A Mãe do Meu Filho
A Mãe do Meu Filho
Por: Mariana Moraes
Capítulo Vinte e Seis

Não havia nada mais desagradável do que despertar com uma intensa dor de cabeça causada pela ressaca no seu próprio quarto e com uma colega de trabalho ao lado.

De repente, o alarme do meu celular começou a tocar. Droga. Eu estava muito atrasado.

— Eliza, acorda! — falei, a cutucando. Elizabeth Paul, ou Eliza como eu costumava chamá-la para irritá-la, tinha sido uma pedra no meu sapato desde que nos conhecemos quando entrei para a empresa que ela trabalhava. Vaidosa, convencida e manipuladora, eu a odiava quando estávamos no escritório. Contudo, depois que percebemos que frequentávamos o mesmo bar, a nossa relação debaixo dos lençóis se tornou bem diferente.

— Cala a boca, Jason, eu estou tentando sonhar com o dia em que você for demitido da empresa. — resmungou ela.

— Você não se livraria de mim assim tão fácil. — pisquei, buscando por roupas limpas e causais no meu guarda-roupa.

— Mas você parece bem ansioso para se livrar de mim. — Eliza retrucou, se levantando para se vestir de uma maneira que eu pudesse ver suas costas nuas. — Eu esperava pelo menos um café.

— Eu pareço um dono de pensão de cama e café da manhã para você? — repliquei. Ela revirou os olhos e passou a arrumar a minha cama. — Ei, já falei para não fazer isso.

— Alguém precisa fazer isso. 

— Eu vou arrumar. — falei, segurando sua mão para que parasse.

— Você disse isso da última vez que estive aqui. E ontem estava uma bagunça. Por Deus, eu não sou sua babá, arrume sua cama! 

— Se eu fizer isso vou perder o posto de cara mal, sério e misterioso com o pessoal. — brinquei.

— Ninguém acha que você é sério e misterioso. Na verdade, você foi escolhido como palhaço da equipe. — disse Eliza, me empurrando levemente para que eu saísse da frente dela e se dirigiu para fora do quarto até sala.

— Quando foi essa votação? — indaguei, indo atrás dela. — Vocês vão me obrigar a usar uma fantasia de palhaço e colocar uma foto na entrada? E, você foi escolhida para ser o que? O carrasco?

Eliza ignorou meu comentário e começou a juntar seus pertences.

— Para o que você está atrasado? — perguntou ela.

— Não estou atrasado. 

— Claro que está atrasado, você sempre está atrasado. Me fala, planos em Nova York?

— Nova York... — balbuciei. — Nunca ouvi falar.

— Eu sei que seu filho mora em Nova York. — respondeu, apontando para de uma das milhares fotos que eu tinha de Tommy, meu filho de dezessete anos.

— Ah, como eu pude esquecer. — fingi lamentar. Eliza abriu a porta para sair, porém, acabou trombando com meu meio-irmão que entrava no apartamento após sua corrida matinal.

— Você está fedendo, Jamie. — queixou-se ela, chamando-o pelo apelido.

— É... é porque eu estou suado. — gaguejou James. Depois de decidir sair dos dormitórios de Yale porque seu colega de quarto era insuportável, ele ainda precisava de um lugar para morar e se recusava a ir para a casa do nosso pai. Como tínhamos o ódio por ele em comum, eu permiti que dividisse o apartamento comigo até se formar. — Ao contrário de você... Você está ótima.

— Eu já acordo perfeita. É um dom. — ela sorriu e saiu.

— Uma mulher e tanto que você arrumou. — disse James. — Será que ela aceitaria se eu a chamasse para sair?

— Não tenho tempo para conversar, vou sair, e provavelmente vou chegar tarde. — falei, pegando a única coisa na geladeira que era meu: uma fatia de pizza fria e velha. Não tinha tempo para preparar algo para comer e resto dos alimentos pertenciam à James e sua dieta saudável.

— Isso um dia vai acabar matando você. E não diga que eu não avisei. — afirmou ele, apontando para a minha escolha de café da manhã de gosto questionável.

— Em vez de passar o resto do final de semana pensando na minha morte, por que não sai? — sugeri.

— Eu preciso estudar. — respondeu. Balancei a cabeça, desaprovando. 

