Capítulo 3

ㅡ Matheus! Ande logo! Vai se atrasar para a escola!

ㅡ Só um minuto, mãe!

Cadu está sentado no sofá da sala, lendo as notícias em seu laptop sobre a mesa de centro, enquanto eu fico trocando o peso do corpo de um pé para o outro.

ㅡ Amor, você vai abrir um buraco no chão…

ㅡ Esse menino… Demora horas para se arrumar, é pior do que eu!

ㅡ Ainda bem que você reconhece!

Ele começa a rir e eu jogo minha bolsa nele, que ele pega no ar.

ㅡ Engraçadinho…

Ele sacode minha bolsa, exibindo-a para mim.

ㅡ Como uma bolsa tão pequena pode pesar tanto?

ㅡ Está fraquinho, é?

ㅡ Não, entretanto desconfio de que a pia da cozinha esteja aqui dentro.

Mostro-lhe a língua e estico meu braço em sua direção para pegar minha bolsa. Ele me puxa pela mão e me acomoda de lado em seu colo para, em seguida, me beijar suavemente os lábios.

ㅡ Vou ter folga amanhã, os clientes de Petrópolis cancelaram por causa de um congresso ou algo assim. Poderíamos fazer um passeio em família, ir à praia, talvez?

ㅡ Seria ótimo. 

Ao esticar meu braço ao redor de seu pescoço, sinto uma fisgada de dor que parece cortar os músculos do meu peito ao meio.

ㅡ Ai!

ㅡ O que foi?

ㅡ Eu não sei. Uma dor esquisita aqui. Devem ser os calos da tendinite gritando de novo.

ㅡ Fazia tempo que isso não te incomodava tanto. Talvez, seja hora de rever seu programa de fisioterapia. Mais um motivo para que marque uma consulta de check-up e faça alguns exames. Sua pressão tem andado muito instável e também não posso mudar os exercícios sem saber como estão as lesões.

ㅡ Claro… Vou fazer tudo de uma vez, só espero não ter que voltar com o anti-inflamatório. 

ㅡ Está com medo de um comprimido? ㅡ O seu tom sarcástico é nítido.

ㅡ Você é muito bobo.

Matheus desce correndo pelas escadas e para, batendo continência no meio da sala.

ㅡ Estou pronto!

ㅡ Vamos.

Levanto-me do colo de meu marido e pego minha bolsa de suas mãos. Sigo para a saída, já pegando as chaves de dentro dela. Paro diante da porta e vejo que Matheus não se mexeu.

O que foi agora?

Ele está olhando para o pai, que sequer percebeu, pois sua atenção já está totalmente voltada para o laptop novamente. Vou até meu filho e pego sua mão, guiando-o até a garagem. Apenas quando estamos a sós é que ele se manifesta. 

ㅡ Meu pai é quem deveria me levar, não a senhora que passou mal ontem.

Ele cruza os braços na altura do peito, com um bico emburrado do tamanho do mundo. 

ㅡ Seu pai está organizando sua agenda por causa dos clientes que mudaram de horário. Eu estou perfeitamente bem. Não quer passar mais tempo com sua mãe?

Eu faço um beicinho falsamente triste e ele ri.

ㅡ Chantagista… Só por causa disso quero ir na frente!

ㅡ Negativo! Lá atrás, mocinho!

Ele rosna consternado e entra na parte de trás do carro, um sedan cinza, e eu me acomodo ao volante depois de acionar o controle para abrir a porta da garagem.

ㅡ Mãe, me sinto como se tivesse um chofer! Meus amigos vão me zoar… Todos eles vão na parte da frente!

ㅡ Se os pais dos seus amigos não se importam com a segurança de seus filhos, o problema é deles. Do meu filho cuido eu!

Ele cruza os braços bufando e eu rio. Logo, ele abre aquele lindo sorriso que tanto amo vislumbrar e começa a cantar algo que acho estranhamente familiar.

ㅡ Que música bonita, meu filho. Quem canta?

ㅡ Ah, eu estava procurando por coisas novas e achei o canal de uma banda incrível! Chama-se HelioX. 

Eu engasgo com a saliva e tusso um pouco. Olho rapidamente para ele pelo retrovisor interno, completamente estupefata.

ㅡ HelioX?

ㅡ Sim, quer que eu mostre?

Ele já busca em sua mochila seu celular. Sim, ele tem um, porém eu coloquei travas para o seu acesso e controlo tudo o que ele consulta. Nunca se sabe quando alguém mal intencionado pode aliciar uma criança através da internet. Todo cuidado é pouco. Após localizar o vídeo, a voz de Jhonny preenche o veículo quando meu filho aperta o play.

Não é à toa que me pareceu familiar. Suas composições são inconfundíveis. Eu ainda não conhecia essa, deve ser trabalho novo.

Mentalmente começo a identificar as palavras, já pensando em colocar sua tradução no site.

ㅡ Eles são ótimos, Matheus. Seu gosto musical está melhorando.

ㅡ Eu sempre tive bom gosto...

ㅡ Convencido… Praia amanhã? Seu pai também vai.

ㅡ Oba!

Seguimos nossa viagem até seu colégio, embalados pelo ritmo do rock da HelioX. Quando estaciono, ele se solta do cinto, se projeta por entre os bancos e me dá um beijo na bochecha.

ㅡ Eu te amo, mãe. Tchau!

ㅡ Também te amo, meu bebê! Juízo!

ㅡ Mãe, por favor…

Eu rio e ele me mostra a língua, para sorrir em seguida antes de sair do carro. Eu o aguardo passar pelos portões da escola. Nesse momento, meu celular vibra. Uma mensagem da Lili.

Lili: Bom dia, amiga!

Resolvo respondê-la logo e contar-lhe o motivo de minha euforia matinal. Não nos falamos mais depois que recebi a mensagem de Jhonny.

Nina: Você não vai acreditar! Adivinha quem me mandou uma mensagem?

