeito esse que já tinha nos metido em confusão mais de uma vez.

Eu mal prestava atenção na conversa deles ou em Sybila o que eu queria era comer e logo ir para meu quarto e dormir.

Sybila voltou da cozinha junto com outra garota carregando duas bandejas.O aroma do ensopado de cordeiro espalhou-se no ar — quente, apimentado, irresistível. Ela colou em nossa mesa os ensopados pedaços de pão negro e queijo e jarras de vinho quente com especiarias.

— Boa refeição, senhores. — Sybila piscou para Kenric e se afastou.

Não tivemos tempo de falar mais nada, todos devoramos a refeição animais famintos mal sentindo o gosto da comida só empurrando tudo pra dentro e quando terminamos pedimentos mais e devoramos tudo da mesma forma.

Acho que foi a melhor refeição da minha vida - disse Leoric limpando a boca com a manga de sua camisa.

É a fome falando — riu Hakon. — Se ele servisse pedras, comeríamos do mesmo jeito

Foi a batalha - disse Maurin - a luta abre o apetite

Não quero falar de batalha agora. — Kenric ergueu a cabeça, ouvindo a música animada sobre uma mulher que enganou um rei. — Vou tirar Sybila para dançar.

Kenric… — começou Maurin, exasperado

Uma dança é inocente!

Nada é inocente com você

Assim você me ofende, Maurin eu sou totalmente inocente - Kenric piscou os olhos e sorriso de forma inocente, uma tática que ele sempre usou quando criança para nos meter em confusão e para se livrar delas também

Kenric levantou-se e foi até Sybila tirá-la para dançar e alguns outros homens fizeram o mesmo. A chuva começou a cair lá fora, trovões iluminando o salão. O vinho não parava de chegar; eu já estava tonto. Leoric juntou-se a Kenric na dança.

A porta da taverna abriu e uma mulher entrou vestindo um capuz para se proteger da chuva. De onde estava não conseguia ver seu rosto, ela falou algo com o estalajadeiro e ele a guiou a colocando em uma mesa perto da grande lareira que queimava e aquecia o salão.

Algo naquela mulher que me intrigava não conseguia parar de observá-la. A cozinheira — tia de Sybila — apareceu, corpulenta, ágil, com o avental sujo de trabalho. Conversou em voz baixa com a mulher misteriosa antes de voltar para a cozinha, não sem antes lançar um olhar severo à sobrinha que sorria demais para Kenric.

A estranha permaneceu imóvel, encarando as chamas. Voltaram a conversar quando a cozinheira trouxe seu prato; depois, a tia levou Sybila para dentro.

Kenric não se importou e logo arrumou outra para dançar e eu continuava encarando aquela estranha completamente intrigado com ela.

Então ela levantou o rosto e me encarou. Tinha olhos profundamente negros como uma noite sem estrelas. Ela tirou o capuz, tinha a pele cor de mel e estava com os cabelos soltos. Ela me olhava com um olhar que me reconhecia… e me analisava. Senti um arrepio incômodo.

Ela chamou uma garçonete e sussurrou algo. A moça veio até mim, hesitante.

A senhora Sidonia Fay gostaria de falar com o senhor.

Desculpe… quem gostaria de falar comigo?

A garçonete apontou para a mulher. Sidonia Fay continuava me encarando.

Não sei porque exitava a mulher não me oferecia perigo nenhum mas eu exitei e em ir até ela e acho que ela notou porque se levantou e caminhou até mim.

Veio em minha direção passos tão leves que parecia flutuar. Havia calma nela. E autoridade.

Obrigada, Bessie. Pode ir — disse, tocando o ombro da garçonete.

Depois voltou-se a nós:

Boa noite, senhores. Sou Sidonia Fay. — Falava com todos, mas seus olhos pousavam apenas em mim. — Tenho uma mensagem para você.

Para mim? - perguntei, atônito. - Foi meu pai que a enviou?

Hakon já se movia na cadeira, a mão buscando a espada.

Não precisa, Hakon — ela disse, sem sequer olhar para ele. — Não sou ameaça a nenhum de vocês. Venho somente dar um recado para ele e seguir meu caminho, agora se você considera uma verdade difícil uma palavra amiga ou um conselho perigo para ele eu saio por aquela porta agora mesmo.

Segurei o braço de Hakon assegurando que estava bem, sem dizer uma palavra. Ele e Maurin se afastaram para outra mesa, atentos.

Pronto — disse eu. — Podemos conversar.

Sidonia inspirou fundo.

Você não me conhece Amis mas sou uma filha da lua e estava em minha casa quando o espírito da lua apareceu pra mim e me direcionou até aqui. Não entendi o motivo… até olhar para você.

Meu corpo gelou.

Filhas da Lua — criatura das histórias que minha ama usava para me assustar.

Dizem que as filhas da lua são bruxas que tem seus poderes ligados à Lua. Minha ama me dizia que muitas filhas da lua viviam escondidas nas florestas que costumavam sair a noite onde seu poder estava no auge para praticar magia e pegar crianças para sacrifício, essa última parte acho que ela inventou para me assustar, mas ver uma filha da Lua aqui na minha frente era algo totalmente diferente.

Não tema -ela disse, lendo meu pensamento.- Não somos os monstros das suas histórias - Sou uma filha da Lua Minguante você sabe o que isso significa?

Desculpe, não sei

As filhas da Lua Minguante são bruxas ligadas ao futuro, nós fazemos previsões algumas previsões são simples outras são previsões sobre coisas que mudariam o mundo. Hoje quando o espírito me contatou e me pediu para te encontrar e tive uma previsão ligada a você.

Uma previsão sobre mim? - Eu estava incrédulo tentando processar todas as informações que ela me passava minha cabeça girava e não era somente o vinho

Ela se inclinou, e sua voz mudou — tornou-se profunda, melodiosa, quase não humana.

Aproxima-te, lorde… e fecha tuas mãos, pois até o ar desta noite pode trair segredos…

O vento pareceu prender a respiração.

O salão, embora cheio, mergulhou num silêncio estranho.

-Ninguém além de ti ouvirá o que te direi.

Estas palavras pertencem apenas a você— Escuta: Os teus passos, guiados por forças que desconheces, te levarão ao encontro de um amor proibido.

Um amor que não te foi dado pelos homens, nem permitido pelos céus, nem tolerado pelos pactos antigos. Um laço que nasce no interdito, onde a magia desperta para observar… e julgar.

Ela — a mulher que cruzará tua senda -- carrega no sangue o eco das eras soterradas, o poder dos astros e no olhar, a lembrança das vozes que dormem sob a terra.

E quando teus olhos encontrarem os dela, o silêncio se rasgará como véu velho, e o mundo penderá entre a ruptura e a redenção.

A voz dela caiu para um sussurro.

Mas aquieta-te… ainda guardo o fardo mais pesado.

Deste amor proibido, desta chama que jamais deveria acender-se,nascerá aquele que reinará sobre tudo o que existe e tudo o que ainda não nasceu. Filho de sombra e claridade, herdeiro de poderes que nem os antigos nomearam sem tremer.

O mais forte entre todos, capaz de moldar a terra, os reinos e o destino dos homens.

E tu, lorde…

É em tua alma que repousará o peso deste presságio. Pois és tu quem dará vida ao fogo que criará o salvador…ou ao fogo que queimará o mundo inteiro.

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