CAMILA NOGUEIRAUMA SEMANA DEPOIS Saí da universidade com a cabeça latejando com teorias de contrato social que pareciam uma piada de mau gosto perto do meu próprio contrato. A noite estava fria em São Paulo, e eu me encolhi dentro do meu casaco. O Porsche estava esperando no estacionamento privativo que Arthur, depois de uma única ligação, tinha conseguido para mim.Mas eu não fui direto para o carro. Eu precisava de alguns materiais especiais para uma apresentação. Havia uma papelaria 24 horas a duas quadras do campus que sempre me salvava.Enquanto eu caminhava pela rua mal iluminada, ouvi um som. Um ganido baixo. Parei, olhando ao redor.E eu o vi.Encolhido na entrada de um prédio comercial fechado, tentando se proteger do vento, estava um cachorro. Ele não era um filhote, mas também não era velho. Era um vira-lata, de pelo cor de caramelo, manchado de lama e sujeira. Mas o que me pegou foram seus olhos. Eram castanhos, inteligentes e cheios de uma tristeza tão humana que me par

CAMILA NOGUEIRA O primeiro raio de sol que entrou pela fresta da cortina me acordou. Eu sorri contra o travesseiro. Arthur já tinha ido. O lado dele da cama estava vazio e arrumado. Ele devia ter levantado antes do amanhecer. Nos últimos dias, essa tinha sido nossa rotina, ele ia trabalhar, deixando-me sozinha naquela casa gigante. Mas hoje não. Deslizei para fora da cama, vesti um moletom cinza que eu tinha comprado no shopping e calças de ioga. Desci as escadas descalça, encontrando silêncio total. Eu esperava encontrar Pierre dormindo na lavanderia, como Arthur havia decretado. Mas a lavanderia estava vazia. Meu coração afundou. Ele teria mudado de ideia? Teria mandado levar o cachorro embora? Corri para a sala de estar. O sofá de veludo preto onde Pierre tinha dormido estava impecável. Como se um cachorro nunca tivesse pulado nele. — Não... — sussurrei. — Procurando por isso, Senhora? Virei-me. Doria estava parada na porta da cozinha, um sorriso gentil no rosto. Ela apon

ARTHUR VASCONCELOSAlguns segundos depois, a porta do meu escritório se abriu.Lúcia Marques entrou. Ela estava vestida para matar, com um vestido vermelho justo demais, saltos altos demais, o perfume enjoativo enchendo minha sala. Ela sorriu para mim, um sorriso que deveria ser sedutor, mas era apenas presunçoso.— Arthur, querido. Que dificuldade para conseguir te ver.Amália fechou a porta atrás dela, deixando-nos a sós.Eu não me levantei. Apenas indiquei a cadeira à minha frente com um gesto de cabeça.— Senhora Marques.— Oh, por favor, Arthur. "Senhora Marques"? — ela riu, sentando-se e cruzando as pernas lentamente, um movimento calculado para me mostrar... o quê? Eu já tinha visto melhores. Minha esposa por exemplo, tinha as pernas mais bonitas que já tive o prazer de ver. — Depois de tudo o que fizemos juntos. Nós somos amigo.— Nós tínhamos uma transação, Lúcia — corrigi. — Você recebeu seu pagamento. O que você quer?— Sempre tão direto — ela fez um beicinho, acredite, era

CAMILA NOGUEIRAEu senti o corpo dele ficar tenso sob minhas mãos. Os músculos, que começavam a relaxar, transformaram-se instantaneamente em aço. — Saia.Eu congelei, com minhas mãos ainda em suas costas.— O quê?— Saia. De cima. De mim. O pânico me atingiu. Eu tinha ido longe demais. Eu mexi onde não devia. Saí de cima dele o mais rápido que pude, tropeçando nos lençóis e caindo de joelhos na cama. O colchão afundou quando ele se moveu, virando-se.Arthur se sentou. O Senhor Vasconcelos estava de volta, em toda a sua glória intimidadora. Ele estava sentado na minha frente, usando apenas a cueca boxer, o peito nu subindo e descendo lentamente, o cabelo bagunçado. Mas seus olhos... seus olhos eram de arrepiar até a alma.Eu me encolhi, sentando sobre meus calcanhares, e baixei meu olhar. Não consegui encará-lo. Fiquei olhando para minhas mãos em meu colo, o pijama de moletom de repente parecendo ridículo. Eu estava com medo. De quê? Ele nunca me fez nada, certo?O colchão afundou

CAMILA NOGUEIRAOuvi um grito. A voz de Cecília, aguda e histérica.No último milissegundo, o motorista girou o volante.O SUV me atingiu, mas não em cheio. Ele desviou. Um estrondo ensurdecedor de metal se contorcendo e vidro quebrando encheu o ar. O veículo subiu na calçada, seu lado do passageiro colidiu com a fachada de vidro e metal do Fasano. O toldo do restaurante desabou. Pessoas gritaram.Sofri um golpe de raspão, mas a força bruta do veículo me atingiu como um touro. Fui arremessada e caí, batendo violentamente no asfalto.Meu quadril explodiu em uma dor cegante. Meu pulso estalou quando tentei amortecer a queda. Minha bochecha raspou no asfalto áspero, e minha cabeça bateu no chão, não com força, mas o suficiente para fazer estrelas dançarem na minha visão. Gritos. Tantos gritos.Ouvi o som do motor do SUV acelerando, o cantar dos pneus enquanto ele dava ré, se desembaraçando dos destroços do restaurante, e disparando pela rua, desaparecendo no trânsito.— Meu Deus! Você v