Canteiro de flores no jardim dos fundos do hospital.
A noite de primavera ainda estava ligeiramente fria, e o vento gelado fazia as pessoas sentirem o desconforto do clima.
O som de um isqueiro acendendo ecoou, dois pontos de luz surgiram, e a fumaça do cigarro se espalhou com o vento, confundindo a visão de quem observava.
— Valentina voltou. O que você pretende fazer? — A pergunta veio de Samuel.
Ele não mencionou Sophia, mas ambos sabiam exatamente sobre que estavam falando.
Uma era a deusa dos tempos da faculdade, a deusa que havia salvado a vida de Davi, uma lembrança juvenil que sempre aquecia seu coração.
A outra era a namorada que estivera ao seu lado por três anos, com quem ele compartilhara os momentos mais íntimos e a quem já havia pedido em casamento: sua noiva.
Após um longo silêncio, Davi respondeu.
— Ela é apenas uma substituta. A presença dela é para ocupar o lugar de Valentina, mas compará-la com Valentina? Impossível. — A voz de Davi era fria e impiedosa, e o desdém em seu olhar escuro era evidente, como se não fosse ele quem havia proposto casamento a Sophia em outro país. — O lugar de Sra. Santos não é dela e nunca será. Esse lugar pertence apenas a Valentina.
Afinal, foi ela quem tomou a iniciativa de mencionar o assunto no corredor do hospital, o poupando de ter que tocar no assunto.
Samuel e Davi eram amigos de infância, ambos compartilhavam o mesmo temperamento aristocrático e egoísta típico de famílias ricas, mas desta vez Samuel não pôde deixar de sentir pena de Sophia.
Apesar de Sophia ter perdido a memória, não ter família e ser órfã, ela era uma pessoa pura e honesta. Nos três anos ao lado de Davi, os dois pareciam felizes, e seus temperamentos se completavam bem.
Valentina, por outro lado, havia passado anos no exterior, e não era difícil imaginar as experiências pelas quais poderia ter passado. Não que Samuel tivesse qualquer preconceito quanto à pureza ou ao passado de uma mulher, mas desde a faculdade ele sempre achou Valentina uma pessoa um tanto fingida. Mesmo enquanto estavam fora do país, ela frequentemente desobedecia Davi, saindo sozinha e o deixando para trás.
Após a formatura, um grupo de ex-colegas que se davam bem sugeriu fazer o baile de formatura no exterior. Foi nessa festa que Valentina desapareceu misteriosamente.
Eles usaram todos os contatos para procurá-la, mas não a encontraram. Até a polícia recomendou que desistissem, pois a possibilidade de uma jovem desaparecida em outro país estar morta era muito alta.
Naquela época, eles ainda não haviam assumido totalmente o controle da empresa, e suas habilidades para lidar com problemas não eram maduras. Simultaneamente, o pai de Davi, Bernardo, sofreu um acidente de carro e faleceu.
Após cuidar dos preparativos do funeral, Davi teve que lidar com a herança da empresa e se proteger das manobras de seu tio Heitor, que tentava tomar o controle.
Foi com a ajuda do Sr. Lorenzo que Davi conseguiu estabilizar o grupo. Quando finalmente teve tempo para procurar Valentina, a janela de resgate já havia passado, e encontrar vestígios dela se tornou ainda mais difícil.
Samuel testemunhou a angústia e a culpa de Davi naquela época.
E, mais tarde, Sophia apareceu, trazendo alívio a Davi.
Samuel era grato a ela por isso.
— Sophia esteve com você por três anos. Ela é órfã, sem família. Não acha que está sendo cruel demais com ela? — Samuel tentou argumentar em favor de Sophia.
— Então que continue ao meu lado. Mas casar? Isso é impossível. — Davi respondeu com um tom despreocupado, como se manter uma mulher ao seu lado não fosse nada demais.
Duas mulheres e ele não via problema algum nisso.
— Continuar ao lado dela? Quer dizer que ela vai continuar como sua amante, uma substituta, escondida na sombra? Uma amante de verdade?
Sophia não havia saído diretamente do hospital; ela se sentou em um banco atrás do canteiro de flores, deixando o vento frio soprar sobre ela por um momento.
Ela nunca imaginou que descobriria a verdade dessa forma.
Então era por causa de sua aparência, que se assemelhava em nove décimos à da deusa de Davi, que havia desaparecido.
E como ela havia perdido a memória, era fácil para ele moldá-la de acordo com o ideal de sua amada, ocultando a verdade e fazendo dela uma substituta.
Simplesmente para aliviar sua saudade de Valentina.
Todo o carinho e mimos de antes? Era apenas porque ele via nela o rosto da deusa perdida.
