3 – Festa da Lua Vermelha

               Femi parou perto da entrada da toca e se sentou. Sahira engoliu em seco antes de parar ao seu lado. Começou a se desculpar:

               -- Mãe...

               -- Sahira, você não vai ser a feiticeira chefe da família depois de mim.

               -- O quê?! Por quê?

               -- Você me desobedeceu, se pôs em perigo e Heru também. Não pode ser boa maga sendo tão imprudente, então não me deixa escolha senão nomear Sef como meu sucessor.

               -- Eu queria... – ela hesitou – fazer algo emocionante, diferente.

               -- Sei o quanto você quer ir além da sua casa e como é indomável esse seu espírito aventureiro – o tom de Femi se acalmou e ela olhou para a filha – Mas entenda que ainda é muito pequena para se aventurar sozinha.

               -- Sou muito pequena para fazer tudo.

               -- Eu disse ainda – Femi acariciou a cabeça de Sahira com o focinho – Daqui a um mês você completa quatro meses, e não vai mais ser um filhote. Até lá também vai melhorar na magia e pode ser a melhor feiticeira da família em gerações. Só precisa ter paciência.

               Sahira ergueu as orelhas, animada.

               -- Acha mesmo que posso ser a melhor feiticeira?

               -- Tem todo o talento necessário – a mãe fez cócegas na barriga dela – Só precisa chegar na hora das aulas.

               -- Sim, mamãe. Pode deixar – Sahira pulou na cabeça da mãe e Femi a ergueu do chão, rindo, para depois se deitar e rolar no chão. As duas gargalharam tão alto que Sef, Roxane e Caleb apareceram na entrada da toca.

               -- Mamãe, aconteceu algum problema? – Sef indagou ao reparar que ela não trazia caça nenhuma.

               -- Um contratempo. Papai vai trazer comida mais tarde, agora entrem em casa. Teremos aula de magia amanhã cedinho.

*********************

               Sahira compareceu pontualmente a todas as aulas de magia e prestou atenção até às aulas de História depois daquela noite, levando Sef a perguntar:

               -- Quem é você e o que fez com a minha irmã?

               Indiferente às gozações do filho, Femi não podia estar mais satisfeita com o compromisso de Sahira, tanto que confidenciou aos dois após dominarem uma mágica mais avançada:

               -- Amanhã eu falarei da magia mais secreta do nosso povo.

               Os dois jovens gatos se entreolharam, curiosos pelo que a mãe teria para ensinar.

               Quando o sol tocava o horizonte arenoso do deserto, Sahira e os três irmãos foram brincar num canteiro de cactos. Os filhotes de Bast sempre brincavam lá para aperfeiçoar habilidades de caça e rastreamento.

               Sahira e Roxane atacaram Caleb, e contra as duas juntas ele não teve chance. Depois de um longo jogo de esconde-esconde, os quatro irmãos se deitaram lado a lado, vendo o céu passar de vermelho e laranja para rosa, violeta e o escuro da noite salpicado de estrelas.

               -- Ei, pessoal – Heru se aproximou correndo – A festa vai começar, vamos lá.

               Aquela seria uma noite especial, teria um eclipse lunar, uma ocasião mística para o povo de Bast. Todos os gatos se reuniram perto da margem do Rio para esperar a lua ficar vermelha. Sentados observando os mais velhos dançarem, Sef perguntou a Sahira:

               -- O que acha que será essa mágica secreta que a mamãe vai ensinar?

               -- Não sei. Voar? – Sahira opinou. Sef riu.

               -- Voar? E você já viu um gato voador? Acho que não. Pode ter a ver com a Lua Vermelha.

               -- Onde está a Iana? – ela mudou de assunto. Não falara muito com a leoa após o incidente com o crocodilo. Roxane respondeu:

               -- Ela foi para o deserto. Caçar, eu acho.

               -- Vou chama-la para ver a Lua Vermelha, daqui a pouco vai começar.

               Ela foi na direção indicada pela irmã. O burburinho e a cantoria da festa ficaram mais baixos à medida que Sahira se distanciava, dando lugar ao silêncio da noite. Olhou ao redor à procura de Iana, só encontrando a areia, branca acinzentada sob a luz da lua.

               Não, havia algo além da areia, se aproximando rapidamente, Sahira apertou os olhos e distinguiu felinos, grandes como Iana, seriam leões? Estavam vindo do sul, em direção a Bast.

               Sahira não entendia o que eles faziam adentrando tão profundamente no deserto, e pensou se estariam ali pela mesma razão que Iana. Mas ela nunca falou o motivo de ter partido...

               Pensando muito nisso, só reparou que eles não pareciam nada amigáveis quando estavam em frente a ela, e estando tão perto de suas caras mal humoradas, ficou muito assustada para pedir ajuda.

               -- Isso é um gato? – uma leoa musculosa perguntou. O outro ao lado dela não era um leão, era maior e tinha listras no pelo. Um tigre.

               -- Sim, nós chegamos. Vejam, tem mais deles ali – ele indicou com a cabeça os gatos festejando – Vamos lá.

               Antes que dessem o primeiro passo, Sahira disparou de volta para casa, chamando:

               -- Mãe! Pai! Senhor Husani!

               Seus pais e o líder do clã vieram correndo e viram os felinos grandes se aproximando. O tigre maior anunciou enquanto os demais se espalhavam e cercavam a vila:

               -- Pequenos felinos do deserto, esta terra é agora reivindicada pelo rei Ekom, do sul. Não resistam e ninguém será ferido.

               Mas alguns estavam dispostos a arriscar. O pai de Heru avançou na pata de um leão de juba curta, seguido por vários outros. Logo começou um caos de gatos atacando leões e tigres, e estes facilmente se defendiam.

               -- Escondam-se na toca – Femi ordenou aos filhotes antes de partir para o combate também.

               Um tigre jovem tentou barrar o caminho dos quatro. Sahira usou magia para jogar areia nos olhos dele, permitindo que os irmãos prosseguissem, mas o tigre golpeou cegamente e jogou Sahira para longe.

               Ela percorreu um arco mais de um metro acima do chão e aterrissou na areia macia, próxima a plantas papiro, e antes de mesmo de se situar, o tigre estava na frente dela, limpando os olhos com a pata. Sahira recuou para o meio dos caules, mas mesmo parcialmente cego, ele podia farejá-la, e logo seu rosto estava a centímetros dela.

               Acuada, Sahira arranhou o focinho do tigre, que recuou com um rugido antes de erguer a pata com as garras de fora.

               Outra leoa saltou nele antes que desferisse o golpe e o mordeu no pescoço.

               -- Iana! – Sahira exclamou aliviada. A leoa branca voltou-se para ela.

               -- Vamos, Sahi, precisamos sair daqui.

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