Lili: Bem… Terá sido um vocalista super sexy de uma banda de rock que você adora?

Nina: Sim! O Jhonny autorizou que eu traduza suas músicas! Eu ainda não acredito! 

Lili: Eu não te falei? Cai dentro, Nina!

Nina: Só tem uma coisa que me deixou cismada… Ele me chamou de Nina.

Lili: Qual o problema?

Nina: Como ele soube? Seria mais fácil me chamar de Carol ou Carolina, certo?

Lili: Talvez ele tenha olhado seu perfil e viu te chamarem assim. Eu mesma já postei várias mensagens te chamando de Nina.

Nina: Será que ele se deu a esse trabalho?

Lili: Não duvido. Ele parece muito atencioso com os fãs. E já que você vai fazer um trabalho para ele, é bem provável que ele tenha feito isso.

Nina: Deve ser.

Lili: Ah, a Jô está me enchendo o saco aqui. Quer que eu termine suas unhas.

Nina: Vão para alguma festa?

Lili: Sim! Você bem que poderia pedir alforria por um dia e ir conosco! É amanhã!

Nina: Não vai dar. Cadu está de folga e vai nos levar para a praia. 

Lili: Poxa vida… Bom, pelo menos ele vai te levar para um lugar bacana. Divirtam-se!

Nina: Vocês também!

Guardo meu celular na bolsa e ligo o carro, porém não arranco. Batuco com os dedos no volante e não resisto. Desligo o motor e pego meu celular novamente, mordendo os lábios. Acesso o canal de vídeos da HelioX. Dois novos vídeos foram postados durante a madrugada. Um é um teaser falando sobre o novo álbum. O outro é a versão ao vivo de uma música inédita. Como não encontro a versão de estúdio em canto algum, nem no site da produtora, eu adiciono o vídeo à minha playlist e deixo rolar. É a mesma que Matheus havia me mostrado antes.

Que som fantástico…

Prendo o celular no seu suporte do painel do carro e dou a partida. Logo, estou cantando como se já fosse íntima da canção e sua letra cheia de significado me invade.

Às vezes, me sinto assim… Presa, sufocada…

O aperto no meu peito retorna e não consigo evitar as lágrimas. É tão forte que minha vista fica embaçada e sou obrigada a parar o carro. Encosto a testa no volante, enquanto tento retomar o controle de mim mesma.

O que estou fazendo da minha vida?

Levo uns dez minutos para conseguir me controlar e prosseguir viagem. Suspiro forte ao parar em um sinal. Movo meu pescoço, girando-o, e ele estala uma vez de tensão. O carro da frente demora para sair, pois o motorista está ao celular distraído.

Babaca...

Eu buzino três vezes e, na última, sinto uma fisgada de dor novamente. Levo minha mão ao local e o massageio de leve. Parece inchado. Respiro fundo, enquanto sinto os calos. Todos os músculos do meu braço direito, do punho ao ombro, são tomados por pequenas lesões, causadas por postura e posicionamento errados diante do computador durante o período em que trabalhava fora. 

Maldita tendinite…

O cara da frente resolve finalmente se mover. Ao chegar em casa e deixar o carro na garagem, sigo diretamente para o quarto. Procuro uma caixa onde guardo medicamentos dentro do guarda-roupa e pego um analgésico. 

Vai ajudar a aliviar a dor, embora não resolva nada. Pelo menos, vou conseguir fazer as tarefas de casa. 

Ao passar pelo corredor, escuto Cadu ao celular no banheiro. Ele tem essa mania de não se separar do bendito aparelho. Não consigo entender a conversa, mas ele parece exaltado. Eu desço as escadas e vou para a cozinha fazer o almoço. 

Decido preparar uma macarronada. É prática, rápida e todo mundo aqui ama macarrão. Enquanto aguardo a fervura da água para a massa, uso o celular para checar o site onde posto as músicas e me lembro da que ouvi no caminho para casa. 

É do novo álbum, vai chamar a atenção. 

Fico escutando a música e, conforme a ouço, vou digitando as palavras na área de postagem. Quando termino, envio a letra, juntamente com a tradução. 

Olho para a panela, cuja água ainda não está no ponto e resolvo acessar o canal da HelioX. Escolho outra música que gosto, tiro a letra e também envio com a tradução. Na verdade, apesar de gostar de todas as músicas, não sei qual faz mais sucesso no exterior, fica difícil escolher uma ordem. Envio uma mensagem para Jhonny perguntando se ele teria alguma preferência nas postagens. Coloco o celular sobre a bancada e me dedico ao molho da macarronada, enquanto penso em uma forma de organizar o envio das letras ou até que ele me responda. 

Depois de uma hora, tenho tudo pronto e o meu celular vibra. É o Jhonny e fico extremamente feliz. Ele diz que a ordem das músicas antes do novo single não faz diferença. A nova música era mais importante e ela já estava online. Eu poderia colocar as demais conforme quisesse.

ㅡ Será que ele vai me achar esquisita se eu perguntar quais seriam as letras mais cotadas?

ㅡ Que letras?

Olho para a porta da cozinha e lá está meu marido, encostado no batente, me observando muito curioso.

Nina, você tem que parar de falar sozinha… Embora, talvez isso seja bom. Não quero continuar mentindo de qualquer forma. 

ㅡ Já ouviu falar de uma banda chamada HelioX? ㅡ Ele pensa um pouco e nega com a cabeça. ㅡ Bem, é uma banda internacional de rock. Eles são muito bons, mas são pouco conhecidos aqui no Brasil. Como quero praticar o meu inglês, perguntei ao vocalista, que é o líder da banda, se eu poderia fazer as traduções das músicas. Ele autorizou e agora estou aqui me perguntando qual a ordem que eu deveria postar as letras…

ㅡ Espera… Volta tudo porque eu me perdi. Você disse que está traduzindo letras de música para um cara?

