Selene CastielO salto batia no piso frio da empresa como se fosse tambor de guerra. E era. Porque cada passo meu hoje era uma batalha entre o que eu mostrava... e o que eu escondia.Por fora? Calça de alfaiataria. Blazer preto. Batom vermelho e aquele rímel à prova d’água que nem a dor consegue remover. Por dentro? Um campo minado.O resultado do exame ainda estava ali. Na bolsa. No celular, escondido, queimando como dinamite esquecida. Mas eu não olhei. Não precisava. Eu já sabia. O corpo já tinha contado tudo.Passei por três assistentes. Dois cumprimentos forçados. Um olhar atravessado do Henrique. O clima nos corredores era de gelo fino. E eu? Dançava em cima dele como se fosse passarela.Na sala de reunião, os acionistas despejavam cobranças como se fossem balas. E eu ali. Sentada. Fria. Precisa.— O que afeta o valor das ações é incompetência. E nesse quesito, senhores... eu sou impecável. — sorri com os dentes. Mas por dentro? Vomitei de novo.Saí da reunião com aplausos gelad

Selene CastielO cheiro chegou antes dele.Sério. Antes mesmo da chave girar na porta, o aroma de camarão com requeijão já invadia a casa como uma promessa — daquelas que você nem sabia que queria tanto assim.A porta abriu.Caius apareceu, carregando duas sacolas de papel, o cabelo mais bagunçado, o sorriso mais vitorioso do que deveria ser permitido pra um homem depois de uma missão culinária.— Missão cumprida — anunciou, erguendo as sacolas como troféus olímpicos. — Escondidinho de camarão com requeijão, como a senhora mandou. Suco de maracujá com leite condensado, com pouca pedra de gelo, como exigido.Eu tentei não sorrir. Tentei mesmo. Mas foi mais forte que eu.Ele colocou tudo na mesa da sala e começou a organizar como se fosse o maître de um restaurante cinco estrelas — guardanapo, copo, talher, tudo. Me olhou.— Vem. Tá quente. E o cheiro está quase me fazendo mudar de ideia e comer metade antes de você chegar.Sentei. Ele me serviu. Eu peguei o garfo. Dei a primeira garfad

Caius VarellaO silêncio dentro do carro era tão denso que parecia se expandir, ocupar cada centímetro do espaço entre nós.Ela estava do meu lado. Selene. A mulher que, minutos antes, tinha enfrentado uma sala lotada de tubarões engravatados com o salto mais alto e o discurso mais afiado da história daquela empresa.Mas agora…Agora ela encarava o celular como se estivesse lendo a própria sentença de morte.— Tá tudo bem? — perguntei, sem rodeio.Ela piscou devagar, ainda olhando pra tela.— Tô.Mentira.O carro seguia. A cidade passava. Mas o clima? Estático.Fiquei olhando de canto. O queixo levemente erguido, o pescoço tenso. As mãos sobre o colo, mas não relaxadas — presas. Como se estivesse segurando alguma coisa.E estava.— Você mandou bem lá em cima. — falei.— Obrigada. — ela respondeu, automática.Sem sorriso. Sem ironia. Sem alma.Era Selene… mas não era.Essa versão dela era blindada demais. Dura demais.Até pra mim.Chegamos em casa.Ela desceu do carro primeiro, entrou

Selene CastielA casa estava escura quando entramos. O som da porta se fechando atrás de nós soou mais alto do que deveria.Eu andei até o centro da sala e parei, sem saber exatamente o que fazer com as mãos, com o vestido, com ele... Com tudo.Caius se aproximou devagar, tirando o paletó e jogando no encosto do sofá.— Quer uma taça? — perguntou, abrindo o frigobar.— Não posso beber. — respondi no automático.Ele parou. Me encarou.Droga.— Tô com enxaqueca. — completei rápido. — Vinho piora.Ele assentiu, mas eu vi. A dúvida nos olhos. Ele me conhecia demais. E eu odiava isso às vezes.Ficamos alguns segundos em silêncio. Os olhos dele presos nos meus. Uma tensão morna se espalhando entre nós como uma maré que sobe devagar.— A noite foi boa — ele disse. — Você estava linda. Sabe disso, né?Revirei os olhos, mas sorri de leve.— Não fala como se fosse passado. Eu ainda tô linda.— Você tá — ele deu um passo. — E eu tô tentando respeitar seu tempo, suas barreiras. Mas Selene... eu t

Selene CastielA sala estava vazia de barulhos, mas cheia de tensão. Caius saiu pra resolver algo com o setor jurídico. Eu fiquei só.Abri o notebook, esperando encontrar uma nova avalanche de e-mails corporativos... mas havia algo estranho.Um e-mail com o campo do remetente em branco.Assunto: Você não sabe de tudo.Sem corpo de texto.Só um anexo.O coração acelerou. Um arrepio subiu pela espinha, do tipo que vem antes da dor.“_donaC_última_gravação.mp4”Abri. Contra todas as partes da minha sanidade que imploravam pra não fazer isso.A imagem tremia, como se tivesse sido gravada com um celular escondido.Minha mãe...Magérrima.Num leito.O quarto era claro, mas a luz nos olhos dela era outra. Escura. Apagada.E então... ela falou.— “Eles disseram que era pra eu me calar. Que minha filha não poderia carregar o peso do nome... nem do sangue.”Minha garganta travou. A gravação terminou. E junto dela… meu chão.Toquei o teclado com mãos trêmulas.Caius voltou, sentiu no ar.— O que