A Luna secreta do Alpha
A Luna secreta do Alpha
Por: Ellencarolinne
01. A carta

Sinto roupas sujas sendo jogadas em direção ao meu rosto com agressividade e me levanto atordoada, meu corpo inteiro dói após um dia de trabalho árduo.

— Ei, órfã preguiçosa! — a voz ecoou sobre o porão. — Eu te disse para lavar todas as roupas, e o que seriam essas que sobraram? — Ela aponta para a trouxa de roupas que acabará de jogar em mim.

Levanto-me devagar, os músculos protestando a cada movimento. Encaro a figura imponente da minha tia, lutando para manter a compostura, mesmo que minhas mãos estejam tremendo de frustração e tristeza. Respiro fundo, buscando forças para não deixar as lágrimas traíras rolarem livremente pelo meu rosto.

— Eu… eu estava… tentando terminar, eu juro — as palavras saem da minha boca em um sussurro frágil, quase abafadas pela raiva contida.

Mas as palavras dela cortam meu ímpeto. Um nó se forma na minha garganta, mas preciso manter a calma, preciso. Com um esforço sobre-humano, controlo a vontade de rebater, resistindo ao impulso de explodir em choro. Limpo o rosto rapidamente, tentando disfarçar a fragilidade que transparece.

— Não fale nada, Anne, levante dessa cama e vá terminar os seus serviços. Você não mora aqui por caridade e sabe disto.

Aquilo parecia nunca ter fim, e quanto mais eu tentasse me esquivar de toda a escravidão, mais infelizmente eu não tinha para onde ir.

— Eu… eu fiz tudo o que a senhora me mandou fazer, eu não havia visto essas roupas — respondi com a cabeça baixa.

— Não, sua tonta. Não fez, você sempre faz as coisas pela metade. Levante-se e termine de lavar as roupas, como eu ordenei. Estamos entendidas?

Ela era uma bruxa!

Saio do porão e me dirijo até a área de serviço, sabendo que esse era o ciclo diário da minha vida. Respiro fundo mais uma vez, como se buscasse a coragem no fundo dos meus pulmões, e com passos pesados, saio do porão. Cada passo é como se carregasse não só o fardo das roupas sujas, mas toda a humilhação e desespero que parecem ser meu destino diário.

Meus pais haviam falecido em um acidente, e eu sobrevivi, mas não tinha lembranças claras deles, apenas algumas fotos e memórias fragmentadas.

Desde então, minha vida se transformou em um verdadeiro inferno diário. Eu era apenas uma criança de dez anos na época, e me recordo de que por mais que não entendesse muitas coisas na época, a dor da perda era insuportável.

Meus tios eram pessoas ricas, mas eu não tinha nada. Eles me tratavam como uma escrava, obrigando-me a limpar a casa todos os dias, a realizar todas as tarefas domésticas, especialmente minha prima Valerie. Eu não tinha voz nesse lugar, eu era apenas uma empregada. Não tinha parentes próximos, nem conhecimento sobre minha infância ou minha vida anterior. Às vezes, sentia-me como alguém sem identidade.

Meu tio é irmão de meu falecido pai. E mesmo assim, eles deixam com que maltratem dessa maneira. Eu sentia que eu era o pior lixo do mundo.

E era exatamente isso.

Aos vinte e dois anos, eu sonhava em me tornar médica. Meus tios permitiram que eu estudasse quando mais nova, apenas porque tinham outra criança em casa, e eles não queriam que as pessoas fizessem muitas perguntas.

Essa foi a única chance que tive na vida, e eu a agarrei com todas as minhas forças. Estudei incansavelmente, minhas mãos estavam cansadas de tanto segurar lápis e livros, mas eu consegui entrar em uma das universidades mais prestigiadas de Portland.

E é óbvio que mantive isso em segredo, pois sabia que meus tios tirariam essa oportunidade de mim se descobrissem.

Eles não queriam que eu tivesse sucesso, na verdade, eles nem sequer queriam que eu tivesse nada, pois assim, perdem a empregada. Eu os odiava, e na maioria das vezes, eu apanhava, principalmente da esposa dele, Amélia, que me odiava com todas as forças.

Eu estudava à noite, escondida. Mentia para eles, dizendo que eu dava aulas a uma garota, eles acreditaram e não me impediram, pois assim eles não precisam me dar nada para o básico.

Mas, na verdade, eu me sustentava com uma pequena bolsa que recebia na faculdade, era pouco, mas dava para suprir as necessidades.

Eu corria para as aulas noturnas na faculdade de medicina. Mas essa situação estava se tornando insustentável. Havia tantas tarefas que eu precisava enfrentar, e eu não sabia por quanto mais tempo conseguiria esconder essa realidade dos meus tios. Eu poderia optar por ir embora daqui, mas eles iriam me caçar como um animal.

Exausta, eu esfregava as roupas da madame na pia da área de serviço. Meus olhos ardiam de tanto sono, então me apoiei sobre a pia, na tentativa de descansar um mísero segundo. Aquela água da lavanderia estava fria, passei as minhas mãos molhadas em meu rosto, e bufei, lembrando que elas estavam molhadas.

— Argh! — Bufei irritada jogando as roupas na pia.

Ouvi alguém se aproximar. E pude sentir pelo ar de superioridade.

A minha prima Valerie. Ela era insuportável e me tratava como lixo, mas, na verdade, todos aqui me tratavam. Ela parecia encontrar prazer nisso. Suas palavras ofensivas e atitudes, para ser sincera, não me feriam mais. Passei quase metade da vida ouvindo coisas semelhantes, que eu não valia nada e que era uma órfã estúpida.

