Capítulo 3

Lina

Minha vida sempre passou diante dos meus olhos como se fosse um filme – mas não um daqueles que te arrancam suspiros. O meu era mais parecido com um pesadelo sem fim.

Naquele dia, voltei para casa com os pés doendo e as mãos calejadas. Dona Lourdes, uma senhora ranzinza que me oferecia pequenos bicos de faxina, me explorava até a última gota de força. Mas eu aguentava. Eu precisava comer. Precisava viver.

Eu só tinha quatorze anos. Enquanto meninas da minha idade estavam na escola, rindo, aprendendo, sonhando… eu estava cuidando de uma casa que nem era minha, tentando juntar moedas pra comprar arroz e feijão. Minha mãe? Aquela que deveria me proteger, cuidar de mim, me dar carinho? Ela só sabia se enterrar nas drogas.

Eu era a mãe da minha mãe.

Ela já tinha perdido vários empregos por causa do vício. Não me perguntava mais como conseguia droga, já que não trabalhava. Bastava olhar para os homens estranhos que encontrava dentro da nossa casa. Alguns nem disfarçavam: saíam do quarto com ela como se fosse um motel barato.

A raiva queimava no meu peito cada vez que abria a porta e via aquela cena se repetir.

Eu queria uma mãe forte. Queria que ela fosse minha proteção, meu abrigo. Mas ela era fraca, instável, e sempre prometia mudar… só que nunca mudava.

Naquela tarde, tudo virou de cabeça para baixo.

Entrei em casa e encontrei um homem parado no meio da sala. Tatuagens espalhadas pelo corpo, olhar sujo e perverso. No chão, minha mãe, nua, desmaiada, entregue aos efeitos de alguma droga forte. Corri até ela, desesperada, mas ela nem se mexia. Antes que eu pudesse reagir, senti o olhar dele sobre mim.

— Coisa linda… comi a mãe, agora vou comer a filha. Já faz tempo que estou de olho em você, preta gostosa.

Minha espinha gelou. O medo me paralisou.

Tentei correr. Tentei gritar. Mas ele foi mais rápido. E forte.

Aquela noite foi o pior inferno da minha vida.

Ele me bateu, me rasgou, me feriu por dentro e por fora. Me deixou sangrando, humilhada, quebrada. Um pedaço de mim morreu ali. Tomei banho chorando, cada gota de água era uma faca cortando minha pele. Mas mesmo assim, fui ajudar minha mãe quando ela acordou vomitando, sem lembrar de nada.

No dia seguinte, ela me olhou com estranheza ao ver os hematomas no meu corpo. Não aguentei. Corri. Saí de casa sem rumo, com a alma gritando por socorro.

Quando voltei, horas depois, encontrei apenas uma carta. Minha mãe tinha ido embora. Sumiu. Desapareceu do mapa. E por mais raiva que eu sentisse, meu coração ficou apertado de preocupação.

Ela nunca foi uma boa mãe. Mas era minha mãe.

Mesmo me deixando trabalhar tão nova. Mesmo me expondo a perigos. Mesmo me deixando sozinha depois do pior dia da minha vida.

Eu me sentia suja. Vazia. Como se algo em mim tivesse sido arrancado. Será que algum dia aquela dor iria embora? Será que algum dia eu me sentiria limpa de novo?

Eu só queria sumir. Fugir daquele lugar. Qualquer canto seria melhor do que aquela casa que só me trouxe dor.

Um tempo depois, fui acolhida por uma senhora conhecida da vizinhança. Ela disse que me ajudaria, que me daria abrigo. Achei que teria um pouco de paz, mas foi mais uma decepção.

Ela me fez de empregada. Colocou todo o peso da casa nas minhas costas. Enquanto ela ficava deitada vendo televisão, eu lavava, cozinhava, limpava, como se tivesse alguma dívida eterna com ela.

Era só mais uma prisão.

Um certo dia, tudo mudou novamente.

O filho da senhora que me acolheu — Diego — apareceu sem aviso. Um homem negro, alto, corpo definido, sorriso encantador e um olhar que, no início, me hipnotizou. Eu tinha dezesseis anos. Meus olhos brilharam por ele. E ele pareceu se interessar por mim também.

Foi tudo rápido demais.

Em pouco tempo, começamos um relacionamento. No início, ele era gentil, me fazia rir, me chamava de linda a cada segundo. Mas bastaram algumas semanas para eu perceber que por trás daquele rosto bonito existia um homem desequilibrado.

Diego era ciumento. Doente de ciúmes.

Se eu chegasse alguns minutos atrasada, ele surtava. Gritava, me empurrava, quebrava coisas. Quando o surto passava, ele chorava e pedia perdão. Dizia que me amava, que só tinha feito aquilo porque tinha medo de me perder.

E eu… perdoava.

Mas aquilo se repetia. Sempre. A cada novo surto, os empurrões viraram socos. As palavras doces viraram ameaças. E eu me via cada vez mais presa, sem saber como sair.

A gota d’água foi quando descobri que estava grávida.

Eu achava que, com essa notícia, ele mudaria. Que o filho faria Diego se tornar um homem melhor. Mas o efeito foi o oposto. Ele ficou ainda mais possessivo, como se agora tivesse mais “motivos” para me controlar.

Quando cheguei ao quinto mês de gravidez, ele apareceu em casa bêbado, com cheiro forte de droga e os olhos vermelhos de fúria. Eu não sabia o que tinha feito dessa vez, mas ele não quis conversa. Me bateu como nunca antes.

Caí no chão e me encolhi, protegendo a barriga com todas as minhas forças. Chorei, supliquei… Mas ele não parava. Só foi embora quando me viu sangrando.

Acordei no hospital, com dores pelo corpo todo, o rosto inchado e hematomas por toda parte. Mas meu bebê... estava vivo.

Os médicos disseram que foi um milagre.

Naquele momento, eu soube: ou eu fugia, ou ele iria me matar. E talvez matasse meu filho também.

Enquanto ainda me recuperava, pedi ajuda discretamente a uma enfermeira. Contei apenas o suficiente. Ela teve compaixão de mim. Consegui algum dinheiro emprestado, documentos improvisados e passagem para um ônibus que me levaria até a Califórnia.

Era uma viagem de mais de seis horas. Eu nunca tinha saído da minha cidade. Mas não pensei duas vezes.

Fugi. Sozinha. Grávida. E com dezoito anos recém-completados.

Não tinha família. Não tinha amigos. Não tinha nada — exceto o meu filho. Ele era tudo que eu tinha agora.

A única certeza que me guiava era que eu precisava viver por ele.

E para isso, eu precisava desaparecer da vida de Diego.

Desde então, nunca mais ouvi falar dele. Mas ainda acordo no meio da noite com medo de vê-lo parado na porta. Ainda tremo ao escutar passos atrás de mim na rua. Ainda vivo assombrada por tudo o que ele me fez.

Espero que ele nunca me encontre.

Porque se ele descobrir onde estamos… eu não sei o que ele será capaz de fazer.

E não posso perder de novo.

Não posso perder meu filho.

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