Julia respirava fundo em frente à porta do escritório, que estava fechada, como se estivesse tomando coragem para entrar e encarar seu marido.Ela não queria lidar com Otto, mas era necessário. Não podia mais continuar com tantas perguntas sem respostas. Não podia mais viver à sombra do que lhe contavam sobre a própria vida. Não podia continuar sendo figurante da sua própria história.Bateu na porta e a abriu devagar. Os olhos, inicialmente fixos no chão, subiram aos poucos até encontrar o olhar profundo de Otto.Um sorriso se abriu no rosto pálido dele. Ainda de pé na porta, ela o observou por um momento, como se ainda reunisse forças. Por dentro, a ansiedade e o medo cresciam.— Posso entrar? — perguntou em voz baixa.— Claro. — Otto marcou a página do livro que estava lendo, se inclinou para frente e a olhou fixamente.Ela entrou e se sentou, sentindo o peso do silêncio entre eles.— Você sabe que não estamos bem, e não sei como vamos ficar daqui em diante. Para ser sincera, estou

Julia, durante os dias seguintes, tentava fazer Otto contar histórias antigas e soltar nomes, para que pudesse ter o que procurar. Também tentou ligar para o número que ele havia lhe dado, mas ninguém atendia — então desistiu. Pegou uma foto em que aparecia um grupo de pessoas e, segundo Otto, anotou o nome de cada uma presente na imagem.Numa manhã, Pérola fez uma visita a Julia após o plantão, e as duas aproveitaram para tomar café juntas.— Aqui está o que consegui — disse Julia, passando a foto para Pérola.— Certo, vou começar a procurar na minha folga — respondeu ela, guardando a foto na bolsa. — Conseguiu falar com a Karol?— Não. Ela não atende... acho que não quer mesmo falar comigo.— Tudo bem — disse, colocando a mão no ombro de Julia. — Vamos torcer para darmos sorte.— Ele ainda não disse para onde vamos, Pérola... e isso me deixa com medo.Otto entrou na cozinha e pegou uma maçã na fruteira.— Como foi o plantão? — perguntou, encostando-se na pia.— Incrivelmente, foi be

O voo foi cansativo. Mesmo assim, Julia sentia um pouco de ansiedade; estava louca para conhecer o lugar, ver a casa nova e, o mais importante, recuperar suas memórias.Otto dirigia um carro simples, alugado. Antes de seguirem para a casa nova, passaram no supermercado — precisavam comprar comida, já que, até aquele momento, a casa estava totalmente vazia.A música tocava baixinho, compondo um cenário que, para Julia, parecia saído de um sonho.Um sorriso bobo, quase infantil, descansava em seu rosto, enquanto o vento bagunçava seus cabelos em todas as direções.Vê-la tão feliz fazia Otto sorrir de um jeito que ela jamais tinha visto.Ele passou a mão em seus cabelos. Julia se virou e olhou diretamente em seus olhos, que brilhavam encantados. Ele pegou sua mão e a beijou com delicadeza. Julia o imitou, ajeitou os óculos de sol no rosto e então se virou para a janela. Cruzou os braços sobre o parapeito e repousou o rosto ali, observando a paisagem em silêncio.Estavam cercados por um v

“Pérola, funcionou. Eu não me sinto culpada, na verdade estou muito bem.”“Do que está falando mesmo?”“Do sexo com Otto.”“Então foi bom?”“Perfeito, gozei muito.”“Jura?! Então vocês vão ficar bem, né?”“Não sei, não vou me precipitar. Imagina se eu decido ficar de vez e você descobre algo?”“Verdade, você tem razão. Amanhã não tenho muita coisa para fazer, prometo ver se consigo algo.”“Você é a melhor!”“Não acha que seria bom vocês ficarem juntos?”“Você é muito fã dele mesmo, né?”“Só um pouquinho.”“Estou torcendo para tudo ser loucura minha mesmo. Estou realmente curtindo ele. Depois da briga, da terapia… estamos nos entendendo melhor.”“Amiga, você merece viver algo bom, tranquilo. Otto é doido por você.”“Eu sei… mas ainda assim tenho aquela pulga atrás da orelha. E sei que, no fundo, você também tem, por mais que veja que ele gosta mesmo de mim.”“Por isso mesmo vou tentar descobrir algo, para a gente poder ficar em paz.”“Obrigada.”“Preciso ir. Hoje tenho uma entrevista o

— Já não te falei que, quando eu te ligar, é para atender logo? — disse Otto, aborrecido ao telefone. — Eu não quero saber, estou pagando para você fazer o serviço bem feito, e pago muito bem, mais do que você recebia naquele bordel, e você sabe disso! — o tom de voz estava elevado. — Eu estou pouco me fudendo se você estava doente, já era para ter entrado em contato com ela.Ele se calou por alguns instantes, ouvindo o que a outra pessoa dizia do outro lado da linha.Caminhava de um lado para o outro, a fúria aumentando a cada passo. Seus pés batiam no chão cada vez mais forte, o rosto estava vermelho, a respiração acelerada.— É… ela disse que iriam se encontrar amanhã. Está animada com isso. Vê se não faz merda. Não se esqueça que amanhã à noite eu apareço aí.Desligou o celular e tentou se acalmar. Precisava extravasar um pouco; havia passado dias trancado em casa, no meio do mato, fazendo papel de bom marido, e aquilo já durava tempo demais. Precisava fazer algo que o animasse de