Capítulo Vinte e Oito

Mais um dia acordando com uma baita dor de cabeça.

Naquela segunda-feira, eu estava sozinho na minha cama, ao lado de um buraco entre os lençóis e um bilhete que dizia "Me diverti muito ontem a noite, mas precisei sair cedo". Me sentei na beirada da cama, com a cabeça entre as mãos, me xingando mentalmente ao recordar da conversa com Eliza na noite passada. E como provavelmente eu estaria ferrado no momento em que pusesse os pés no escritório. Eliza não hesitaria ao me denunciar pela falta de produtividade e eu não tinha nenhum projeto pronto para apresentar, ou qualquer argumento para me defender.

Me levantei tentando lembrar qual era o nome da mulher que deixara aquele bilhete, enquanto algumas lembranças da noite anterior surgiam na minha cabeça. Eu me vi na minha banheira, coberta de espuma, com uma taça de champanhe na mão, mesmo que eu já estivesse bêbado. Eu falava para ela se aproximar, e ela vinha em minha direção com um sorriso atrevido.

Linda, Lara... Lucy!, pensei, ao entrar no banheiro, é definitivamente Lucy.

Coloquei um dos meus ternos de trabalho, tentei ajeitar os fios loiros do meu cabelo rebelde e bagunçado e fui para a cozinha, onde me deparei com James, tomando seu café da manhã.

— Jason...

— Nem começa. — rosnei, o interrompendo. — No que estava pensando?! Na verdade, eu devia chamar um médico porque você nem estava pensando! Talvez seja sério! Em duas semanas, vai estar em todos os jornais "doença misteriosa tira a capacidade de pensar de algumas pessoas!".

— Eu sinto...

— Você mexeu no meu pen-drive! E ligou para Eliza!

— Mexer no seu pen-drive um acidente. — James tentou se explicar. — Eu ia ligar para ela de qualquer forma. Eu a chamei para sair. Eu só mencionei no assunto porque eu estava preocupado e pensei que ela pudesse fazer algo.

— Que gracinha, vocês se merecem. — resmunguei. — Me diga uma razão para não lhe expulsar do meu apartamento agora mesmo.

— Eu pago você pelo quarto! — protestou.

— Eu não preciso do seu dinheiro. — afirmei, saindo do apartamento e batendo a porta atrás de mim.

Assim que cheguei na empresa, fui direto para a minha sala. Era como se eu estivesse apenas esperando o momento em que fosse chamado. Na minha mesa era uma verdadeira bagunça de documentos, canetas, fotos de Tommy, cartões de visita e post-its. Atrás de mim, haviam alguns dos meus projetos que me levaram à diversas promoções e, bem no centro, o meu diploma de Yale. Eu ficava estressado toda vez que olhava para ele, pois sabia que nada daquilo fora mérito meu. E me odiava por isso.

Por outro lado, meu emprego trouxera estabilidade para a vida de Tommy, que sempre estudou nos melhores colégios, e Ariana, que tivera muita dificuldade no início da sua carreira como jornalista.

Para me distrair, fiz um aviãozinho de papel, parecido com o que tinha feito na primeira vez que Tommy viera me visitar no trabalho. Ele tinha mais ou menos sete anos e naquela época só saía de casa se fosse com um chapéu de cowboy ou uma bola de futebol americano.

— Meu Deus, papai! Aqui é alto! — exclamou ele, observando a vista.

— Por isso você tem que ficar longe da janela. — retruquei, tirando-o e perto da janela, mesmo que ela estivesse trancada, não devia ser totalmente segura. — A não ser que você seja o super-homem e pode voar.

— Você é o super-homem, papai?

— Não, mas eu posso fazer isso. — falei, pegando um pedaço de papel e fazendo um aviãozinho, que voou pela sala. Tommy observou tudo, encantado. — Além disso, você pode ser um super-herói bem legal, mesmo sem poderes.

— Eu quero ser como você quando eu crescer. — ele riu. — Eu vou combater vilões, e piratas e gavetas malditas! — gritou, puxando com força a gaveta da minha mesa para que ela abrisse. — Eu sabia que os doces estavam escondidos aqui! — comemorou, pegando de lá um pirulito.

— Eu trouxe café! — Ariana entrou na sala. Tommy correu na direção dela, animado, mas sua mãe negou com a cabeça. — Não, Tommy, o café é para a mamãe e para o papai.

 Isso é tão injusto! Café tem um cheiro tão bom, por que é só adultos?!

— Senhor Martell? — a minha secretária bateu na porta, me tirando dos meus pensamentos. — O chefe está lhe chamando.

