14 anos atrás
Em uma Alcateia em um lugar inóspito, onde na metade do ano era castigada por um inverno rigoroso e na outra metade, era só inverno. Tem seus membros acostumados ao frio e a neve. As crianças adoram brincar de escorregar na neve e os mais velhos cuidam dos mais novos. Em um desses dias, todos já voltavam para casa, mas uma intrépida garotinha insistia com seu irmão: — Só mais essa vez, Dem, tá tão bom… — Não, Ivi, todos já foram embora, está ficando tarde. — depois de falar, Demétrio se virou e foi para casa, sem perceber que a menininha escorregou montanha abaixo. Ninguém nunca mais a viu. Tempos atuais Os anos passaram e a Alcateia sofria com a falta de alimentos. Estavam caçando em seu território e se não encontrassem o caçador invasor e impedissem-no, corriam o risco de morrerem de fome ou ter que se mudar da Alcateia para outro território. Uma figura se esgueirava pelas sombras, entre os troncos largos das coníferas que cobriam a descida da montanha, branca pela neve. É noite de lua cheia e por isso, as sombras se projetam, escondendo a figura esguia, dos homens agrupados no centro de uma clareira. São quatro homens troncudos e agasalhados com grossos casacos de pele de urso. Vestem calças grossas e botas próprias para andar na neve. No centro da clareira, em uma fogueira, assam a carne de um animal que caçaram. Uma pilha de peles se encontrava à parte, ainda sujas do sangue dos animais a quem pertenciam. A figura que os olhava era franzina e se vestia precariamente, suas roupas não eram forradas e nos seus pés usava um par de tênis surrados. Mas não sentia o frio gelado e cortante do Alasca, já se acostumou, mesmo porque, não tinha com o que comprar roupas melhores. É uma fêmea, está só, mas não tem medo. Estava seguindo a trilha daqueles homens há semanas e não seria agora, que os encontrou, que se acovardaria. Observou o movimento deles com atenção, esperou que comessem e talvez, deitassem, ou algum deles saísse para se aliviar. O certo é que pegaria um a um, pois o que estão fazendo não é certo e nem legal. Esperou com paciência, agachada atrás de um pinheiro de tronco largo, que ficava distante do acampamento o suficiente para eles não perceberem sua presença, mas que dava para ela ouvi-los com clareza. Seu olfato é bem potente, ela é uma shifter de lobo e além de ouvi-los bem, também os enxerga com clareza, mesmo sendo noite. Ela também tem a vantagem de ser um animal noturno e por isso, fica bem desperta durante muito tempo sem se cansar, como os humanos que persegue. Passou-se o tempo, eles comeram, beberam vodka para esquentar e se prepararam para dormir. Armaram pequenas barracas camufladas com imagem de neve, contendo sacos de dormir forrados de pele, que a fêmea vê pela abertura das barracas. Um deles se afastou para aliviar-se, como ela imaginou. Depois que se distanciou até uma das árvores e começou a abrir o zíper da calça, não terminou, uma flecha chegou zunindo e atravessou sua cabeça, fazendo-o cair morto no chão. A figura esguia continuou se esgueirando entre as árvores e voltou ao acampamento. Ela espreitou seus alvos. De onde se localizava, conseguia ter excelente visão e sua experiência a fez premeditar o movimento de cada um e… a flecha já tinha acertado o primeiro alvo, sem um som sequer ser ouvido. — Agora faltam quatro. Dois entraram em suas barracas e o terceiro cuidava de guardar as coisas e apagar o fogo. Mas quando se abaixou para jogar neve sobre a pequena fogueira que ainda queimava, caiu sobre ela, também com uma flecha cruzando sua cabeça. Mas ele soltou um gemido e seu corpo pesado fez barulho ao cair e chamou a atenção de um dos que se arrumava para dormir. O homem se ergueu para sair da barraca, chamando o cozinheiro e perguntando o que aconteceu. Não conseguiu sequer o cozinheiro ou ver de onde veio a flecha, pois nem chegou a erguer a cabeça e já lhe atravessou, entrando pelo topo e saindo pela nuca. Seu corpo também caiu sem vida e agora só restava um. A fêmea correu até a abertura da barraca do quarto homem e ele estava saindo com uma espingarda na mão e se assustou: — Quem é você? — perguntou, levantando a espingarda para apontar para a figura à sua frente. — Não interessa… — apertou o gatilho da besta. O quarto homem não conseguiu terminar de levantar a espingarda e logo caiu com a flecha atravessando seu peito. A caçadora de caçadores ilegais, olhou à sua volta e viu a sujeira que estragava a aparência daquele lugar tão lindo e singelo, com manchas de sangue podre, de homens mais podres ainda, gananciosos e sem honra. Do mesmo jeito que eles caçaram e mataram tantas vidas inocentes, foram caçados e mortos, só que eram culpados de chacina de animais e alguns desses, eram shifters, como ela. Entristeceu-se pela imoralidade dos homens e não lamentava os matar, pois teriam feito pior com ela. Pensou no que fazer com tudo aquilo, não teria condições de aproveitar alguns daqueles materiais, pois seria muito peso para ela carregar até sua cabana que ficava no alto da floresta de coníferas. Optou por entrar em uma das barracas que estava vazia e pegar o saco de dormir, viu também, um casaco de pele de raposa e um par de botas de neve. Embrulhou tudo numa trouxa e saiu. Conforme se deslocava para a outra barraca, para ver o que tinham de mantimentos, ouviu um som distante de lobos correndo na neve. Olhou rápido a barraca, encontrando algumas barras de chocolate. Foi molezinha para ela, abater aqueles foras da lei, só que, depois de abater os cinco caçadores, na hora de pegar o despojo, ouviu o som daqueles terríveis lobos. Ela correu, pois agora, era ela a caça. — Os desgraçados! Ela teve o trabalho e eles levariam o prêmio, mas não perdem por esperar, nada como um dia após o outro. Continuaria caçando e protegendo a reserva. Aquele era o seu território e ninguém ousaria caçar ali, sem sua autorização. — Nem aquele Alfa estúpido, vai me deter. Rasgou o fundo da barraca e reunindo o máximo que pôde em outra trouxa, pendurou nos ombros e correu pela neve dura, deixando o local antes dos lobos chegarem. As duas trouxas estavam atrapalhando sua retirada, mas conseguiu deixar o local. Aprendeu a correr na neve com os ursos, que mesmo pesadões, não afundam na neve espessa. Assim, ela correu subindo a floresta por entre as coníferas, ocultando-se nas sombras e esfregando as coisas que pegou dos caçadores, nas árvores, para camuflar seu próprio cheiro. Os lobos que estavam chegando ao acampamento, talvez conseguissem sentir o seu cheiro, mas o identificariam como sendo de um dos caçadores mortos. Chegou em sua cabana e antes de entrar, tirou toda a roupa. Mesmo só com as roupas de baixo, fez um buraco na neve atrás da cabana e enterrou a roupa. Entrou correndo, guardou sua besta, acendeu a lareira e pendurou nela, um caldeirão com água para esquentar. Vestiu um roupão grosso para proteger seu corpo, pegou uma das barras de chocolate e comeu. Agora podia relaxar. Missão cumprida.