ㅡ Não é só um cara. É o Jhonny Williams, líder da HelioX. É a banda mais badalada do momento no exterior.

ㅡ Certo... E você o conhece?

ㅡ Conhecer como, Cadu? Bebeu? Por acaso já viajei para fora do país? Nem passaporte eu tenho. Hoje em dia, com toda essa conectividade das redes sociais, é mais fácil manter contato com um ídolo do que antigamente. Aqui, vou te mostrar a banda.

Exibo a tela do meu celular com a página do perfil social da HelioX. Ele passa as fotos, lê alguma coisa e me devolve o aparelho. 

ㅡ A agenda dele parece cheia a julgar pelo que está divulgado aí. 

ㅡ Sim, eles estão estourando. Não seria legal se eles viessem para o Brasil também?

ㅡ Não sei, não conheço as músicas deles.

ㅡ Ah, vou te mostrar algumas. 

Acesso minha playlist e filtro só pelas músicas da banda. Quando ele escuta as primeiras palavras do vocalista, apesar de tentar disfarçar, ele se surpreende.

ㅡ Ele é bom. A banda também. Reparou no teclado?

Um calafrio me percorre a espinha.

Teclado? Só pode estar de sacanagem com a minha cara.

ㅡ É… O Gregory está entre os dez melhores no ranking mundial.

ㅡ Nossa, você sabe o nome de todos? Achei que estivesse caidinha só pelo garotão que canta. ㅡ O nítido sarcasmo em sua voz dessa vez é irritante.

ㅡ Garotão? Jhonny tem trinta e oito anos, um ano mais novo do que eu apenas.

ㅡ Jura? Ele parece bem mais jovem. Deve ser assim que seduz otárias como você para ganhar fama. Essas traduções são de graça, não são?

Conte até dez, Nina…

ㅡ Sim, são de graça. ㅡ Ele dá uma risada desdenhosa e se vira para inspecionar as panelas. ㅡ Jhonny não me seduziu, eu decidi por mim mesma fazer as traduções para não perder a prática. Ele é casado, tem uma filha e...

ㅡ Claro… Se aproveitar das ilusões das fãs realmente é bem legal…

ㅡ Não tenho nenhuma ilusão com ele, pare com isso. Trocamos poucas mensagens e em todas ele foi super educado e profissional. 

ㅡ Ainda bem que você sabe que um garanhão como ele não iria se interessar por uma mulher como você. Esse tipo de cara só pega garotinhas fogosas. As velhas ele trata com educação e gentileza só para mantê-las no cabresto.

Algo explode dentro de mim. 

Estou farta de ser tratada desse jeito.

ㅡ Até ontem quem estava querendo o cabresto da velha aqui era você! Esse seu ciúme de um cara que está em outro país é ridículo!

ㅡ Ah, é? E se ele caísse do céu bem na sua frente? Vai me dizer que não pularia nele? Ontem você me negou fogo, mas agora está toda assanhada falando desse cara.

ㅡ Acredite você ou não, eu jamais te trairia. ㅡ Ele faz um ar indiferente, de quem não acredita no que digo e isso me irrita profundamente. Não é a primeira vez que ele insinua algo assim, no entanto machuca toda vez. Cheguei no meu limite e não resisto em acrescentar. ㅡ Primeiro, eu me separaria de você e depois pularia nele.

Sei que feri seu orgulho e decido fugir. Pego meu celular e tento sair da cozinha, entretanto ele não permite. Segura meu pulso e me puxa contra ele. Eu não me deixo abalar e sustento seu olhar incrédulo com indignação. 

ㅡ O que você disse, Carol?

ㅡ Nina.

ㅡ Pare de palhaçada e se explique!

ㅡ Explicar o quê? Não tenho nada para explicar. Você fica aí me insultando e achou que eu iria aguentar calada até quando? Estou cansada das suas grosserias, da sua estupidez! Não sou um maldito saco de areia para que desconte em mim suas frustrações!

Sacudo meu braço rudemente e ele me solta. 

ㅡ Toda essa confusão por causa daquele mané?

ㅡ Pois, o mané parece tratar as pessoas bem melhor do que o senhor todo-poderoso dono da verdade diante de mim. 

ㅡ Ah, claro… Eu havia esquecido. Ele é o seu padrão, certo, Carol? Roberto era no mesmo estilo. Um cabeludo metido a roqueiro, que se firmava na aparência. No mundo de pessoas inteligentes em que vivo, considero uma música boa pelo talento do cara, não porque ele seja "gostosão"!

Meus olhos se enchem de lágrimas pela menção. Perco a razão e desabafo.

ㅡ Primeiro: você acabou de dizer que ele era bom, só porque ele é bonito está criando caso. 

ㅡ Então, você admite que o acha bonito?

Sou apenas raiva quando esbravejo, tentando magoá-lo tanto quanto ele me magoa. 

ㅡ Não só admito como repito: Jhonny Williams é lindo, gostoso e sexy, no entanto isso não diminui seu talento. ㅡ Cadu abre a boca para retrucar, porém eu ergo a mão diante dele. ㅡ Você vai me deixar terminar ou vai ser mal-educado e me cortar de novo?

Ele bufa e cruza os braços, balançando a cabeça em positivo.

ㅡ Continue.

ㅡ Segundo: Da próxima vez que me chamar por Carol, vou te ignorar até me chamar por Carolina ou Nina. E, por último, se voltar a mencionar o Roberto para me atingir, eu passo a mão no Matheus e saio pela porta da frente e da sua vida para sempre.

ㅡ E vai fazer o quê? Você não tem renda própria. Como vai sustentar você e o seu filho?

ㅡ Meu filho tem pai e, até ele completar a maioridade,  o pai tem obrigações legais com ele sob o risco de ir preso se descumprir. Eu posso ter sido passiva até agora, mas não me trate como uma burra ignorante porque isso eu realmente não sou!