Respirei fundo e caminhei para o escritório do chefe executivo, Antonio Morales, que já me esperava, com Eliza. Para ele, eu era o "garoto Yale". Sendo muito jovem, com, no máximo, quarenta anos, ele apreciava criatividade e inovação dos seus funcionários, e como eu nunca fui uma pessoa muito séria, eu e ele sempre nos demos muito bem e costumávamos nos divertir em confraternizações fora do trabalho. Porém, ele também era exigente e esperava altos padrões de produtividade.

— Temos um assunto muito sério para discutir, meu garoto. Por favor, sente-se. — começou ele. — A senhorita Paul me relatou uma situação séria.

Olhei para Eliza de canto e imaginei o quanto ela estava adorando aquilo.

— Eu permiti que adiassem a apresentação de vocês porque achava que você estava realmente trabalhando nela. A senhorita Paul, no entanto, me informou que não. Que você está distraído e não dorme direito, está sempre bebendo, e não produz nada há meses. Eu pedi à sua secretária que me mostrasse seu caderno de notas e rascunhos, e nele só tem desenhos e rabiscos. Eu relevei por um tempo, supondo que você estava apenas cansado das suas viagens quase que diárias para Nova York. Mas você não está nem tentando se esforçar. Você tem alguma explicação para isso?

— Tem muito na minha cabeça, mas eu sei que isso não é uma desculpa. Eu sinto muito, Morales. — disse eu, cabisbaixo. Aquele trabalho era realmente frustrante para mim. Não entendia o sistema de escritórios como meus colegas. Não via graça em me esforçar tanto para ganhar uma mesa maior, ou uma sala maior. Era exaustivo trabalhar em algo que não me dava alegria, e fazia um tempo que eu não me sentia motivado.

O pior de tudo era o meu pai. Não importava quanto tempo passasse e o quanto eu me afastasse eu era assombrado pela sua voz, me dizendo que eu era inútil, que eu era um nada e que eu acabaria como ele. O que, naquele momento, parecia ser a realidade.

— Eu sempre soube que o trabalho de escritório não era para você. Por isso sempre tentei te dar tarefas mais criativas, porque, quando se trata de criatividade e mente aberta, você é o meu melhor funcionário, você é o meu garoto Yale. Mas eu preciso que você trabalhe.

— Eu me distraí, Morales, mas não vai acontecer de novo. — me levantei da cadeira. — Aqui é uma floresta? Porque eu vou trabalhar como uma formiga. Eu vou me dedicar mais do que qualquer um.

— Eu tenho certeza que você vai. — Morales sorriu, triste. — Mas hoje não. Nem amanhã. Nem por um tempo indeterminado.

— O quê?! — franzi a testa, confuso.

— Você está suspenso, Jason. — lamentou ele. — Não se preocupe com o seu salário, não vamos cortá-lo. Mas eu preciso que você tire esse tempo para se recompor. Organizar sua cabeça, sua rotina. Porque quando você voltar, vou precisar que esteja 100% nessa empresa. Você vai ter que trabalhar muito para repor o tempo perdido.

— Eu entendo. — falei, num suspiro.

— Eu preciso do me garoto Yale de volta. — Morales deu alguns tapinhas no meu ombro. — Agora pode sair.

— Jason... — Eliza me chamou, assim que saímos da sala do nosso chefe. — Você tem que entender que eu fiz pela empresa.

— Não banque a boa samaritana agora, Eliza. — repliquei, chateado. — Nós dois sabemos que você fez isso por egoísmo.

— Eu sou a egoísta? Você está frustrado com a sua vida porque seu filho não liga para você e você odeia seu trabalho! E você não liga que isso afeta seu desempenho e que a empresa precisa de você!

— Já pode parar agora. Conseguiu tudo que queria. Conseguiu a promoção e não vai precisar me ver aqui por um tempo. — rosnei. — Você ganhou.

— Você só está tentando achar alguém para culpar. — Eliza deu de ombros. — Você é patético.

Entrei na minha sala bufando de raiva. Eu não admitiria tão fácil, mas talvez ela estivesse certa. Eu estava com ódio de mim mesmo, e procurava alguém para direcionar minha raiva. Eu me sentia ridículo.

— A mãe do seu filho ligou. — avisou minha secretária. — Pediu para que você ligasse de volta.

— Obrigada. — falei, pegando o telefone e discando o número de Ariana. — Alô, Ariana, está tudo bem? — tentei mascarar a tristeza em minha voz. Não queria que ela se preocupasse.

— Jason, eu sei que você deve estar ocupado, mas preciso que venha para o colégio de Tommy imediatamente. — disse ela, parecendo irritada. — O diretor está os chamando.

— O que aconteceu? — exclamei, preocupado. Não podia ser bom.

— Tommy se meteu numa briga. De novo.

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