Capítulo 2

KIARA

Meus pés estão inchados. Foram tantas horas na sala de cirurgia que não poderia haver outro resultado. Meu paciente estava por um fio, a maioria dos seus órgãos comprometidos por causa do acidente no canteiro de obras em que trabalha. Ele caiu de uma altura de cinco metros. Se não fosse seu equipamento de segurança, o estrago seria maior. Seu capacete o salvou de ter sérios problemas cerebrais.

Sento-me no banco do vestiário e respiro aliviada ao retirar meus sapatos. Meus pés agradecem por estarem livres do aperto que o inchaço causou. Estou pensando seriamente em comprar sapatos com número acima do meu para essas ocasiões, porque a sala cirúrgica é uma incógnita: uma vez lá dentro, não temos previsão de quando sair.

Ser uma cirurgiã-geral requer muitas horas de trabalho. Sou solicitada a todo tempo na emergência, tem dias que nem consigo atender a todos os pacientes que vêm até a mim à primeira vista com problemas menos graves. Trabalhar em um grande hospital tem suas peculiaridades.

— Doutora Vitalle — a enfermeira Sandra me chama. — Desculpe-me, mas a senhora tem uma cirurgia marcada para amanhã às quatorze horas — diz constrangida, pois amanhã seria minha folga. Estou praticamente vinte e quatro horas por dia nesse hospital.

Com um sorriso fraco no rosto, verifico o prontuário do paciente. Ele se chama Frank. Respiro aliviada quando vejo que se trata de uma hérnia abdominal, a do paciente é epigástrica, isso significa que está localizada acima do umbigo, no local da junção dos músculos do abdômen. Esse tipo de hérnia é caracterizado por um buraco, permitindo a saída de tecidos, formando uma saliência visível fora da barriga. A cirurgia é simples. Vou reintroduzir os tecidos na cavidade abdominal, se for necessário usarei uma tela. A hérnia é causada por enfraquecimento do músculo da parede abdominal, muitos são ocasionados pelo excesso de peso ou por fazer grandes esforços.

Devolvo o prontuário para a Sandra e sorrio aliviada por não ter que ficar por horas na sala de cirurgia na minha “folga”.

**********

Abro a porta do meu apartamento, acendendo a luz, e a tranco com a chave e todas as trancas que possuo, que são três. Algumas amigas dizem que é exagero, que meu condomínio é seguro, mas sou precavida. Uma mulher vivendo sozinha no centro de Florença é um alvo fácil não só para assaltantes, como também para abusadores. Infelizmente, trato muitos casos de violência sexual no hospital, em sua maioria o agressor é de fora da cidade.

Desfaço dos sapatos e praticamente me arrasto para o sofá. Meu corpo está dolorido devido às horas que permaneci em pé entre uma cirurgia e outra. Alguns minutos depois, me obrigo a me levantar, retirando minha roupa enquanto caminho para o banheiro. É umas das vantagens de morar sozinha. Entro no banheiro do meu quarto e meu corpo recebe grato a água morna do meu chuveiro, meus músculos relaxam.

Com o corpo limpo, pego um pijama no meu armário, visto a calça e a camisa, que é de manga comprida, pois a noite está fria. Na cozinha, pego uma salada de frango que está há dois dias na geladeira. Nessa hora, sinto falta da comida quente e saborosa que minha mãe me dava todos os dias quando eu chegava em casa. Termino a refeição e me jogo no sofá. Ligo a tv e, com o controle, navego pelos canais até estacionar no canal de notícias.

Mais um banho de sangue na cidade. Segundo testemunhas, tudo indica que uma conhecida e poderosa organização mafiosa eliminou nessa tarde um grupo de traficantes em uma casa no subúrbio. Foi encontrado, junto com os corpos, uma grande quantidade de entorpecente. Não sabemos ao certo o motivo, pois as drogas foram deixadas no local. Vamos falar ao vivo com o detetive Mota.

Detetive, a quem o senhor atribui esse crime? Segundo algumas testemunhas, foi uma famosa organização mafiosa.

— O que apuramos até agora é que se trata de uma disputa de território entre traficantes. Devido ao seu poderio de fogo, algumas pessoas associaram o ataque aos homens da máfia, organização que não podemos garantir a existência em nossa cidade.