ㅡ Eu não vou te sustentar se você se separar de mim por causa de outro macho!

ㅡ Quando foi que eu disse que você ia me sustentar? E quando foi que eu disse que tenho outro macho? Se for para ter outro ignorante como você na minha vida, prefiro fazer voto de castidade e ir para um convento!

ㅡ Voto de castidade? Isso você já está fazendo, né? E me obrigando a fazer também!

ㅡ Não seja ridículo… Estou doente. Se você não entende, então é melhor acabar por aqui mesmo, porque não vou mais ficar escutando os seus desaforos! 

Dessa vez, quando saio da cozinha, ele não me impede. Corro escada acima e me tranco no banheiro. Sento-me no chão e desato a chorar descontroladamente. Na verdade, não quero me separar. 

Eu e meu marido estamos juntos há vinte anos, temos um filho. Como é que as coisas chegaram nesse ponto?

Fico uma meia hora no chão, apenas soluçando e tentando me acalmar. Reuno coragem para me levantar e enfrentar a vida. É quando olho meu reflexo no espelho. Meus olhos estão inchados e vermelhos de tanto que chorei. Meus cabelos longos e pretos estão mal presos em um coque desgrenhado. Mas, o físico não é o pior. A apatia e tristeza em meu rosto são inegáveis. Mesmo que eu force um sorriso, ainda assim não seria sincero. 

Estou mais apagada do que uma lâmpada queimada, sem energia, sem vida. Lili e meu filho têm razão. Eu cuido de todos e esqueço-me de mim. Não é à toa que Cadu me menospreze tanto. Estou parecendo um espantalho.

Respiro fundo e abro o armário que fica por trás do espelho. Vejo cotocos de batom e lápis de olho que há tempos não utilizo. Nunca fui de me embonecar tanto, sempre achei que a beleza natural era melhor, porém eu me descuidei. Muito. 

Não mais.

Solto o coque arruinado e pego uma escova. Vou penteando os fios e divido meu cabelo ao meio. Abro a primeira gaveta da bancada da pia e pego uma tesoura.

Para que um cabelo tão grande se está sempre preso?

Faço uma trança, ela alcança o início da minha bunda. Prendo com dois elásticos. Um na ponta e outro quase na nuca. Passo a tesoura um pouco acima do elástico da nuca e observo a trança em minhas mãos.

Nunca precisei tanto de um milagre como agora… Vou colocar a trança aos pés de Nossa Senhora de Aparecida quando for na igreja…

Observo o corte no espelho e acerto as pontas. Sempre cortei o cabelo do meu filho e o meu. Não é um grande mistério para mim, minha mãe me ensinou bem. Gosto do resultado. Ficou estilo Bob. Respiro fundo, orgulhosa de minha obra.

Bem melhor.

Lavo o rosto e embrulho o cabelo cortado em um saco plástico. Assim que abro a porta, me deparo com Cadu, cuja mão está erguida no ar para bater nela. Eu fecho a cara.

ㅡ O que foi?

ㅡ Seu cabelo… Por que cortou?

ㅡ Porque eu quis. Com licença. ㅡ Eu passo, esbarrando na lateral de seu corpo. Ele parece embasbacado com o que fiz. Segue-me até o nosso quarto e me observa em silêncio. ㅡ Vou tomar um banho para buscar o Matheus na escola.

ㅡ Posso ir se você quiser.

De manhã estava ocupado demais para me ajudar, mesmo tendo eu passado mal no dia anterior. Agora, só porque brigamos, ele muda de atitude para se redimir das merdas que me disse? Pro inferno!

ㅡ Não, obrigada. Vou aproveitar e comprar umas coisas. Eu e ele vamos almoçar no shopping. 

ㅡ Quer ajuda? O que vai comprar? Precisa de um braço forte para carregar o peso?

Ele tenta fazer graça mostrando o muque, tentando quebrar o clima tenso entre nós. 

Tarde demais.

ㅡ Não, Matheus pode me ajudar. Não é nada pesado. Vou comprar maquiagem e esmaltes novos. Tudo que tenho aqui está fora da validade e não quero ter uma reação alérgica por conta disso.

ㅡ Pretende ir a alguma festa?

Eu me viro e o encaro, antes de retornar ao banheiro.

ㅡ Não. Mas, não se preocupe. Se eu for a algum lugar, você será o primeiro a saber. Algo mais?

Ele coça a cabeça, muito sem graça e suspira.

ㅡ Carol, precisamos conversar… ㅡ Eu ignoro sua frase e sigo direto para o banheiro. ㅡ Carol! Mas que droga, mulher! Fale comigo direito! ㅡ Paro diante da porta do banheiro, jogo a toalha e a muda de roupa sobre a bancada da pia e cruzo os braços, observando-o severamente. Bato com um pé impaciente no chão. ㅡ Carol, eu… 

Eu grunho em desagrado e dou-lhe as costas.

Ele nunca aprende. Não se importa!

Sinto sua mão no meu ombro e sua voz sussurrada nos meus cabelos.

ㅡ Nina, me desculpe. Sabe como eu sou cabeça quente. Não aguentei ver sua empolgação por outro homem…

Eu me viro incrédula.

ㅡ Que outro homem, Cadu? Enlouqueceu? 

ㅡ O cantor… ㅡ Ele rosna por entre os dentes.

Levanto os braços para o alto, sem ainda acreditar que ele esteja com ciúmes do Jhonny.

ㅡ Ah, pelo amor de Deus! Isso é ridículo!

ㅡ Será? Foi só ele aparecer que você passou a agir estupidamente comigo.

ㅡ Ah, não! Não inverta a situação! É você quem sempre fica me ridicularizando, menosprezando tudo que faço ou digo. O que esperava?

ㅡ Eu não… ㅡ Ele faz uma breve pausa. ㅡ Olha, não queria te magoar, mas fiquei muito puto com o jeito que falou desse cara.