Eu não tinha esperança, mas tinha a determinação de continuar lutando, pois eu queria ser alguém, queria um dia ser a Doutora Anne Turner, o que parecia impossível.

— É melhor você lavar as minhas roupas direito. Não as coloque na máquina de lavar; são peças caras — Valerie apareceu atrás de mim, com seu ar de superioridade.

Virei-me para encará-la, meu rosto mantinha uma expressão impassível.

— Então, por que você não as lava, Valerie? — eu não hesitei em responder.

— Porque a empregada aqui é você, Anne. Deveria agradecer aos meus pais por terem te acolhido nesta casa, já que você não serve para mais nada — ela disse com um sorriso sarcástico.

— Eu não estou reclamando de nada, pelo contrário — disse.

— Então faça por onde, queridinha — ela disse rindo.

Mantenha a calma e ignore, Anne. Pensei.

A vontade que eu sentia era de rasgar todas as roupas dela se ela me dissesse algo mais.

Terminei minhas tarefas e o meu corpo já estava à beira do colapso.

Me encontrava tão cansada, passei o dia todo limpando, cozinhando e servindo. Era desumano o que eles faziam comigo. Entendo que eles me deram abrigo e comida, e que não tinham a declarada obrigação de me acolher quando perdi a minha família. Eu me recordava de um dia, em que sem querer queimei uma das roupas da minha tia enquanto as passava, e ela me desferiu tantos t***s no rosto que não aguentei e cai.

Sai dos meus pensamentos, estava pronta para me retirar e descansar finalmente de tudo, mas, como de costume, a vida tinha outros planos para mim.

Meu tio entrou no cômodo e anunciou que traria pessoas importantes para casa daqui a alguns dias, e adivinha só, eu teria a "honra" de servi-los.

Parabéns, Anne.

Suspirei profundamente, ciente de que não tinha escolha. Minha vida era uma série interminável de obrigações não desejadas, e a perspectiva de faltar a mais uma aula na faculdade nesse dia para atender a essas pessoas estúpidas e vazias, era apenas mais um fardo.

— Ok, tio Antony — falei.

Eu odiava minha vida. Cada dia era um teste de paciência, e eu já estava à beira do limite. A dor, a humilhação, a exaustão, tudo parecia inevitável, e eu me perguntava até quando conseguiria suportar.

Me encarei no espelho, observando as contusões no meu pescoço, elas estavam sumindo, ainda bem. Não aguentava mais ter que escondê-las com o cabelo. Bom, elas eram frutos das agressões que eu sofria.

Mesmo assim, antes de dormir, eu sabia que não poderia deixar meu sonho escapar.

Minha determinação vinha de um lugar que eu não conseguia identificar, talvez tivesse puxado aos meus pais, mas era o que me mantinha firme. Peguei meus livros e cadernos, e enquanto me dirigia para o quarto, eu sabia que, apesar de todos os obstáculos, eu poderia fugir disso um dia.

Amanhã, a cidade celebraria uma grande festa, marcando a comemoração anual da fundação.

Era um evento aguardado por todos, mas eu sabia que meus tios não me permitiriam participar. Mesmo assim, a ideia de comparecer à festa me enchia de um desejo profundo, uma ânsia por algo diferente, por um instante de liberdade.

Eu desejava intensamente ir, e estava determinada a encontrar uma maneira de fazer isso acontecer. Sempre havia um jeito, uma brecha na rigidez das regras.

Era como se a festa representasse uma pequena fuga, somente pensava em tomar um ar fresco, e eu estava decidida a aproveitar essa oportunidade, custasse o que custasse.

Eu estava prestes a dormir quando ouvi um barulho como se alguém estivesse vindo até o porão. Rapidamente escondi meus livros e me deitei na cama fingindo dormir.

— ANNE! — pude ouvir os gritos da bruxa da Amélia.

Meu coração acelerou rapidamente juntamente com a minha respiração, e eu me recostei no canto perto da parede com as mãos nos joelhos. Isso não era nada bom.

Ela entrou no quarto, sua expressão era de ódio. E eu não fazia ideia do que eu havia feito.

— Valerie disse que você manchou a roupa dela de propósito, você tem noção de quanto custou essa roupa?

— Tia… eu não estraguei nada, eu juro! A roupa estava normal.

Era mais uma das armações de Valerie.

— Irá pagar por isso. — ela falou retirando o cinto de sua calça jeans e desferindo em minhas costas.

A dor física era horrível, mas a psicológica era ainda pior. Eu só queria que um anjo, ou sei lá se algo assim existisse, me salvasse desse tormento.

Ela saiu me deixando sozinha. Entre a bagunça,e as lagrimas meus olhos se fixaram em algo que parecia não pertencer ao caos das roupas que foram jogadas em mim. Uma pilha de papéis, escondida entre as dobras de tecido.

Curiosa e confusa, pego a carta de cobrança. Ao desdobrá-la, meu coração aperta conforme leio as palavras impressas. Uma casa, uma herança que eu nem sabia que existia, penhorada para quitar dívidas. As lágrimas começam a obscurecer minha visão enquanto a realidade se desenrola diante de mim.

Eles fizeram isso comigo....

Aquela casa era mais do que tijolos e argamassa. Era a única lembrança física que eu tinha dos meus pais, e eu nem sabia disso.

Amasso a carta com força, como se pudesse desfazer a cruel realidade que se revelava.

A dor no meu peito se intensifica, e as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto. Sento-me ali, no porão frio e sombrio, segurando a carta, eu não podia perder essa casa. Mas essa divida ameaçaria minha futura carreira medica.

Eu os odiava.

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