Estou chocada com esse detetive. Todos os italianos sabem que a máfia existe e que manda e desmanda no nosso país. Como muitas autoridades, esse detetive deve ser mais um na lista de pagamento deles. Esse tipo de pessoa me deixa doente. Como pode eu, uma cidadã íntegra, cumpridora da lei, viver em uma cidade onde foras da lei que decidem sobre minha vida? Já ouvi histórias horríveis sobre esses homens. A que me deixou mais perplexa foi de um chefe da máfia que eles chamam de Don, que sequestrou uma jovem para ser sua esposa. Ele obrigou a jovem a se casar com ele contra sua vontade, como pagamento de uma dívida. Eu preferia a morte a viver com um homem desses.

**********

Levanto-me, espreguiçando-me. Faço minha higiene matinal e decido dar uma volta no parque. Fico tantas horas dentro do hospital que quase não aproveito um dia lindo de sol como o de hoje.

Três homens grandes passam por mim correndo. Apesar de terem se movimentado rapidamente, notei que eles são do tipo que não vemos com frequência transitando pela rua, muito menos correndo em um parque. Continuo minha caminhada em passos lentos, meu intuito é aproveitar esse dia ensolarado antes de ir para o hospital.

Poucas pessoas caminham pelo parque. Estamos no meio da semana, geralmente as famílias vêm no final de semana. Atravesso o parque por debaixo da ponte, chegando em uma parte onde nas laterais da rua temos apenas uma vegetação densa, o ar aqui é mais leve. De repente, um homem de altura mediana, negro, vestindo uma calça jeans e uma camisa de algodão azul surge na minha frente. Assusto-me com sua aparição repentina, provavelmente estava escondido entre as árvores.

Ele segura em meus braços. Tento fugir, mas não consigo. Grito por socorro, mas é inútil, não tem ninguém nesse lugar. Em desespero, chuto suas partes íntimas; ele me xinga e geme de dor. Suas mãos seguram seu sexo, e nesse momento aproveito para correr. Enquanto corro, seco as lágrimas que brotam dos meus olhos e que atrapalham minha visão. De vez em quando, olho para trás e não vejo nem sombra dele.

Meu corpo vai de encontro a uma parede humana que segura meus punhos. É ele, o homem que vi correndo. Assustada, com meus olhos arregalados, tento me soltar do seu aperto. Os dois homens que estão ao seu lado observam sem dizer nada.

— Olha por onde anda — ele diz zombeteiro. Mesmo com medo, é impossível não observar o quanto ele é bonito, mas seus olhos são de uma frieza que me deixa arrepiada. Percebo que ainda não estou salva, e se esse homem também for um estuprador? Por mais que me esforce, não consigo me livrar do seu aperto. Ele é bem maior e mais forte do que o outro homem.

— Por favor, não me machuque — imploro. Sinto-me apavorada só de imaginar o que eles podem fazer comigo. Ele solta meus pulsos, e sem pensar me afasto com dois passos para trás. Ele não se movimenta, dou mais dois passos. Ele continua observando-me. Viro-me e corro, meu coração bate fortemente, a adrenalina toma todo meu corpo. Tão logo faço a curva, vejo o homem que me atacou. Quando seus olhos se deparam com os meus, ele corre em minha direção.

Com o corpo trêmulo, minha mente trabalha fervorosamente. Que opções tenho? Voltar e ser abusada por aqueles três homens, ou ficar e ser abusada por esse homem? Meu peito sobe e desce, meu coração bate forte e rápido. Suas mãos sujas envolvem meu corpo que está imóvel.

— Sua putinha, você vai me pagar. Vou te foder até você desmaiar.

Sua mão agarra meu cabelo que está preso em um rabo de cavalo. Volto a mim com a dor que sinto, a força que ele faz é tão grande que caio sentada. Meu cóccix bate no chão, ele me arrasta. Grito, peço socorro, e ele grita com tom raivoso:

— Cala a boca, vagabunda.

Chuta minhas costas. A dor que sinto, misturada com o medo, me corrói. Meu agressor me arrasta pelo asfalto, minha cabeça bate algumas vezes no chão. Fico zonza, vejo tudo nublado, todo meu corpo lateja de dor, principalmente meu cóccix, costas e minha cabeça.

Ouço barulho de pessoas conversando e rindo. Meu agressor está tão imbuído em sua tarefa que não percebe que alguém se aproxima. Ele me arrasta em direção à mata selvagem, meus cabelos parecem que serão arrancados pela raiz. A dor é muito grande. Minha cabeça bate novamente no chão, dessa vez mais forte.

— Por favor, não faça isso — peço com a voz fraca. Tudo ao meu redor está rodando, minha cabeça dói. A forte batida deve ter me causado uma concussão.

Acontece tudo tão rápido. Meu agressor é jogado longe, ouço dois tiros e apago.

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