Enfermeira de Ocasião

- Que dia, que maldito dia! - A sensação de perder o controle se apoderou de mim. Lady Leona podia realmente ser um caso difícil de lidar.

 O que eu podia esperar? A nata da sociedade nunca teve um bom sabor. Agora tenho 14 dias para finalizar um vestido ainda em processo de criação.

 Em todos esses anos era a primeira vez que sentia essa pressão, é claro que o trabalho seria entregue e a mulher pagaria o resgate de um rei por ele, ainda assim, era bastante desgastante. A sensação desagradável na boca do meu estômago só aumentou.

 E a garota? - Letizia… Letizia… - Como ela ousou me tocar daquela maneira? Como se eu fosse uma obra precisando de melhorias? O que diabos ela tem com minha aparência? Tirou totalmente meu foco, foi inadmissível. Mesmo que ela tenha ficado linda em cada peça que vestiu – Merda! - O que estou pensando?

- E ainda se achou no direito de fazer sugestões sobre meu vestido! - Devo admitir que foi uma boa sugestão e fiquei impressionado com a capacidade de observação e perspicácia dela.

 É a primeira vez que alguém tem coragem de falar tão abertamente comigo. Também foi a primeira vez, em muito tempo, que alguém me tocou como ela. Espontânea e gentil...

–O que estou sentindo? - Ainda tenho a sensação daqueles dedos finos, ajustando suavemente meu cabelo atrás da orelha. Aquilo tinha sido um gesto… um gesto quase… - Maternal? - meu estômago pulou outra vez – Eu pareço um garotinho por acaso?

 Preciso relaxar, chamar uma amiga e esquecer esse dia. Era hora de tirar o foco do atelier e desfrutar um pouco da vida. Estou fazendo tempestade em copo d'água, no fim deu tudo certo e a última peça apresentada foi aprovada com exultação.

 – Arthur! - frustrante pegar o telefone em busca de um contato e dar de cara com uma mensagem de meu assistente.

“não se esqueça, amanhã irei para Nova Delhi buscar o tecido artesanal que encomendamos, enviarei sua agenda pela manhã”

 É claro que enviará, você faz isso sempre, revirei os olhos – Arthur…

 Que curioso tinha sido aquela advertência “não me exceder”… Normalmente eu nem vejo os estagiários, por mais que eles se esforcem para serem notados. Instigante pensar que Lady Leona forçasse um contato maior, não que a jovem já não tivesse chamado minha atenção.

 Aqueles olhos amendoados e boca carnuda são bem meu tipo, fora que ela estava encantadora com aquele vestido preto, era difícil não notar. Mas garotas como aquela eram as piores, tinham ideais românticos sobre casamento e amor eterno.

 Aposto que nesse momento ela está suspirando e sonhando em se casar usando uma daquelas obras de arte que vestiu. Pobre garotinha – É possível que eu seja o noivo em suas fantasias…

 Meu estômago revirou, chega de pensar no dia que passou, eu já tive o suficiente. Abri minha agenda e sem titubear liguei para a escolhida.

- Tatiana... Você quer ser minha amiga essa noite? - Como imaginei, não precisei de nenhum esforço para atrair a bela russa.

 Uma hora depois estávamos aproveitando meus lençóis de seda. Tatiana parecia uma gata selvagem, ronronando sob mim, tão sexy. Sua pele pálida e cabelos longos e avermelhados eram muito persuasivos. Minha mente ainda estava tão envolvida pelo estresse do dia, que mais de uma vez quase cometi o deslize de chamá-la por outro nome – Letizia…

 O pensamento não me abandonava... que erro permitir que uma estagiária brincasse de modelo. Ela nem tem corpo para isso, nem alta ou esguia suficiente ela é. Lutei com minha mente enquanto as longas pernas de minha amiga me envolviam.

 Era suficiente, chega de Lady Leona, Letizia e Arthur, ao menos por hoje. Me deixei levar pela deliciosa russa em meus braços e borrei todos os outros pensamentos.

 Para meu total alívio, Tatiana se foi assim que entrei para o banho. Era uma vantagem repetir algumas amantes, com o tempo elas aprendiam a dinâmica que deviam seguir. Para completar minha noite resolvi pedir um prato leve e clássico de um restaurante próximo.

Passava das 3 da manhã quando acordei em sobressalto, tinha algo errado comigo, estava suando frio e não parava de tremer. Senti o líquido quente e azedo subir por minha garganta, por sorte consegui correr até o banheiro. M*****a comida de restaurante, lá estava eu desidratando rapidamente no chão.

– Eu estou de volta? - Minha mente grita enquanto observo com atenção o lugar onde estou. Não posso estar de volta – Estou morto? - Era Busan, eu estava em minha cidade natal, sem dúvidas. Aquela era minha antiga casa, obscura e empobrecida como me lembro. Uma mulher alta e de cabelos escuros saiu pela porta da frente, eu a conheço, é minha mãe. Estava indo embora, ela sempre estava, não me viu. Um garotinho gritou da porta. Um garotinho magricelo e choroso queria sua atenção – Sou eu… - A mulher, minha mãe, voltou-se por um momento, mas nada fez, não sorriu ou chorou, apenas deu as costas e partiu.

 É provável que eu tenha apagado no chão de meu banheiro, acordei outra vez confuso e com a boca já cheia de um líquido verde pútrido. Maldito pesadelo, maldito restaurante – Não seria irônico Vincent Kim? - Minha mente debochava de mim – De todos os comportamentos duvidosos que poderiam te levar a morte, você foi derrubado por um crepe feito com ovos estragados.

