PONTO DE VISTA DE ARIELLEMinha esperança afundou no fundo do oceano naquele instante.— Não. Não. Não depois de ter chegado tão longe — murmurei, balançando a cabeça em negação enquanto me arrastava até ele, junto ao volante.— Aquele desgraçado! Ele ativou o travamento central! Vamos ter que pular — declarou Dwayne, se virando enquanto os olhos vasculhavam todos os cantos do barco.Um segundo motor rugiu ao longe, se aproximando de nós numa velocidade absurda. A tempestade tornava tudo difícil de enxergar — exceto pelas rochas à frente. Todo o resto desaparecia por trás da cortina de água que despencava dos céus.— Arielle, você confia em mim? — Dwayne perguntou.Virei-me para encará-lo. Ele havia encontrado o único colete salva-vidas no canto do barco.Balancei a cabeça assim que percebi o que ele pretendia fazer.— É a única saída, Avestruz. Por favor. Preciso ter certeza de que você vai ficar segura. Não se preocupe comigo. Por favor. Se você se importa comigo... mesmo que só um p
PONTO DE VISTA DO DWAYNEFiquei dentro do carro por alguns instantes depois que cheguei à casa da Arielle. Olhei pela janela em silêncio, observando os poucos degraus que levavam até a porta de entrada enquanto refletia sobre a sequência de acontecimentos que nos trouxera até ali. Ela tentava manter uma fachada de força — como sempre fazia —, mas eu sabia, bem no fundo, que Arielle estava sofrendo. E isso me destruía. Me destruía saber que não havia nada que eu pudesse fazer para ajudar.Só percebi que estava apertando o volante com força quando o som de dois outros carros estacionando na esquina chamou minha atenção. Soltei um suspiro e saí do carro. Jared e Michael também haviam descido dos veículos e se aproximavam do meu.— E aí — cumprimentou Michael, o mais deslocado do nosso trio. Dava pra ver que ele se sentia completamente fora de lugar naquele grupo. Mas pelo menos havia algo que nos unia: Arielle.Assenti e me virei para encarar Jared.— Alguma notícia boa do médico? — ele p
POV DE ARIELLEO tempo passou como um borrão, com os dias se transformando em semanas e as semanas se estendendo por um mês. Eu tentei superar o último incidente na porta de casa, tentei me adaptar ao novo normal que, a contragosto, aceitei como minha vida. Acabei cedendo aos pedidos insistentes do Jared e do Davi para colaborar mais com os médicos. E assim minha rotina passou a ser tomada por idas e vindas a consultórios, exames quase todos os dias e mais remédios para conter os efeitos do veneno no meu corpo.A tosse desapareceu completamente, e eu consegui voltar a falar por mais tempo sem parecer uma velha doente à beira da morte. Mas nada podia ser feito para reverter a dormência nas minhas papilas gustativas ou a perda total do olfato.Soltei um suspiro e tentei afastar os pensamentos. Mas eles grudavam em mim como suor em dia de calor no verão. Acabei voltando mentalmente para dias atrás. Eu estava isolada do mundo havia quase duas semanas. Visitas eram o que menos importava. Nã
POV DE JAREDFiquei naquela posição, embalando Arielle suavemente, até que seus tremores cessaram e ela adormeceu em meus braços. Deitei-a cuidadosamente na cama, tomando o máximo de cuidado para não perturbá-la. Quando dei um passo para trás, a porta se abriu e dona Meyers entrou.— O que aconteceu? — ela perguntou, com olhar preocupado ao ver os restos espalhados do pacote de chá de ervas no chão.Hesitei, dividido sobre o que dizer.— Não foi nada — falei finalmente, tentando minimizar. — Apenas escorregou da minha mão.Eu não queria magoá-la contando a verdade.Seus olhos se estreitaram levemente, desconfiados, mas ela não insistiu. Apenas assentiu e disse:— Tudo bem, eu mandarei limpar.Tentei protestar, mas ela me dispensou com um gesto.— Houve algum progresso? — Seus olhos se voltaram para Arielle, que ainda dormia tranquilamente.Balancei a cabeça, sentindo-me mal por levar más notícias.— Quase nada.Ela assentiu, mas vi a decepção obscurecer seu olhar. A culpa me apertou o