ㅡ Jhonny não é o problema porque não é de hoje que você me trata mal. Você sempre me acha uma inútil sem valor. Não escuta nada do que eu digo e, quando o faz, é para me humilhar. Não dá para continuar assim…

Eu engasgo e minha voz falha. Tenho novamente aquela vontade de chorar, porém me obrigo a segurar. 

ㅡ Carolina, eu te amo. Poxa, a gente está junto há tanto tempo. Prometo que vou fazer um esforço, porém não garanto nada com relação a esse tal de Jhonny. Sequer consigo ouvir o nome dele. Deixe essas traduções para lá e foque em mim, na nossa família. 

Fico encarando seu rosto. Ele é sincero quando diz que me ama, quero acreditar nisso. No entanto, depois de tudo, me pergunto se apenas amor é suficiente para segurar um relacionamento.

ㅡ Prometi a ele que faria as traduções. Não vou voltar com a minha palavra agora. 

ㅡ Qualquer pessoa pode fazer. Por que tem que ser você? Se desistir dessa ideia, vou entender como está empenhada na nossa família. Eu sei que tenho esse jeito estúpido de ser e exagero muitas vezes, mas é porque não quero te perder. ㅡ Suas mãos envolvem meu rosto e eu as seguro, quando sua boca toca a minha. ㅡ Por favor…

Ele sempre derruba minhas defesas. 

Talvez, seja diferente agora… Foi a primeira vez que o enfrentei sem gaguejar ou chorar. Foi a primeira vez que cogitei a hipótese de nos separarmos. Talvez, ele tenha entendido…

ㅡ Está bem… 

Ele me beija docemente e eu retribuo.

ㅡ Tenho mais uma coisa para te contar. É sobre os meus clientes de Petrópolis. O congresso foi cancelado em cima da hora. Então, eles me pediram para manter as sessões de fisioterapia.

Solto-me de seus braços e o encaro.

ㅡ Você vai? Já falei para o Matheus que…

ㅡ Eu sei, eu sei e sinto muito. Eles vão pagar um extra pelo transtorno. Não posso recusar, Nina. São os meus melhores clientes.

Suspiro de desânimo e encosto minha testa em seu peito.

ㅡ Eu entendo. Vou levar o Matheus no shopping e conversar com ele. 

ㅡ Obrigado. Prometo que vou compensar quando tiver uma folga.

Eu confirmo com a cabeça, me liberto de seu abraço e entro no banheiro para me arrumar. Depois do banho, analiso o corte no espelho outra vez para ver se não sobrou nenhuma ponta. 

Ficou muito bom.

Durante o trajeto de carro até a escola, meu celular faz o aviso sonoro de uma mensagem. Lembro que Lili e Jô me chamaram para uma festa. 

Deve ser uma das duas querendo saber se não mudei de ideia. Dependendo do tipo de festa, posso levar meu filho, assim ele não ficaria tão chateado.

Enquanto aguardo no carro a abertura dos portões da escola, checo meu telefone. 

Jô: Oi, Nina! A Lili me disse que vocês vão à praia. Pode me trazer umas conchinhas? Quero fazer uma pulseira.

Contenho uma risada desgostosa.

Praia…

Nina: Surgiu um imprevisto e Cadu vai trabalhar. Sem praia amanhã. 

Jô: Que pena. Mas, veja pelo lado bom. Agora pode ir conosco na festa.

Nina: Não tenho com quem deixar o Matheus assim, de última hora.

Jô: Ele já é bem crescidinho. Por que não o leva?

Nina: Ele é só uma criança. Não sei se vai gostar de uma festa cheia de adultos.

Jô: Seu filho é bem mais maduro do que imagina. É o pessoal da faculdade fazendo uma festa de reencontro. Vamos, Nina. Vai ser divertido.

Tinha me esquecido completamente do reencontro. O pessoal é legal, porém não sei se Matheus gostaria. 

Nina: Vou ver com o Cadu e aviso vocês. 

Jô: Vai ver? Amiga, você é masoquista? Por acaso ele te consultou sobre cancelar o que tinha te prometido? É sempre assim, ele mantém você trancada em casa. Ninguém te vê, a não ser que seja no mercado ou na porta da escola do seu filho. Você parece que morreu pro mundo!

Nina: Você e a Lili fizeram um pacto contra o Cadu?

Jô: Somos suas amigas. Ficamos preocupadas com você. Não é saudável a forma como você vive. O pior é que você nem percebe.

Nina: O que eu não percebo?

Fico aguardando sua resposta, porém levo um grande susto quando meu filho abre a porta do carro e pula no meu pescoço. 

ㅡ Santo Deus! Não me pegue distraída assim de novo! Quer ficar órfão de mãe?

ㅡ Fala sério, mãe! Que drama! Ah, adorei o novo corte de cabelo. Está mais linda do que nunca!

ㅡ Seu pequeno galanteador! Não pense que vai me amolecer com sua fanfarronice, viu? Vou te fazer carregar todas as sacolas como castigo.

Nesse momento, seus olhinhos negros brilham de excitação.

ㅡ Sacolas? Vamos a algum lugar?

ㅡ Sim, quero fazer umas compras e vamos ao shopping. Também almoçaremos por lá.

ㅡ Oba! ㅡ Ele beija minha bochecha e se esgueira alegremente por entre os bancos para a parte de trás sem reclamar. Volto a olhar para a tela do celular.

Jô: Que você é uma prisioneira de si mesma e do seu relacionamento. Você diz que ama o seu marido, porém acho que o que você sente é medo. Medo de assumir suas rédeas. Medo não é amor.

Jogo o celular dentro da bolsa no banco do carona e seguro com força o volante. Respiro fundo umas duas vezes antes de dar a partida. 

ㅡ Mãe, o que foi?

Olho para ele pelo retrovisor.