— Tem certeza que somos meio-irmãos? — franzi a testa, dando ênfase em "meio". Eu nunca quis ter relação com a outra família do meu pai e não começaria agora. James morando comigo era apenas um pequeno infortúnio. Mal podia esperar para ele se mudar, assim eu nunca mais precisaria vê-lo ou qualquer rastro da família dele. Não queria nada com nenhum deles. Nem mesmo quando estava na faculdade. Eu os conheci quando me mudei para New Heaven e toda vez que meu pai ligava eu fazia questão de coincidentemente não estar em casa. — Qual é, Jimmy, você tem vinte e três anos. Tem que sair de vez em quando.

— Não me chame de Jimmy.

— Tanto faz. — dei de ombros. — Tenho que ir.

Levava cerca de uma hora e meia de New Heaven para Nova York. Para minha sorte, as manhãs de domingo naquela estrada nunca eram agitadas. Dessa forma, eu havia ganhado um certo tempo e talvez conseguisse chegar bem em cima da hora. Estacionei de qualquer jeito e disparei na direção do prédio.

— Olá, senhor Martell. — o porteiro me cumprimentou. Acenei com a cabeça em resposta. O porteiro era sempre muito simpático, contudo, adorava longas conversas sobre o clima e eu não poderia me dar o luxo de entrar numa delas. Entrei no elevador, torcendo para não parar em nenhum outro andar enquanto subia para a cobertura.

No segundo em que a porta do elevador se abriu, me deparei com ela, já a minha espera.

Ariana Baker era a mãe do meu filho. De longos cabelos escuros e cacheados, profundos olhos castanhos e dona do sorriso mais brilhante e apaixonante que eu já vira, Ariana parecia não ter mudado nada desde quando não passávamos de colegas de classe. Continuava a mesma mulher esbelta e corajosa, todavia, muito mais madura. Era difícil tentar não pensar na nossa história mesmo que agora não passasse de uma lembrança distante. Ainda éramos amigos, no entanto. E não só por causa do nosso filho. Nós sempre nos demos bem.

— Você está atrasado. — reclamou Ariana. Bem, quase sempre nos dávamos bem. Ela odiava atrasos. 

— Como sabia que eu estava subindo? — semi-cerrei os olhos. — Você é do FBI ou algo parecido?

— O porteiro me avisou. 

— Traidor. Realmente pensei que ele estivesse do meu lado nessa. — murmurei. — Talvez, vocês estejam cedo demais. Já parou para pensar que seus relógios podem estar adiantados? Ainda bem que eu avisei, imagina como seria terrível chegar cedo numa... numa festa de aniversário, por exemplo. Isso que dá morar com um britânico, eles são maníacos por pontualidade. — falei. Ariana virou-se, revirando os olhos e eu a segui pelo corredor até seu apartamento.

— Sinto muito que meus relógios não combinem com as "horas do Jason".

— Oi, Tommy! — exclamei, ao entrar no apartamento. Seu nome era em homenagem ao meu padrasto e professor de artes, Thomas, falecido há muito tempo. Quando Ariana ficou grávida, tínhamos dezesseis anos e eu nunca havia desejado ter filhos, devido aos problemas com o meu próprio pai. Porém, no momento em que Tommy nasceu, eu soube que ele o aspecto mais importante da minha vida e a minha prioridade número um. Mesmo que crescesse e se tornasse aquele adolescente arrogante que me olhava com desdém. — Desculpe o atraso, mas aqui estou eu e com os tickets para o jogo. Comprei nas melhores fileiras.

Eu adorava perturbar Ariana com o fato de que Tommy e eu éramos muito parecidos. Ele tinha a pele clara e cabelos cacheados e loiros, mas os olhos... Os olhos castanhos como os dela. E não só fisicamente. Quando ele era menor, adorava ir aos jogos do New York Giants comigo e era apaixonado por futebol americano, como eu. Ele também jogava no time do colégio. Acabou se tornando uma tradição que nós fossemos ver os jogos juntos de vem em quando. Só que agora ele parecia crescido demais para passar um tempo com o pai.

— Não tinha percebido que tenho cinco anos de novo— disse ele, em tom de deboche. — Devo chamá-lo de papaizinho?