 Perdi totalmente a noção do tempo, o sol já entrava pela minha janela quando senti meu estômago forte o bastante para me afastar do sanitário. Preciso chamar Arthur, preciso de medicamentos, não quero fazer alarde.

– Não quero ser encontrado coberto de vômito e nu – Minhas pernas fraquejaram, não conseguia me pôr em pé, os calafrios voltando com mais intensidade – Não posso continuar, preciso do meu telefone e…

 Devo ter desmaiado novamente. Uma jovem mulher, me erguia do chão e arrastava até a cama. Quem era aquela? Provavelmente outro sonho, bem mais interessante e perfumado. Será que eu estou morto e aquele era meu paraíso privado? Não seria ruim, uma donzela de vestido floral e perfume de baunilha…

 Ajustei meus olhos à claridade que invadia o quarto. O que? O que a estagiária está fazendo na minha casa? Onde está Arthur? 

– Delhi… Letizia…

 A jovem rapidamente cobriu-me, fechei os olhos com força e trinquei os dentes, que pesadelo. Se eu não estou morto já é hora de estar depois disso. Senti um tecido úmido e cálido, deslizando delicado e suave em meu rosto, pescoço e peito. Ainda sem abrir os olhos afastei as mãos que me tocavam.

– Pare! – A advertência foi enfática – Você está sujo… - Encarei a dona da voz.

– Letizia… - A estagiária estava em pé ao lado da cama me observando, olhos arregalados e bochechas coradas.

– Vou chamar a ambulância e…

– Não! - Me ergui da cama, ficando de joelhos e agarrando o antebraço dela. Fechou os olhos rapidamente. Por que ela fechou os olhos? - Maldição! - Eu estou nu. De imediato voltei a sentar na cama e me cobrir da cintura pra baixo, tonto pelo movimento rápido e pelo constrangimento geral – Não estou morrendo – Ela voltou a me encarar.

– Precisa de cuidados médicos – Falou suave e calmante, impressionante efeito que tinha aquele tom de voz.

– Comi algo que não me fez bem, preciso de água e algumas coisas da farmácia – Encerrei o assunto – Como conseguiu entrar?

– Me deram seu endereço no atelier para checar se estava tudo bem … - Ela se movia no mesmo lugar incômoda – Eu… então, vim – Completou séria, piscando algumas vezes e mordendo o lábio inferior.

– Como entrou? A portaria não te anunciou e…

– Não havia ninguém na portaria e sua porta não estava trancada – A jovem estava começando a ficar vermelha, baixou o olhar. Provavelmente se lembrando da cena patética presenciada a pouco, Vincent Kim, nu e sujo no chão do banheiro.

 Assim que ela saiu para ir até a farmácia, depois de fazê-la jurar três vezes que não mencionaria aquilo para ninguém, avaliei a situação. Já hidratado, resolvi tentar tomar um banho e me livrar do fedor que havia em mim.

 Foi horrível, quase não me mantenho em pé, foi dramático, mas não pior do que a cena que vi assim que saí do banho. Em minha cozinha, a garota com vestido floral preparava torradas e chá. Sua desenvoltura era chocante, não, eu diria irritante.

– O que acha que está fazendo? - Apertei os dentes, mas minha vontade era pegar em seu braço e arrastá-la para fora.

– Um café da manhã leve, para que seu estômago não recuse e para que possa tomar os remédios – Respondeu com tal tranquilidade que há tempos não via um funcionário ter.

– Não gosto que usem minhas coisas – A frase saiu mais como um garotinho aborrecido do que um nome mundial da moda. Imediatamente ela parou o que fazia, me encarou séria por alguns segundos para então sorrir, adorável.

– Senhor Kim, Arthur me ligou e pediu que providenciasse tudo o que necessita para uma total recuperação.

 Ela era mesmo diferente, garotinha decidida, usar o nome de Arthur foi bastante esperto. Sorri friamente para ela, normalmente estagiários tremiam diante daquele sorriso, todos tremiam. Letizia apenas sorriu da mesma forma, seu sorriso quente ficou frio, imitação perfeita do meu. Em seguida, voltou sua atenção para as torradas e chá que preparava.

 Sentei-me à bancada, observando os movimentos dela. Eu me sentia tão fraco e ao mesmo tempo havia uma excitação inexplicável em meu peito. É a primeira vez que vejo uma mulher na minha cozinha, nem mesmo a responsável por manter meu apartamento limpo tem autorização para cozinhar aqui.

– Então, você falou com Arthur?

 Ela terminou de servir o que preparou, colocando diante de mim torradas crocantes e uma xícara fumegante de chá. Sorriu com calor outra vez antes de falar.

– Sim, ele pediu que eu mantenha o assunto privado e que após providenciar tudo que o senhor necessita volte para o estúdio.

– E o que falará no estúdio?

– Devo informar que você tem uma agenda fora hoje e apenas Arthur sabe. Por isso ele mesmo desmarcou seus compromissos no atelier – Nesse momento ela parou de sorrir – Já que estava por perto de seu apartamento, fiquei encarregada de levar sua roupa para lavanderia por isso demorei tanto para voltar.

– Não sabia que Arthur era tão bom mentiroso.

– Não foi ideia dele – Ela ergueu uma sobrancelha orgulhosa – Sou sua estagiária, é fácil me incumbir tarefas não tão agradáveis.

– Estagiária… – Tomei um gole do aromático chá – Você deve ir agora.

 Ela nada disse, observou-me por mais alguns segundos, sacudiu a cabeça afirmativamente e se dirigiu à porta. Nunca havia visto uma mulher querer sair tão rápido de meu apartamento, sem dúvidas, era a mulher mais peculiar que já esteve aqui.

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