ㅡ Como assim? ㅡ Só então noto que minha voz está embargada e sinto a umidade escorrer pelo meu rosto. Afasto as poucas lágrimas rapidamente e limpo a garganta. ㅡ É aquela alergia horrível. A poluição não ajuda muito.

ㅡ Sei…

Ele fica com um ar desconfiado, enquanto prende o cinto. Resolvo mudar de assunto para distrair sua atenção. 

ㅡ Tem escutado mais alguma música boa?

ㅡ Viciei na HelioX. Eles são incríveis, mas aquele Jhonny poderia ter uma dicção melhor. Tem coisas que ele canta que eu não entendo. A senhora bem que poderia traduzir para mim…

Eu rio de seu jeito pidão. 

ㅡ Você não disse que queria ficar fluente no inglês? Jhonny é do Texas e tem um sotaque bem carregado. Então, encare como um desafio. Confesso que foi difícil para mim no começo também.

ㅡ Como assim?

Opa! Bom, acho que não faz mal eu contar para ele.

Espero pararmos em um acostamento e volto a pegar meu celular. Acesso rapidamente o site onde posto as traduções e envio o link para ele via mensagem. 

ㅡ Veja o que te enviei. 

O menino abre a mensagem e se surpreende ao acessar o link que mandei.

ㅡ Tradução de Carolina Ferreira? A senhora está traduzindo as músicas da HelioX?

ㅡ Sim, estou. ㅡ Respondo com um sorriso.

ㅡ Que legal! Mas, espere um pouco… Não vai te trazer problemas?

ㅡ Não. O próprio Jhonny autorizou.

ㅡ O quê?

Ele arregala tanto os olhos que não consigo conter a risada.

ㅡ Quer ver as mensagens dele?

ㅡ Quero!

Coloco nas mensagens do Jhonny e passo o telefone para ele.

ㅡ Eu não acredito! Minha mãe é uma tradutora oficial de uma banda internacional! A senhora vai ficar famosa!

ㅡ Nem tanto, meu bem. Não estou nisso pela fama, estou fazendo gratuitamente só para praticar. Como te falei, também tive dificuldades com o sotaque dele.

ㅡ Mesmo assim! Mãe, isso é incrível! ㅡ O olhar de admiração dele me enche a alma de alegria, até a sua pergunta seguinte. ㅡ Meu pai já sabe? 

Eu murcho imediatamente e mordo os lábios.

ㅡ Sabe…

ㅡ Ah… Acho que ele não gostou, não é?

ㅡ Ele acredita que é muito trabalho para se fazer de graça. 

ㅡ Que nada! A senhora vai tirar de letra. É a mãe mais esperta desse mundo!

Queria que o seu pai visse por esse lado.

ㅡ Bom, veremos como será daqui para frente. Shopping?

ㅡ Vamos!

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Resolvemos almoçar primeiro antes de cair nas compras, meu garoto estava faminto. Ele morde seu hambúrguer com tudo dentro e me encara com um sorriso. Não gosto que ele coma porcarias, porém, de vez em quando, deixo-o comer o que quer sem exageros.

ㅡ Mãe, a senhora e o meu pai vão se separar?

Engasgo com minha soda e pego um guardanapo para me limpar.

ㅡ Que pergunta é essa, Matheus?

ㅡ A senhora estava chorando mais cedo. Eu não sou idiota. Vocês têm discutido muito. Júnior me disse que foi assim quando os pais dele se separaram.

Eu suspiro muito sem graça. Não estou preparada para uma conversa assim com meu filho.

ㅡ Você não tem que se preocupar com os problemas dos adultos. Foque nos seus estudos, nos seus amigos.

ㅡ Eu sei. Só que eu não quero ver a senhora triste e tem estado assim há algum tempo. Por isso eu não insisti naquela discussão com ele. Porque não queria que ficasse chateada.

ㅡ Obrigada, meu bem. Foi uma atitude muito madura, viu? Às vezes, é melhor recuar em certas batalhas para vencer a guerra.

ㅡ Vocês dois estão em guerra? É por minha causa?

ㅡ Não! Claro que não! Você é uma benção!

Ele limpa a boca com o guardanapo e me encara de forma tão séria e determinada que me desestabiliza.

ㅡ Júnior me disse que os pais dele viviam brigando, entretanto não se separavam por causa dele. Não quero que a senhora faça a mesma coisa que a tia Maria. Ela era infeliz para dar a ilusão de um lar para ele. Eu prefiro um lar real, mesmo que estejam separados, desde que estejam felizes.

Quando foi que esse menino amadureceu desse jeito? Ele sempre foi muito precoce em tudo, mas isso?

Tomo um longo gole da minha soda para desfazer o desconforto na garganta antes de falar. 

ㅡ Eu e seu pai vamos nos resolver. Como eu disse, você não tem que se preocupar com isso.

Ele abaixa o olhar para as batatas fritas sobre sua bandeja. Pega uma, lambuza no molho de ketchup em um potinho e a come.

ㅡ Quando eu crescer, vou trabalhar muito e ser tão rico que vou poder cuidar da senhora. Não vai depender de ninguém e não vai mais precisar chorar pelos cantos.

Meu queixo deve ter ido parar no centro da Terra. Matheus continua comendo suas batatas, enquanto eu permaneço boquiaberta como uma tonta, completamente sem palavras. Sacudo minha cabeça e acomodo minhas costas no encosto da cadeira. Decido mudar de assunto, não que seja mais confortável. Afinal, decidi ir a uma festa sem consultar meu marido.

ㅡ Você gostaria de ir a uma festa amanhã?

ㅡ Festa? Não era praia? ㅡ Então, ele parece entender. ㅡ Ah, poxa, que saco! Ele vai furar de novo, não vai?

ㅡ Olhe a língua, mocinho. Foi uma surpresa para ele também. O cliente que tinha cancelado resolveu manter a terapia de última hora. Não foi culpa do seu pai.

ㅡ Ele poderia ter dito não. 

