POV Isadora Ferraz O caminho de volta para casa parecia mais longo que o normal. O barulho suave do motor, o som distante da chuva batendo no para-brisa… e a foto, queimando no fundo da minha mente. Lorenzo e Elena. Dante dirigia tranquilo, uma das mãos no volante e a outra descansando no câmbio, como se nada no mundo pudesse nos tirar daquele momento. Eu olhava para o lado de fora, mas não via nada além das linhas borradas pela água. —Está quieta. — ele comentou, sem tirar os olhos da rua. — Está cansada? — Um pouco. — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. A mentira era pequena, mas ainda assim pesava. Não era só cansaço. Era a dúvida, aquela sensação de que algo ruim estava se armando por trás de cortinas que eu não podia ver. Meu instinto dizia para falar. Mostrar a foto, contar o que Olívia tinha mandado. Mas a outra parte de mim… aquela que aprendeu a sobreviver guardando certas verdades… sussurrava que talvez fosse melhor esperar. E se fosse só uma coinc

POV Célia Montenegro Eu nunca confiei totalmente em Elena. Desde o início, aquele sorriso polido demais e os olhos que escondiam mais do que revelavam me diziam que havia algo errado. Mas, como sempre, os homens da minha família só enxergavam o que lhes convinha. Heitor, tão cego em sua arrogância, achava que tinha o controle. Mas era Elena quem se movia como cobra silenciosa ao redor dele. E agora, com esse casamento forçado para “salvar” a imagem dos Montenegro, eu precisava garantir que nenhum detalhe maldito escapasse ao meu alcance. Enquanto observava Elena diante do espelho, envolta em tule e seda, fingindo ser a noiva perfeita, percebi. Aquele olhar perdido não era de emoção. Era de cálculo. Ela estava medindo, analisando, planejando. Não era amor. Nunca foi. Quando saímos do ateliê, ela tentou disfarçar o nervosismo, o celular sempre à mão, como se esperasse uma mensagem urgente. Disfarçava mal. Dentro do carro, enquanto o motorista nos levava de volta para a mansão,

POV Heitor MontenegroO terno pesava nos ombros como uma sentença. Eu estava diante do espelho, a gravata perfeitamente alinhada, o cabelo domado com mais esforço do que eu gostaria de admitir. Deveria parecer um homem no dia mais importante da vida… mas tudo o que eu via era um prisioneiro vestindo a própria cela.Três dias passaram como um borrão desde o acidente. Desde que vi Elena sangrando, desde que a vi se agarrando à própria barriga como se pudesse segurar um destino que já tinha escorrido por entre os dedos. E agora… aqui estávamos. Um casamento.Meu casamento.Traguei o ar com força, tentando disfarçar o aperto no peito. O que me corroía não era só a pressa com que tudo havia sido costurado, nem a forma como minha mãe tinha assumido as rédeas, como sempre. Era outra coisa. Era a certeza cruel que latejava em cada pensamento: não era Isadora que estaria esperando por mim no altar.Isadora.A lembrança dela surgia como uma ferida mal cicatrizada. Eu podia mentir para o mundo i

POV ElenaO vestido pesava. Pesava como se fosse feito de chumbo, não de renda. A cada passo que eu dava no camarim, o som da minha respiração ofegante misturava-se com o tecido arrastando pelo chão.— Não… não pode ser. — repeti pela milésima vez, encarando meu reflexo no espelho. A maquiagem borrada, os olhos vermelhos, o cabelo desfeito pelo calor e pelas lágrimas. Eu não parecia a noiva perfeita. Eu parecia uma mulher derrotada.Mas eu não estava derrotada. Ainda não.Heitor tinha gritado, sim. Tinha me exposto, sim. Mas ele me amava, eu sabia que amava. No fundo, ele não poderia simplesmente me abandonar assim. Depois de tudo que vivemos, depois de tudo que eu sacrifiquei por ele, por estar ao lado dele, por deixar Benjamin de lado tantas vezes para manter a farsa.— Foi Benjamin… — sussurrei para mim mesma, apertando o véu entre os dedos. — Só podia ser ele. Ele armou tudo, queria me destruir.E não estava errado. Benjamin sempre foi intenso, sempre quis me ter só para ele. Quan

POV HeitorA mansão Montenegro sempre foi um templo de silêncio. Silêncio de mármore, de paredes altas, de segredos guardados a sete chaves. Mas naquela madrugada, o silêncio não era imponência. Era sufocante. O tipo de silêncio que vibra na pele, que faz o coração bater mais forte só para preencher o vazio.As cortinas ainda estavam abertas na sala. A lua cheia banhava os móveis com um brilho frio, cruel, como se até o céu se divertisse em expor minha miséria. O vestido de Elena ainda pendia do braço da poltrona, branco como uma acusação, branco como um túmulo.E eu estava lá, andando de um lado para o outro como um animal enjaulado. O rosto queimava, o peito parecia querer explodir. Eu via, repetidamente, as imagens que invadiram o telão no altar: ela com Benjamin. Risadas. Mãos se tocando. Beijos roubados. O corpo dela entregue. Não a mim. Nunca a mim.Senti o gosto de sangue na boca quando percebi que mordia o lábio com força demais.— Heitor… — a voz dela quebrou o ar, baixa, vac