Recuperando a compostura, troquei um olhar preocupado com dona Meyers e subimos atrás dele.O encontramos no quarto da Arielle, seus bracinhos envolvidos com força no corpo rígido dela. Mas Arielle não reagiu, não respondeu ao abraço do filho. Apenas permaneceu ali, em silêncio, com lágrimas escorrendo pelo rosto. E meu coração se quebrou em mais mil pedaços.Era exatamente isso que eu tentava evitar, mas parecia estar falhando terrivelmente. Fiquei ali parado, sentindo-me quase inútil, enquanto Maverick se agarrava à mãe. Eu não conseguia afastá-lo sem causar ainda mais sofrimento.Ainda estava tentando pensar no que fazer a seguir quando o som de um helicóptero se aproximando encheu o ar, e meu olhar se voltou, surpreso, para a janela. O que um helicóptero fazia por ali, tão longe de qualquer aeroporto?Troquei um olhar confuso com dona Meyers, e ela correu até a janela, abrindo as cortinas. Fui atrás dela e assistimos o helicóptero pousar bem em frente à casa, a vista pela janela se
POV DE ARIELLEEm Vila Flôr, uma pequena cidade do interior do Brasil, vivi o outono e o início do inverno mais tranquilos da minha vida. Quando cheguei com o Davi, o país vestia-se das cores do outono — o ar fresco, folhas douradas e um silêncio sereno que suavizava o peso da minha alma.Três meses se passaram. E quando o inverno finalmente chegou, a paisagem se transformou: a neve cobria o chão, e o ar trazia o perfume cortante da geada.Quanto ao Davi, ele não ficava o tempo todo ao meu lado. Na verdade, nossos momentos de verdadeira convivência podiam ser contados nos dedos de uma mão. Ele só aparecia nos finais de semana, sempre trazendo o Maverick com ele.— Tô meio que feliz que você tá melhorando, mamãe — Maverick sempre dizia, com o rostinho iluminado de alegria enquanto a gente construía um boneco de neve no quintal.— Eu também, meu amor — respondia com um sorriso, sentindo uma alegria que não experimentava há meses. — Estou muito feliz de estar aqui com você.Nos outros dia
Seu rosto estava tenso, carregando uma expressão determinada.— Arielle — ele respondeu, com a voz firme, mas urgente. — Passei os últimos seis meses viajando entre os principais congressos médicos do mundo. Procurando uma resposta.Suas palavras vinham cheias de desespero contido, como se ele quisesse me arrastar naquele exato momento para a Alemanha.Meus olhos se arregalaram, cheia de expectativa. — E...? — perguntei quase num sussurro. Parte de mim queria ouvir, a outra tinha medo.— E eu encontrei — ele afirmou com orgulho, enquanto deixava cair a bomba. — A última esperança está na Alemanha. Em breve ocorrerá um simpósio de tecnologia de organoides. Estão desenvolvendo um novo tratamento com radiação que pode restaurar seu paladar e olfato.As palavras dele ficaram suspensas no ar, carregadas de promessa e possibilidade.Meu coração deu um salto ao processar aquilo. Poderia ser verdade? Será que realmente havia uma maneira de recuperar meus sentidos?— Eles precisam que você este
PONTO DE VISTA DO DWAYNEPor alguns momentos depois que Arielle falou, permaneci em silêncio, cerrando e abrindo os punhos em fúria. Eu rangei os dentes com tanta força que poderiam ter se transformado em pó sob a pressão. Nada fazia sentido.Jared abriu a boca para falar e a fechou. Arielle permaneceu em silêncio também, com os olhos suaves de preocupação.— É para o melhor, Dwayne — Jared finalmente falou.— Cala a boca, seu maldito, ou vou garantir que você nunca mais fale novamente — cuspi com hostilidade.Eu estava com raiva. Consumido por raiva. Não aquele tipo de raiva que cresce como um vulcão e explode instantaneamente na cara de todos. Eu estava tomado por uma raiva que fervia lentamente, mas quente, profunda e não resolvida. O tipo que ficava no ar como uma grande interrogação, rebelde e se recusando a ser ignorada.Claro que eu não queria que Arielle fosse embora. Pelo menos, não ainda. Eu esperava dar-lhe razões para que ela não quisesse ir eventualmente. Eu tinha me esfor