ㅡ Não é tão simples assim, meu bem…

ㅡ Nunca é… ㅡ Ele cruza um braço sobre a barriga e pega seu refrigerante com a mão livre. ㅡ A festa é para me consolar?

ㅡ Não. Eu tinha me esquecido dela. É um reencontro com o pessoal que estudou comigo na faculdade. A Lili e a Jô que me lembraram.

Ele abre um enorme sorriso.

ㅡ A dinda vai na festa?

ㅡ Claro! Estudamos na mesma turma. Ela e a Lili. 

Sua mão sai da barriga e ele batuca no queixo com o indicador de forma muito pensativa.

ㅡ Quero uma camisa e uma calça sociais novas para usar na festa. 

ㅡ Não precisa disso, você pode ir de bermuda e aquela camisa pólo azul linda.

ㅡ De jeito nenhum! Vou ser seu acompanhante. Tenho que estar a sua altura. A senhora também tem que usar um vestido muito bonito!

Eu acabo rindo alto.

ㅡ Tudo bem. Vamos, então, meu pequeno grande homem!

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Retornamos para casa quase no final da tarde. Cadu nos espera no portão da frente, com os braços cruzados e cara de poucos amigos. Ele nos segue com o olhar, enquanto estaciono o carro na garagem.

ㅡ Onde estiveram a tarde toda?

ㅡ Eu disse que íamos fazer compras. ㅡ Digo, abrindo o porta-malas. ㅡ Matheus, pode levar as sacolas?

ㅡ Claro!

Ele pega os embrulhos e segue para o interior da casa. Assim que ele some de vista, meu marido me encara aborrecido.

ㅡ Por que não atendeu o celular? Fiquei preocupado com vocês.

ㅡ Sinto muito. A bateria descarregou. Poderia ter ligado para o número do Matheus.

ㅡ Isso foi irresponsabilidade da sua parte. Depender do celular de uma criança? E se acontecesse alguma emergência?

Estava demorando...

ㅡ Então, eu usaria o celular da criança!

Fecho o porta-malas rudemente e sigo para dentro de casa. Ele me segura pelo braço e eu o encaro.

ㅡ Não me dê as costas, Carolina. 

ㅡ Algum problema?

Nós dois nos viramos para Matheus, que nos observa atentamente. Forço um sorriso.

ㅡ Está tudo bem. Vamos mostrar o que compramos?

Cadu sussurra um "Depois conversamos" no meu ouvido, o que me causa um calafrio. Lembrei-me de comprar um presente para ele, um cinto preto no estilo que ele gosta. Seu semblante carrancudo ameniza, o que não dura muito quando vê o vestido que comprei. Um marrom básico justo até os joelhos e de alças, porém ele não entende a motivação. 

Decidi sozinha ir à uma festa e não o comuniquei. Vai ser uma tempestade...

ㅡ É um lindo vestido. Vai usá-lo em alguma ocasião especial?

ㅡ Já que o senhor não pode nos levar para a praia amanhã, vamos a uma festa dos colegas de faculdade da minha mãe. Não é legal?

Obrigada, filho, por ter se adiantado… De qualquer forma, acho que eu gaguejaria e as palavras se perderiam.

ㅡ Jura? ㅡ Seu olhar irônico na minha direção denuncia que não gostou de não ter sido consultado. ㅡ Não sabia dessa festa…

ㅡ Eu nem ia, amor. Como não vai ter praia, não queria deixar o Matheus um sábado inteiro dentro de casa.

ㅡ Está certo. Eu já arrumei a mochila, quero subir a serra cedo. Vou tomar um banho.

Ele não diz mais nada e vai para o andar de cima. Cadu tem uma sequência de clientes em Petrópolis aos sábados, pois são empresários e não possuem tempo disponível durante a semana. Então, ele vai na sexta no começo da noite e volta no domingo pela manhã. 

ㅡ Mãe, acho que ele não ficou muito contente…

Esse menino parece que tem um radar...

ㅡ Não tem problema. Tudo há de se resolver. Bom, vamos guardar essas coisas?

ㅡ Eu carrego!

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A festa foi maravilhosa, apesar de um incidente entre Lili e um cara. Porém, ela é casca grossa e tirou de letra. Matheus se divertiu bastante, foi melhor do que ficar em casa. Bati várias selfies com minhas amigas e pessoas que não via há décadas, literalmente. Eu sabia que quando Cadu voltasse haveria uma discussão por conta desse evento. No entanto, eu estava feliz, como há um bom tempo não me sentia. 

Em um determinado momento, Jô me pediu desculpas pela mensagem dura que me enviou. Abro meu celular na última mensagem dela e a releio com um aperto no coração. Não quero acreditar que covardia seja a base pela qual ainda tento manter meu casamento. Mas, algo me incomoda terrivelmente. Eu tenho medo sim, de que haja um fundo de verdade em suas palavras.

Jogo o aparelho sobre a cama e vou pegar outro analgésico. A dor no ombro é intensa. Meu filho me faz uma massagem com uma pomada anti-inflamatória para ajudar a aliviar. É um menino de ouro.

Cadu retorna às onze horas do domingo, toma um banho, almoça conosco e mergulha no laptop. Nem um comentário mordaz sobre a festa. Não até estarmos sozinhos em nosso quarto à noite.

ㅡ Divertiu-se na festa? Vi as fotos que postou no seu perfil.

ㅡ Sim, foi legal.

ㅡ Só legal? Tinha muita gente interessante? 

Lá vamos nós…

ㅡ O pessoal de sempre. Acredita que o Marcos casou-se com a Eva? Os dois viviam brigando que nem cão e gato.

Ele se ergue e se senta na cama para me encarar.

ㅡ Carolina, não tente desviar minha atenção. Você ofende minha inteligência desse jeito. Com quem você foi se encontrar?

Eu respiro fundo e me acomodo sob os lençóis, com as mãos cruzadas sobre a barriga.

