Capítulo 6

Brianna

Eu estou aqui. Implorando.

Implorando de novo, como uma criança desesperada, querendo algo que nunca deveria ter sido tirado de mim: meus cartões. Meus malditos cartões de crédito e débito. Rodrigo, meu irmão, me olha com aquele ar de superioridade, como se ele fosse meu tutor e eu uma adolescente inconsequente.

— Já falei que não vou fazer merda nenhuma, Rodrigo! — gritei, quase esmurrando a mesa. — Você quer o quê? Que eu fique de joelhos?

Ele me encara com os olhos frios, sem se abalar.

— Quero que viva, Brianna. E não apenas sobreviva se escondendo atrás de bebida e pílulas.

Caralho. Ele fala como se fosse simples. Como se levantar da cama todos os dias sem meus amores, sem a alegria da minha vida... fosse fácil.

Três anos se passaram e eu continuo aqui. Fingindo.

Fingindo que estou bem.

Fingindo que não quero desaparecer toda vez que me lembro daquele maldito domingo.

O dia em que perdi tudo. Meu filho. Meu marido. A mim mesma.

A dor ainda rasga meu peito como se fosse ontem. Dizem que o tempo cura, que transforma dor em saudade... mas pra mim o tempo só alimenta o buraco negro dentro de mim.

— Você precisa se ocupar. Trabalhar, estudar, viver com gente de verdade — Rodrigo insiste, cruzando os braços. — Isso aqui, essa prisão emocional, não pode ser seu lar.

Ele tem razão. Eu sei disso. Mas saber não muda nada. Porque por dentro... eu já estou morta.

Nunca terminei a faculdade. Nunca trabalhei um dia sequer. Mas me arrependo? Não. Porque aproveitei cada segundo com a minha família. Aqueles dias eram tudo pra mim.

E agora, só me resta Rodrigo decidindo o que eu posso ou não fazer. Controlando meu dinheiro, meus passos, minha vida.

Hoje, eu só quero os meus cartões de volta. Preciso respirar sem sentir que estou dentro de uma jaula.

Fui até a delegacia onde ele trabalha. Estava decidida. Mas assim que entrei, o cheiro de café forte e papel amassado me deu náusea. Rodrigo estava em uma conversa, mas assim que me viu, levantou imediatamente.

— O que você tá fazendo aqui?

— Eu quero meus cartões.

Antes que ele pudesse responder, um homem entrou. Alto, postura firme, terno impecável. Rodrigo o apresentou, mas eu nem ouvi direito o nome. Minha mente já estava longe.

Droga. Eu só queria correr pra casa e me entupir de qualquer coisa que me fizesse esquecer.

Fingir que não existo.

Porque quando o efeito passa, a verdade volta como um soco no estômago: eu estou sozinha.

Eu morri naquele domingo e fui enterrada junto com a minha família. Depois, vieram os meses em silêncio. A internação. A tentativa de me reconstruir.

Falhar.

Minha aparência é reflexo da minha alma: destruída. Cabelos sem vida, pele sem brilho, olhar vazio. Expulsei Claire da minha casa, mesmo quando ela dizia que só queria cuidar de mim. Disse que voltaria. Eu pedi que não. Gritei que ela não era bem-vinda.

Desde então, minha casa virou um caos.

Paredes que antes abrigavam amor agora gritam solidão.

Não contei a ninguém que saí da clínica. Não quero ninguém me olhando com pena. Não quero Claire com seus conselhos doces que só me fazem lembrar da mulher que um dia fui.

Mas algo dentro de mim começa a mudar.

Um sussurro.

Uma lembrança.

O sorriso da minha mãe. A risada do meu pai. Os olhos do homem que eu amava.

Eles não iriam querer me ver assim.

Não assim.

Não destruída.

"Você precisa viver, Bri..."

Foi o que um dos psicólogos disse.

"Não por você. Mas por eles."

Essas palavras me assombram.

Me desafiam.

E talvez... só talvez... eu esteja começando a ouvir.

Eu precisava tomar uma atitude. Sair de casa, respirar outros ares, reconstruir minha vida — mesmo que fosse em meio aos cacos. Trabalhar em qualquer coisa. Ser útil. Sentir que ainda havia algo em mim além da dor. Nem que fosse para, no fim do dia, gastar meu salário inteiro enchendo a cara até não lembrar mais dos meus próprios pensamentos.

Mas chega disso.

Chega de me afundar.

