Daniel
O pior de tudo é que ele tem toda razão. Suzy tinha problemas cardíacos e não devíamos ter levado essa gravidez a diante. Mas como a mãe dela acabou de falar, ela insistiu tanto que eu não pude dizer-lhe não. Não quando ser mãe era tudo o que ela mais queria essa vida. Minha esposa foi bem assistida e acompanhada de perto pelos melhores médicos obstetras e cardiologistas do país e tudo correu muito bem durante toda a gestação. Uma gestação tranquila em todas as suas fases, com alimentação balanceada e pouco esforço. Realmente não dá pra entender o que deu errado. As portas brancas se abrem de repente e o doutor Samuel passa por elas. Ele parece cansado, seu semblante está sério e caído. Engulo em seco e me levanto no mesmo instante para ir ao seu encontro. Nervoso, levo as mãos aos bolsos da calça e fito os seus olhos.— Como ela está, Samuel? — pergunto sem rodeios, agarrando-me a um fio de esperança, porém, o meu coração está oprimido. Seguro a respiração quando a angústia tenta me preencher e isso só piora quando o médico meneia a cabeça em um gesto negativo, roubando o meu chão e arrancando de mim o meu porto seguro. As lágrimas preenchem os meus olhos imediatamente, deixando completamente minha visão turva.— Eu sinto muito, Daniel, fizemos todo o possível!— Não! — digo com um fio de voz o interrompendo. — Não, não e não! — grito. — Eu quero vê-la agora! — exijo.— Dani…— Não, Samuel! — berro. —Eu quero ver a minha esposa agora e você não pode me impedir! — Ele tenta me segurar, mas o empurro com violência, fazendo-o bater forte contra uma parede e passo pelas portas por onde acabou de sair. — SUZY! — grito o seu nome pelos corredores, abrindo todas as portas que encontro pela frente, até finalmente encontrá-la deitada na mesma cama fria de hospital. Choro compulsivamente, fitando o seu rosto sem vida, as suas mãos inertes ao lado do seu corpo e me aproximo devagar. Observo os fios ainda conectados ao seu corpo, uma máscara de oxigênio que provavelmente a auxiliou na simples função de respirar. — Não faz isso comigo, amor! — peço e seguro a sua mão, onde tem um cateter que levava o soro há poucas horas. Meu coração acelera ferozmente quando ela aperta levemente a minha mão e no mesmo instante seco as lágrimas com o auxílio das mangas da camisa, procurando os seus olhos imediatamente. Forço um sorriso trêmulo. — Oi, querida! — Consigo dizer, mesmo sentindo um nó sufocar a minha garganta.— Dani. — Ela sussurra com um fio de voz. Meneio a cabeça negativamente.— Não fala, querida! Poupe as suas forças, por favor! — peço e acaricio os seus cabelos.— Você o viu? — inquire forçando a respiração.— Ainda não. Quis ver você primeiro, minha vida.— Ele é… tão lindo, não é — Suzy sorri e eu também, mas, logo ela volta a ficar séria outra vez. — Quero que cuide de pra mim. Você pode fazer isso por mim, querido? — pede com voz cortante. Forço um sorriso maior, porém, as lágrimas voltam a molhar o meu rosto.— Nós cuidaremos dele juntos, meu amor — falo, mas ela meneia a cabeça devagar fazendo não para mim.— Não, Dani, eu não vou. — Engulo com dificuldade, sentindo o maldito nó em minha garganta outra vez. — Eu não posso, meu anjo — fala o apelido que me deu ainda no tempo de namoro. Me ajoelho sem forças ao lado da sua cama, curvo minha cabeça em sua mão e me entrego a um pranto doloroso.— Não faz isso comigo, Suzy, por favor, não me deixe aqui sem você! — Deus, eu não suporto essa dor, eu não vou aguentar.— Dani... olhe para mim... querido — pede com dificuldade. — Cris precisa de você agora.— Eu preciso de você! — Corto-a sentindo raiva dessas palavras. — Você não entende? Eu não consigo viver sem você aqui comigo, porque você é a minha vida! — Ela volta a puxar a respiração, dessa vez com mais força.— Eu te amo, Daniel Ávila, nunca se esqueça disso, meu amor. E preciso que me prometa uma coisa.— O que você quiser, querida. Só não me deixe. Não faça isso comigo, porque eu não vou suportar — suplico.— Eu estou cansada, meu amor. Preciso que me prometa que cuidará do Cris pra mim. Me prometa, Daniel?— Não, Suzy, você não vai me deixar! Você vai ficar aqui comigo, com ele. Nosso bebê precisa de você aqui, meu amor. Nós precisamos. — Ela aperta a minha mão agora mais forte, puxando o ar que não chega aos seus pulmões. Seus olhos assustados olham para mim e de repente o som da máquina se altera. — Suzy? Pelo amor de Deus, querida, não!— Eu te amo! — repete tão baixo que quase não consigo escutar e em seguida ela fecha os olhos, largando a minha mão em seguida.— Suzy, não! Suzy, acorda, amor. Por favor, minha vida, não faz isso comigo! Imediatamente o quarto é invadido por enfermeiros e médicos e sou arrancado de perto da única pessoa que é tudo pra mim. Luto para me manter perto dela, mas as postas se fecham e sou contido por meu pai me pedindo calma e paciência. O choro compulsivo dura horas, até que não tenho mais lágrimas para derramar. É como se tudo dentro de mim secasse, estivesse morto e escuro. Olho pela janela do hospital, o dia já está claro lá fora, cheio de vida e de luz, mas eu me sinto em plena escuridão. Levanto-me de repente da cadeira no meio do corredor do terceiro andar da maternidade e caminho sem olhar para trás.— Aonde você vai, Daniel? — Minha mãe pergunta. A preocupação é palpável em sua voz. — Filho, por favor! — Ela pede vindo atrás de mim.— Deixe-o, Sandra, Daniel precisa de um tempo sozinho. — Escuto o meu pai dizer quando as portas do elevador se fecham. Um tempo sozinho. Penso. Não, o correto é o resto da minha vida sozinho.