ㅡ Ninguém em particular. Estava com saudades do pessoal. De participar de um evento. Eu nunca saio. 

ㅡ E foi apenas isso?

ㅡ Como assim, Cadu? Eu estava com nosso filho! 

ㅡ Se estivesse sozinha teria feito algo além de participar do evento?

Eu grunho irritada e o encaro.

ㅡ Não sei o que quer que eu diga. Não fui a um encontro com um amante. Só queria…

ㅡ Você tem um amante?

Eu bufo, jogando para fora todo ar dos meus pulmões.

ㅡ Não dá para conversar com você. 

Ele segura meu ombro e o aperta levemente. Por azar é o ombro dolorido. Eu gemo de dor, mas ele mantém seu ar severo.

ㅡ Eu não sou idiota, Carolina. Se tem uma coisa que eu não tolero é traição. Nunca te traí, mesmo você se negando a fazer amor comigo por dias, até semanas. Só quero a mesma consideração da sua parte.

ㅡ Pela última vez, Cadu. Não estou traindo você. Quer parar com essa paranoia, por favor? Meu ombro todo dói, estou até com falta de ar. Pode me soltar?

Seu semblante suaviza e ele retira a mão de mim como se a tivesse queimado.

ㅡ Sinto muito, não queria machucar você. Posso fazer uma massagem para aliviar?

ㅡ Matheus já fez isso ontem. 

ㅡ Mesmo assim, ele não é profissional. Juro que não vou tentar nada.

Ele beija os indicadores cruzados sobre a boca e eu sorrio.

Esse é o homem com quem me casei…

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O tempo passou voando. Meu marido ganhou cinco novos clientes e Matheus iniciou uma atividade nova na escola. Ele está fazendo aulas de violão e canto. Parece até uma sina. Ele tem o Jhonny como ídolo e inspiração. Eu também. Coloquei mais quinze músicas da banda no site. Preferi guardar para mim que resolvi não parar com as traduções. Só meu filho e minhas amigas sabem. Cadu certamente criaria caso e esse estresse estou querendo evitar. 

Ele tem cumprido o que me prometeu, tirando o episódio da festa, de se controlar para não fazer mais comentários maldosos. Talvez, a minha mudança o tenha alertado. Não saio mais desleixada. Faço minhas unhas, passo uma maquiagem simples, mesmo que seja só para levar meu filho na escola. Minhas roupas são caretas, nunca gostei de decotes ousados ou roupas muito curtas, porém tenho me arrumado melhor. E ele percebeu isso. 

As dores têm se tornado mais intensas, há noites em que acordo sem conseguir respirar direito. Meu peito parece arder. Marquei uma consulta com a minha médica na semana depois do Carnaval para uma avaliação.

Com certeza vou ter que entrar na medicação que tanto queria evitar.

Fiz amor com meu marido algumas vezes, mesmo assim, com muitas dores. No entanto, não lhe disse nada. Não quero que se sinta culpado. Eu também não sou de ferro, sexo faz falta.

Nesse meio tempo, troquei mais uma meia dúzia de mensagens com Jhonny. Todas sobre as músicas. Evito ficar falando sobre a aparência dele, isso é algo que ele deve ouvir e ler aos montes. Eu não quero que ele ache que sou mais uma fã tarada. Quero que ele saiba que admiro seu trabalho acima de tudo. Contudo, em algum momento, ele parou de me responder. Eu enviava as mensagens, porém só recebia o silêncio em resposta.

Lili: Nada, amiga?

Nina: Nada… Não entendo. 

Lili: Os homens são todos iguais. 

Nina: Eu não sei, Lili. Será que aconteceu algo com ele? Sinto que não é de propósito. Talvez, nem seja ele quem esteja cuidando das redes sociais agora por causa do volume de trabalho. Vi no site da banda que eles estão fazendo cerca de três cidades por final de semana. É muito sacrificante. 

Lili: Mesmo assim, mulher! Você está fazendo um trabalho para ele. De graça! O mínimo que ele poderia fazer é avisar a quem quer que esteja nas redes sociais para te dar atenção. Isso para mim se chama safadeza. A fama subiu à cabeça dele. 

Eu custo a acreditar nisso. Não é o que ele transparece. Sempre pareceu muito atencioso com os fãs, mesmo aquelas sem noção do ridículo. Prefiro crer que seja o desleixo de um funcionário. Seria decepcionante se fosse de outra forma.

Lili: Olha, eu não ia falar nada, mas como estou vendo a sua angústia, vou contar. Fiquei puta com o fato dele te ignorar assim e mandei uma mensagem pedindo para ele te responder. Usei o tradutor online, pois o meu inglês é inexistente. Acho que deu para entender. Ele ignorou do mesmo jeito. Nem pedi para que ele me respondesse, só pedi um pouco de respeito com o seu trabalho de tradução. Então, amiga, se ele não respondeu é porque não se importa. Está apenas se aproveitando da sua boa vontade. No seu lugar, eu não traduziria mais merda nenhuma!

ㅡ Senhora Carolina Ferreira?

ㅡ Sou eu.

ㅡ A médica irá vê-la agora.

ㅡ Obrigada.

Nina: Lili, tenho que ir. Depois eu penso nisso. 

Lili: Você é quem sabe.

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Ao chegar em casa, eu me deixo cair no sofá, exausta. Jogo minha bolsa sobre a mesa de centro e acomodo meu rosto entre as mãos. Lágrimas brotam dos meus olhos sem que eu tenha controle sobre elas. 

Agradeço aos Céus por Matheus estar na aula de violão. Isso me dará tempo para me recompor. 

Ouço o trinco da porta e levanto meu olhar. Cadu entra sorridente. Uma expressão que cai por terra ao me ver em um estado deplorável. Estou devastada.

ㅡ Amor, o que aconteceu?

Ele se apoia em um joelho diante de mim e eu o abraço aos soluços. 

ㅡ Não é a tendinite, Cadu!

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