Alice KimO silêncio do terraço ainda me envolvia quando finalmente decidi que era hora de voltar. Respirei fundo, sentindo o ar fresco preencher meus pulmões, tentando puxar a calma que o escritório não dava.Me afastei do parapeito com passos lentos, quase hesitantes, como se cada avanço me aproximasse de um campo minado emocional.No corredor de volta, o som abafado dos teclados e vozes me recebeu como um lembrete do caos que eu tentava deixar para trás — ou ao menos controlar.Ao chegar na minha mesa, tudo parecia exatamente igual. A prancheta repousava sob meu braço, cartas que ainda não tinha jogado. Sentar foi um pequeno alívio, um gesto que me devolvia um pouco da sensação de controle.Olhei para a tela do computador, o cursor piscando como uma batida que pulsava em sintonia com o meu coração acelerado. A rotina tentava me encontrar; o escritório tentava tomar o lugar dos meus pensamentos.Mas eu sabia que o que realmente precisava era enfrentar aquilo um passo de cada vez. Re

Alice KimJulian me entregou o convite com a mesma elegância com que me entrega elogios: sem exagero, mas com peso.— Evento interno da empresa. Formal, mas não chato. Teremos investidores, clientes antigos, novos sócios... Seria ótimo ter você lá.— Como estagiária?— Como destaque. — Ele sorriu. — E, se quiser, como minha companhia também.Engoli seco.O “como minha companhia também” ecoou por dias. Eu disse que ia pensar. Mas a resposta já estava ali, entalada entre o orgulho e a ferida aberta que atendia pelo nome Zion Bellini.No sábado, Julia praticamente invadiu meu quarto com um vestido preto nas mãos e um discurso pronto:— Você vai linda. Vai firme. Vai fazer ele se arrepender de ter nascido. —— Isso é meio intenso, Ju.— E necessário.Quando Julian me buscou, pontual como um relógio suíço, com aquele blazer cinza e perfume caro que preenchia o ar do carro, eu só pensei:“Ele é o homem certo na hora errada... e o único que parece estar tentando me fazer esquecer o errado qu

POV Alice KimA estrada era longa, mas a tensão no meu estômago era pior.Julian dirigia com uma calma britânica irritante, os dedos leves no volante, a expressão tranquila de quem não suspeitava da tempestade dentro de mim.— Nervosa? — ele perguntou, sem tirar os olhos da pista.Assenti, sincera.— Um pouco.— Vai ser ótimo. Você vai brilhar. — E ele sorriu daquele jeito calmo, como se tudo no mundo estivesse sob controle.Eu queria acreditar nisso.Mas o controle é uma ilusão quando se tem um Zion Bellini na equação.Chegamos ao hotel no fim da tarde. Um prédio imenso de vidro, moderno demais, silencioso demais. Entramos no saguão e a primeira coisa que senti foi o ar gelado no rosto. A segunda…Foi o olhar dele.Zion.Encostado em uma das colunas de mármore preto, mochila jogada no ombro, camisa escura com os primeiros botões abertos. Os cabelos um pouco mais longos, bagunçados. O mesmo olhar de sempre.Misto de desprezo e saudade engolida.Meus pés congelaram.O coração, não.Ele

POV Alice KimO quarto estava em silêncio.Mas não era um silêncio confortável.Era o tipo de silêncio que machuca. Que sufoca. Que parece gritar dentro da pele.Zion estava de costas. Deitado, com o lençol enrolado na cintura, o braço cobrindo os olhos como se quisesse se esconder do próprio corpo.Eu estava sentada na beira da cama, os joelhos juntos, o peito nu coberto pela colcha. Mas não havia proteção no tecido. Eu estava exposta. Por dentro e por fora.— Isso nunca devia ter acontecido. — sussurrei.Ele riu.Riu.Um som baixo, amargo, sem humor algum.— Já disse isso antes, Alice. Você também. Mas ainda assim a gente se come como se o mundo fosse acabar toda vez.— Não é isso. — minha voz saiu falha. — Eu... eu tô cansada, Zion. Cansada de me perder de mim toda vez que você aparece.Ele se virou, apoiando o cotovelo no colchão, o olhar queimando em mim. Tinha raiva ali. E mágoa. Mas o que mais tinha era desejo.Desejo disfarçado de desprezo.— E quem te pediu pra se achar de no

POV Alice KimChovia. Porque, é claro, sempre chove nos dias em que a vida decide te quebrar até o osso.O carro preto que Julian conseguiu parou diante da delegacia às sete e meia da manhã. A cidade ainda despertava, mas dentro de mim já era fim de mundo.Desci.Sapato encharcado. Cabelo grudado na testa. A alma completamente destruída.— Você quer que eu entre com você? — Julian perguntou, encostado no volante.Balancei a cabeça.— Eu preciso ver com os meus próprios olhos... até onde ele foi.Ele assentiu. Mas antes que eu batesse a porta, disse:— Se ele te machucar de novo, Alice… não importa quem ele seja. Você me liga. Eu juro que vou estar lá.Engoli seco.— Obrigada.Entrei na delegacia.As paredes eram bege. O tipo de cor que só piora tudo.Depois de esperar e dar meu nome, um policial me conduziu por um corredor estreito e úmido. O cheiro de mofo, cigarro velho e decepção impregnava o ar.— É ele. — o policial apontou, destrancando a sala de visitas.E ali estava.Zion Bell