Valentina.
Então, o nome dela era Valentina.
Davi sempre soube sobre Valentina.
Foi por isso que ele escolheu para ela o nome de Sophia.
Até mesmo nos momentos de paixão na cama, ele a chamava de Sophia.
Quando ele chamava por Sophia, sua voz era grave e sedutora, cheia de emoção e encanto, fazendo com que ela se afundasse aos poucos em um abismo.
Afinal, ele apenas estava olhando para o rosto dela e chamando o nome de outra mulher.
Pensando agora, aquela foto na carteira dele era de Valentina, e ela, estúpida, acreditava que a mulher na foto era ela mesma.
Que tolice.
Do começo ao fim, Davi a moldou para se tornar outra pessoa, a deusa que ele carregava em seu coração.
Ela, ingenuamente, pensava que havia conseguido conquistá-lo, que ele a amava.
No fim, ela era apenas uma peça na história de amor dele.
O coração de Sophia, naquele momento, despencou de um pico elevado para um profundo abismo. Ela se via sendo enganada, usada como uma substituta da deusa de Davi.
De noiva assumida e respeitada, agora ela era apenas uma amante nas sombras.
Ela gostava muito, talvez até amasse Davi, mas seu orgulho não permitia que continuasse a ser a substituta de outra pessoa, nem a amante escondida de alguém.
Em seu coração, tomou a decisão de partir.
Ainda bem que Davi apenas a pediu em casamento, pois terminar um noivado seria bem mais fácil do que um divórcio.
De certa forma, ela se sentia aliviada pela aparição de Valentina naquela noite.
— Srta. Sophia, onde está você? — O motorista a chamava em voz alta. Depois de esperar por muito tempo sem vê-la, ele desceu do carro para procurá-la.
— Aqui estou. — Sophia saiu de seu estado de tristeza, voltando à sua expressão habitual, tranquila e serena.
— Está sozinha? E o Sr. Davi? — Perguntou o motorista.
— Ele não volta.
Sophia se levantou do banco atrás do canteiro e seguiu com o motorista em direção ao carro.
Ela usava um vestido longo de tom creme, de estilo doce e inocente. Era pintora e sempre gostara de experimentar diferentes estilos, mas nos últimos três anos, se vestira assim porque Davi dissera que gostava.
A brisa da noite de primavera soprava suavemente, e suas pernas descobertas sentiam o frio leve do vento.
Do outro lado do canteiro, o cigarro de Davi acendia e apagava. Ele deu a última tragada, apagou o cigarro e o jogou na lixeira.
Samuel estava um pouco constrangido ao perceber que Sophia havia escutado a conversa.
— Sophia não foi embora?
Então ela deve ter ouvido tudo o que acabaram de dizer.
O gesto de Davi ao jogar o cigarro foi despreocupado, assim como seu tom de voz frio e indiferente.
— Melhor assim, que ela entenda bem o seu lugar, e não volte a fazer algo tão humilhante como hoje. — Terminando a frase, ele se virou e deixou o canteiro, sem a menor vergonha ou constrangimento por saber que Sophia o escutara.
Sophia voltou para o condomínio Esplendor do Sol de carro.
Lívia abriu a porta para ela, os olhos transbordando saudade depois de alguns dias sem vê-la.
— De volta! Deve ter sido cansativo acompanhar o Sr. Davi nesta viagem.
Com expressão cansada, Sophia apenas assentiu e respondeu vagamente.
— O Sr. Davi não voltou com você? — Lívia olhou por cima do ombro de Sophia, procurando por Davi.
— Ele não vem hoje. — A voz de Sophia era fria, como se realmente não importasse se ele voltasse ou não.
Lívia pareceu um pouco decepcionada, mas logo recuperou o sorriso, um sorriso que trazia um leve tom de malícia que só alguém com experiência poderia entender.
Ela pegou a mala de Sophia e a incentivou a ir descansar no quarto.
Quando Sophia entrou no quarto, finalmente entendeu o motivo do sorriso de Lívia.
A luz estava apagada, mas o quarto estava cheio de velas em diferentes alturas ao redor da cama e nas mesas, cercadas por flores e um leve aroma de incenso. Sobre a mesa, havia uma garrafa de champanhe aberta.
Até as cortinas cinzas usuais haviam sido trocadas por cortinas de renda branca, dando ao quarto uma atmosfera romântica.
A cama de casal estava coberta de pétalas de flores.
Todo o ambiente transbordava uma sensação de carinho e paixão.
Era provável que Davi tivesse pedido para preparar tudo antes de viajar.
Exausta física e emocionalmente, Sophia não tinha energia para arrumar nada. No meio da noite, também não queria incomodar Lívia.