Preciso ser forte. Por mim. Por ele.

Meu bebê…

A mamãe sente tanta saudade, meu amor.

Eu te amo tanto.

Por que vocês me deixaram?

As lágrimas ardiam. Queimavam minha garganta, meu peito, meu corpo inteiro.

Se eu tivesse ido com eles naquele dia…

Se eu tivesse entrado naquele maldito carro…

Talvez estivéssemos todos juntos agora. Talvez fôssemos felizes em outro lugar, outra dimensão, sei lá. Mas não. Eu fiquei. Eu disse “não quero sair hoje”. E foi a última vez que vi o rosto deles com vida.

Fechei os olhos e respirei fundo. Eu não podia mais viver assim. Presa num “e se”.

Eu precisava de um recomeço. E o primeiro passo seria falar com meu irmão.

Rodrigo.

Ele sempre tentou me ajudar. Sempre foi meu porto seguro. E eu… eu fui cruel. Fria. O empurrei para longe como se ele não sentisse nada, como se não fosse meu sangue, meu melhor amigo. A verdade é que nunca quis afastá-lo. Só não queria que ele visse o monstro que me tornei.

Mas já era hora de parar com isso.

Peguei o celular e disquei seu número com os dedos trêmulos.

— Vem me ver? — foi só o que consegui dizer.

— Já tô indo, mana. — a resposta veio rápida, sem hesitação, como sempre.

Enquanto esperava, pensei em pedir ajuda a ele para conseguir algum trabalho. Mesmo que fosse na delegacia. Eu nunca imaginei que um dia pediria isso, afinal, trabalhar com policiais nunca foi meu plano de vida. Mas talvez fosse o necessário. Eu podia aprender. Recomeçar dali.

A verdade é que nunca fui muito fã da polícia. Tive minhas razões.

Na adolescência, fui a uma festa. O som alto, a diversão… tudo estava perfeito até que vizinhos chamaram a polícia. Quando os policiais chegaram, já chegaram com tudo. Um deles tentou agredir um amigo meu, e eu entrei no meio, revoltada. Resultado? Fui acusada de desacato à autoridade.

A partir dali, criei nojo. Raiva.

Polícia, pra mim, era sinônimo de abuso.

Exceto por Rodrigo.

Ele foi a única exceção. O único que eu respeitava naquele uniforme.

Quando me contou que queria ser policial, eu questionei. Disse que ele merecia mais. Que podia ser qualquer coisa.

Mas ele olhou nos meus olhos e disse:

— Quero ajudar as pessoas. Proteger quem não pode se defender.

E eu calei. Respeitei. E ele foi.

Rodrigo é honesto. Durão. Um exemplo raro.

Enquanto muitos se perdiam no poder, ele sempre manteve o coração no lugar.

Mesmo com todo meu medo de vê-lo naquele meio, ele provou que era diferente.

Infelizmente, por causa de uns, todos acabam sendo julgados como ruins.

A campainha me tirou dos pensamentos.

Levantei e fui abrir a porta.

E lá estava ele.

Meu irmão.

Lindo como sempre. Sorrindo para mim com aquele ar protetor.

Como pode um homem assim estar sozinho?

Alto, forte, olhar marcante… partidão completo! E ainda assim, solteiro.

Ele teve uma noiva. Estavam de casamento marcado, tudo pronto. Mas a megera terminou com ele… por minha causa.

Na época do acidente, Rodrigo não saiu do meu lado por um segundo sequer. Dormia comigo no hospital, cuidava de mim como se fosse meu pai, minha mãe, meu mundo inteiro.

A noiva dele não suportou. Fez ele escolher.

— Ou ela… ou eu. — disse com aquela frieza que me fez odiá-la pra sempre.

Ela nunca me enganou. Fingida. Falsa.

E quando impôs aquela escolha, ela mostrou quem era de verdade.

Uma monstra.

Rodrigo nem hesitou.

— Minha irmã. Sempre.

Foi o que respondeu.

A mulher foi embora, sem olhar para trás, e levou com ela o coração do meu irmão.

Desde aquele dia, ele nunca mais se envolveu com ninguém. Disse que não tinha mais espaço para sentimentos, que mulher nenhuma entenderia o amor que ele tem pela família.

E ele cumpriu com a palavra.

Sozinho. Firme.

Mas eu vejo nos olhos dele… ele ainda sente.

Ainda tem cicatrizes.

Talvez hoje seja o dia de cicatrizarmos juntos.

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