No sonho, tudo era luz.— Parabéns, Lúcia. Você será a nova gerente da loja — disse a supervisora, sorrindo orgulhosa, com os olhos brilhando como se eu fosse um talento raro que ela teve o privilégio de descobrir.Minhas mãos tremiam enquanto assinava o contrato. O crachá novo cintilava sobre a mesa. Era oficial. A bolsa integral na universidade, os livros de Química abertos na mesa da sala, as noites em claro misturando fórmulas e fragrâncias... tudo estava começando a valer a pena. Era como se o universo, por um segundo, tivesse me olhado com carinho.  Eu saía do estágio direto pro trabalho, com o jaleco ainda cheirando a laboratório. Corria até a loja, trocava de roupa no banheiro apertado e enfrentava os clientes como se o cansaço fosse só um detalhe. Mas eu sorria. Porque aquilo era meu. Porque ninguém tinha me dado nada de graça.— Você é incrível, sabia? — disse Ítalo, me abraçando por trás enquanto eu revisava fórmulas no caderno.— Ainda não. Mas tô chegando lá — respondi,

Lúcia Quinta-feira Acordei após o sonho durante a madrugada e não consegui dormir mais. Eram 4:00 da manhã e eu não conseguia fechar os olhos em paz. Os flashes do passado. O medo crescente no meu peito. A sensação de alguém me observando. Me seguindo. Tramando contra mim. Desci com cuidado as escadas, pé por pé. Cada movimento é acompanhado pelas batidas aceleradas do meu coração. É ridículo ter medo dentro da própria casa, mas eu não duvidava de nada vindo de Ítalo. Ítalo. Esse nome me traz amargor na boca, como se algo podre estivesse em contato com a minha língua. Fiz uma careta de pensar nele. Como eu pude ser tão imbeci e cega? Cheguei ao pé da escada e olhei em direção à cozinha que estava escura. Respirei fundo e corri na ponta dos pés pra acender a luz, como se pudesse queimar todo o tipo de medo e lembrança ruim que havia dentro de mim. Quando o cômodo foi iluminado me senti mais segura, mesmo que não fosse verdade. Me sentei na mesa sentindo como se meu estômago fo

LúciaO sábado seguiu tranquilo e aconchegante. Durante o dia ajudei minha tia nas tarefas da casa enquanto meu tio estava fora.Quando o sol se pôs fui tomar meu banho, já pensando em qual roupa eu usaria na ocasião de hoje a noite. Decidi por um vestido claro, com caimento leve, um decote discreto que marcava minhas curvas da cintura e coxas, inclusive minha barriga, a qual eu já havia aprendido a aceitar, e até gostar. Fiz uma maquiagem um pouco mais pesada com batom vermelho na boca. Optei por um salto preto de tamanho médio e um perfume floral adocicado. Era perfeito pra ocasiões noturnas.Parei em frente ao espelho e, por alguns segundos, consegui ter um vislumbre da mulher segura que já fui. Talvez motivos para me arrumar — como sair ou simplesmente me sentir bonita — me ajudem a me reencontrar.Escutei a buzina lá fora. Eram o sinal que eu precisava pra descer. Me despedi de meus tios e avisei que se eu fosse chegar muito tarde iria dormir na casa da Sabrina.O caminho até o b

Lúcia A segunda-feira amanheceu morna, com uma brisa suave passando pela fresta da janela. Eu estava acordada desde muito antes do despertador tocar. O corpo parecia cansado, mas a mente estava inquieta, como se pressentisse algo. Depois do almoço com Otávio no dia anterior, uma parte de mim parecia mais leve, mais viva. Mas outra... estava em alerta. Como se a paz fosse frágil demais para durar. Levantei devagar da cama, tentando não fazer barulho. Meus tios ainda dormiam no quarto ao lado. Eu morava com ela e meu tio, que me acolheram quando precisei. Nunca me faltou carinho naquela casa. Ajeitei o cabelo em um coque frouxo e fui direto para o banheiro. Tomar banho nas manhãs de segunda era sempre um ritual silencioso e contemplativo. Hoje, porém, tudo parecia... fora do lugar. Vesti uma calça jeans escura, uma blusa de gola alta cor creme e um blazer preto. Coloquei uma sapatilha confortável e prendi o cabelo num coque mais firme, sem muitos adornos. Não queria chamar atenç

Lúcia Não eram dez da manhã e eu estava no carro de Otávio voltando pra casa. Eu senti meus olhos arderem por causa do choro. Agradeço por Otávio se preocupar comigo, mas me senti um fardo. Ele desmarcou todos os compromissos que tinha hoje por minha causa. Ana disse que iria remanejar todas as reuniões ao longo da semana e necessário, agendaria para sábado de manhã as que não conseguisse encaixar na agenda. Otávio concordou sem hesitar e insistiu para irmos ao médico. Ele me levou a um hospital particular discreto. No trajeto até o hospital Otávio resolveu toda a parte burocrática por celular e quando chegamos ele pagou com seu cartão e nós dois entramos no consultório do médico. Diagnóstico: Ataque de Pânico. Dois dias de afastamento. Eu não quero deixar o ítalo me amedrontar de novo. Eu não sou fraca, mas Otávio me proibiu de trabalhar hoje. E por esse motivo estamos indo para a casa dos meus tios. Cheguei e entrei sem fazer alarde. Minha tia estava picando batatas para