— Eu sei que não gosta quando te chamo de Tommy, é eu sei. — o interrompi. — Mas advinha só? Eu te eu te dei um nome e parte do meu DNA então acho que tenho o direito de chamar você como quiser.

— Está bem— bufou ele, sem tirar aquele sorriso convencido e insolente dos lábios. Então se levantou e vestiu uma jaqueta jeans por cima do casaco de moletom preto que ele já usava. Eu também havia muito de Ariana nele. Ela era corajosa, leal, empática e altruísta, mas também muito perfeccionista e inflexível. Quando ele saia do papel "adolescente revoltado e indiferente" eu via aqueles aspectos nele.

— Juro, não sei mais o que fazer com essa atitude. — Ariana sussurrou.

— Tudo bem... Lembra que ele gostava de cavalos? Podemos mandá-lo para uma fazenda.

— Ele morreria no primeiro dia sem um chuveiro elétrico, sem seus produtos de cabelo e sem poder ir para academia. Meu Deus, — ela suspirou. — criamos um playboy mimado de cidade grande.

— Eu posso ouvir vocês. — falou Tommy, se aproximando. Ariana e eu trocamos olhares, nos segurando para não rirmos. — E me sinto lisonjeado que achem isso de mim.

— Ei, não seja rude. Eu não tenho nada contra playboys. — levantei as mãos, como se provasse que era inocente. — Bem, temos que ir se não quisermos chegar atrasados.

— Divirtam-se no jogo. — disse Ariana, beijando a bochecha do nosso filho contra a vontade dele.

— Me diga as novidades. — disse eu, no momento em que entramos no carro.

— Hum, deixa eu pensar... Desde que nos os vimos na sexta e quando você ligou ontem tanta coisa aconteceu. Inclusive, eu achei a cura para o câncer. — zombou.

— Eu estou tentando fazer meu trabalho como pai presente, aqui, está bem? — insisti. — Me ajuda um pouco. Como estão as notas?

— Mal.

Eu ficava indignado com isso. Tommy era uma das crianças mais inteligentes que eu conhecia. Ele odiaria admitir isso, mas eu sabia dos inúmeros livros escondidos no quarto dele e que ele lera cada um deles. E, mesmo assim, ele deixava suas notas caírem.

— Falaremos sobre isso depois. — respirei fundo. Não queria estragar nosso passeio com um sermão que ele já escutara milhões de vezes. — Quer passar em algum lugar e pegar um café antes de irmos?

— Café forte? Totalmente preto? — arqueou uma sobrancelha. — Sem nenhum pingo de leite?

— Claro. Que a sua mãe não nos escute.

— Agora estamos conversando. — ele esboçou um leve sorriso. Esse é o meu filho viciado em café, pensei.

— Então... — resolvi mudar de assunto. — Sobre o namorado da mamãe que eu vou finalmente conhecer hoje, depois de meses... — soltei uma risada fraca. Não fora fácil arranjar uma brecha nas nossas agendas corridas para que nos conhecêssemos, ainda mais porque tinha viajar para Inglaterra a cada trinta dias pois sua empresa ficava lá. — Como ele é?

— Ah, o Sam? Ele é normal, eu acho. Um pouco alto demais, e o sotaque britânico dele irrita às vezes. Ele é muito organizado. Digo, muito. A mamãe já era paranoica com organização, mas depois que ele veio morar com a gente... Nossa casa nunca mais foi a mesma. Não tem nenhuma coisinha fora do lugar. Chega a ser chato. Ele é perfeccionista, metódico, ama rotinas e agendas. Parece...

— Parece perfeito para a mamãe. — completei.

— É, perfeito para a mamãe. — repetiu Tommy, tentando parecer indiferente. Tommy não sabia que eu e Ariana já tínhamos sido apaixonados, mas talvez ele sonhasse que os pais ficassem juntos, como toda criança.

— Se ele faz a mamãe feliz e ela está feliz, estamos felizes, certo? — falei, tentando convencer mais a mim mesmo do que à Tommy. Ele fez que sim com a cabeça.

— Quando ela está feliz podemos jogar videogame até tarde.

Dito isso, seguimos para o jogo em silêncio.

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