Odiava aquela voz asquerosa.
Bastou ouvir seu nome dito naquele tom áspero e autoritário para que Amélia sentisse o estômago revirar. Ela parou no meio do corredor, cerrando os punhos.
Ela pretendia apenas trocar de roupa e respirar por um instante, mas claro que seu chefe insuportável tinha que estragar até isso.
— Pode esperar um minuto? Acabei de voltar da galeria, preciso me trocar.
— Na minha sala. Agora! — ele ralhou, com a grosseria de sempre.
Amélia inspirou fundo, se recompondo do caos interior enquanto batia na porta do escritório dele.
“Respira. Não perca a paciência.”
Mas por dentro, sua frustração ardia como fogo. Soltou um suspiro de desgosto.
Jaime Caetano sempre dava trabalho extra a Amélia quase no fim do expediente. Ele não gostou da sua contratação, que foi feita pelo gerente geral das lojas. Segundo ele, Amélia não tinha a imagem que a Color Graphic precisava para seus atendentes.
Antes de entrar, puxou o ar com força e tentou adquirir uma serenidade que estava longe de sentir.
Depois de bater levemente na porta, entrou no pequeno escritório que cheirava a cigarro e chicletes de menta. Logo de cara viu que Caetano estava de pé, com uma carranca ainda pior que o normal.
Isso não era nada bom.
- Você não precisa se sentar, eu serei rápido. – ele disse quando a viu olhar para a cadeira à sua frente, doida para descansar as pernas.
- Tudo bem, o que precisa Caetano?
- A empresa precisa cortar gastos. O salário dos funcionários terá uma redução de sete por cento.
- Mas isso não é certo, mais de quinze pessoas trabalham nessa produção, e dependem desse emprego, passam apertado com o salário mensal. Se a empresa diminuir ainda mais, não teremos como pagar nossas contas.
Era só o que faltava, se eles fizerem isso, seu pagamento não cobriria o valor da faculdade, nem com seu trabalho extra.
- Não temos outra opção. Como está mais familiarizada com o pessoal da produção, você fará o comunicado a eles amanhã de manhã, até o meio dia todos devem estar cientes do reajuste de salários.
-Algo mais? – Amélia só conseguia pensar em sair daquela sala e ficar longe daquele homem detestável.
- Sim, você fez o relatório de compras que eu pedi mais cedo?
- Mas você não me pediu esse relatório, geralmente sempre faço na segunda.
Sentiu a raiva fervilhar, aquele sujeito já estava com tudo planejado para fazê-la trabalhar até tarde. Além de fechar a loja, porque a dondoca da recepção foi embora; um dos privilégios de ser a amante de Caetano.
- Preciso dele para hoje, então não perca tempo e vai fazer. Nem pense em usar a faculdade como desculpa, eu sei que hoje você não tem aula. Me envie por e-mail, tenho um compromisso e já estou de saída.
O homem alisou o pouco cabelo que tinha, e se sentou em sua cadeira gesticulando com a mão para que ela saísse.
Saiu da sala dele, sem olhar de novo para sua cara de desgosto. Olhou no relógio, já eram seis e meia, com certeza só terminaria tudo após as oito.
Porque ainda trabalhava ali? se perguntou contrafeita.
Suportou por tempo demais o chefe que constantemente a humilhava por sua aparência. Ele sempre a perseguiu no ambiente de trabalho.
Precisava tomar uma atitude.
Chega! Acabou! Não passou por um inferno, para viver dessa maneira miserável. Marchou de volta para a porta do escritório rapidamente, temendo que sua convicção falhasse. Bateu novamente, e assim que ele resmungou uma resposta desagradável, Amélia entrou na sala de uma vez.
- Já chega! Eu estou cansada de ser feita de idiota! Tudo tem limite! Estou caindo fora! Envio por e-mail minha carta de demissão.
Ele se levantou bruscamente.
- Você acha que terá outra oportunidade como esta? Quem vai fazer o relatório?!
- Você! Essa é a sua função!
A raiva por todos os insultos e piadinhas enfim explodiu, não conseguia mais conter as palavras.
- Com certeza encontrarei um bom trabalho
- Parece que você não se enxerga mesmo, não é Amélia? Quem vai querer contratar uma pessoa com essa aparência?!
Reunindo todo o seu orgulho, ela levantou a cabeça e se dirigiu a porta o mais rápido que pode, seus nervos estavam tremendo e sua cabeça doía a ponto de pulsar em suas têmporas.
- Você vai voltar de joelhos, sua gorda imprestável!
A passos largos, Amélia saiu pisando duro sem se dar conta de que ainda vestia aquela roupa idi0ta.
Odiava profundamente aquela fantasia. Estava derretendo dentro daquela coisa.
Apressada pegou sua mochila, e correu para a saída. A queda de cara no chão a deixou confusa. Olhou para trás com raiva.
A porcaria da cauda do camaleão ficou presa na trava da porta.
-Mais que INFERNOOO! - esbravejou irritada.
Puxou com força o tecido colorido, e saiu praguejando contra tudo e contra todos. Chegando ao seu fusquinha 77, um arrepio incômodo percorreu seu corpo suado.
Amélia olhou para o céu em desafio.
- O QUE MAIS PODE ACONTECER NESSE DIA DE MERRDA?!!