Capítulo 01 - A filha do boticário

Como você já sabe, todas aquelas histórias fantásticas sobre os reinos, princesas e fadas são reais. Então não ache estranho qualquer manifestação de magia que apareça por aqui. Mas não é porque essas maravilhas existem que alguma vez vai acontecer com você. Não existem príncipes suficientes nesse mundo para todas as plebeias injustiçadas.

Nosso reino se chama Artémise, uma homenagem a deusa da lua, caça, partos e animais selvagens. Nunca ouviu falar nele? Nenhuma história extraordinária jamais aconteceu por aqui, na verdade somos apenas um reino muito pequeno cercado por outros também pequenos e uma floresta que dizem ser mal-assombrada. Claro que temos um castelo e uma monarquia, apesar de achar a democracia ligeiramente mais eficiente. Nosso príncipe casou-se com uma plebeia do vilarejo, como esperado. Mas isso já faz uns 10 anos e não temos outro jovem solteiro na linha de sucessão real, o que significa que não estou iludida.

Antes de falar de mim, vou falar um pouco do nosso vilarejo. Ao norte temos a floresta mal assombrada, deve ter um nome geográfico mas nos acostumamos a chamá-la assim. As árvores são retorcidas e a areia mais parecem cinzas de tão imunda. Em algumas épocas do mês ouvimos ruídos e sons estranhos lá, e os mais velhos adoram inventar lendas.

As casinhas são agradáveis, pequenas e coloridas. Todas possuem um pequeno jardim repleto de flores e plantas frutíferas. As ruas de terra sempre são bastante movimentadas com cabriolés e pequenas carruagens, e o verde está por toda parte e em todo lugar. Talvez o excesso de cores diferentes das casas causem um pouco de poluição visual.

Nossa economia é baseada principalmente na exportação de cerejas. Cerejeiras, cerejeiras por toda parte. Comíamos bolo de cereja ao acordar, suco de cereja no almoço com alguma outra coisa que caçamos, torta de cereja, muita torta de cereja e qualquer coisa no qual cerejas pudessem se transformar. Eu adoro cereja, quem não gosta deve passar muita fome.

Ao sul temos o castelo, que não é muito grandioso, mas suas duas torres são bastantes chamativas em um belo tom de azul-royal. A família real não aparece muito por aqui, a não ser para fazer algum discurso motivador ou quando a princesa vem visitar seus amigos plebeus e trazer mais cestas de cereja como se não tivéssemos suficientes. Mas ela é um amor, já ganhei uma cereja dela.

Ao leste fica o reino de Sowen e a Oeste Aberdeen. Não sei muito sobre esses lugares, mas meu pai já foi a Aberdeen muitas vezes para o comércio de frutas e também para caçar.

Quanto a magia, ela é permitida. Mas existe um regulamento, ou seja, a plebe maioritariamente não possuía permissão. Nossa melhor chance é chamar a atenção de uma fada, mas são tão raras que eu mesma nunca vi uma.

Agora me apresentando, meu nome é Berth. Não me confunda com a protagonista (ou antagonista), mas antes de conhecermos elas, vou falar um pouquinho de mim.

Sou a 8° filha de uma família de 14 pessoas. Desde que meu primeiro irmão foi expulso de casa, meus pais propuseram um acordo com os outros. Todos os próximos que completassem 18 anos iriam sair por livre e espontânea vontade para maneirar nosso perpétuo infortúnio, gastos e desordem.

Infelizmente o nascimento do último bebê mudou isso, agora todos que conseguem um emprego precisam sair imediatamente e enviar uma parcela do salário todos os meses por no mínimo um ano para pagar o que consumiu e pela criação de mamãe.

Minha mãe possui muitos contatos, e por eu ainda estar um pouco longe da idade de casar ela conversou com um velho amigo e inventou diversos talentos falsos sobre mim, tudo para me arranjar um emprego na loja do boticário.

Ela arranjou, e também conseguiu que meu irmão mais velho me aceitasse em sua casa. Mas mamãe não é malvada, não quer se livrar de mim. Ela apenas está cansada de tantos filhos.

— Você é muito inteligente, Berth. Não possui os dotes de beleza das suas irmãs mas é muito inteligente.

Nossa! Eu sempre serei apaixonada por esse elogio. Sou brilhante para algumas coisas, mas quando comecei a trabalhar com aquelas químicas apavorantes me provei uma completa desastrada e me livrei de demissões várias vezes.

Mamãe era alta e possuía longos cabelos marrons ondulados, um nariz fino combinados com olhos verdes e sobrancelhas muito bem feitas. Seus vestidos eram esfarrapados, mas não apagavam sua formosura. Diferente de mim, que sou baixa para minha idade, acima do peso e possuo algumas espinhas aqui e ali. Aliás, tenho 15 anos, e frequentemente acham que tenho 12 por causa da altura. Tenho poucos vestidos, que por serem antigos sempre ficam muito apertados. Meus cabelos são do mesmo tom do de mamãe, mas gosto de deixa-los presos em duas tranças, e meus olhos são castanhos claros como os de meu pai.

Foi mais ou menos assim que fui para o primeiro dia de trabalho, o vestido era de um vermelho desbotado com mangas brancas bufantes, e no peito carregava um lindo broche de girassol. Quase tropecei nos tamancos várias vezes enquanto andava. Acontece que o vestido estava muito apertado e isso incomodava.

O caminho da casa do meu irmão até a loja do boticário era um pouco longo, mas sempre gostei de andar a aproveitar a paisagem. O céu estava límpido e o sol brilhava forte no céu, a temperatura agradava. Os jardins das casas estavam cheios de pessoas conversando, brincando ou colhendo suas adoráveis cerejas e o doce cheiro das flores quase me faziam flutuar.

Após alguns agradáveis minutos de caminhada cheguei a loja, era uma estrutura um pouco feia comparada com as casas e os jardins ao redor. A cor era de um verde-musgo e o letreiro era novinho e dourado: Pharmácia. Sim, com ph.

As vitrines exibiam várias poções de cores diversas, garrafas de vidro escuro com rótulos e caixinhas de madeira. Tentei ler alguns nomes de remédios e acenei para os passantes, tentando controlar a ansiedade, mas vendo que não iria conseguir muito, empurrei a porta e entrei. As sinetas tocaram e um senhor atrás do balcão sorriu de um jeito simpático.

Por dentro, as paredes descascadas eram de um tom de amarelo queimado, decoradas com alguns quadros de belas paisagens. Existiam três estantes; uma com vários tipos de plantas, uma com garrafas escuras e rótulos e outra com pequenos vidrinhos com alguns pós. O balcão era de madeira de cerejeira, estava velho e possuía alguns desenhos infantis na parte de baixo. Por trás dele vários nichos se dispunham na parede com outros tipos de folhas, vidros e bugigangas. No canto, uma pequena abertura levava a um local onde todos os remédios eram produzidos.

— Eu sou a Berth.

— Sim, você pode me chamar de Ernie. Seja bem vinda a nossa loja. Sua mãe falou que possui experiência com misturas.

— Com certeza. — Forjei meu melhor sorriso para que ele acreditasse, com medo de que alguma mistura minha acabasse matando alguém.

O senhor Ernie enrolou com os dedos os longos bigodes brancos. Era um homem magro e careca, parecia ser muito legal. Saiu detrás do balcão e foi até mim, minhas gengivas já doíam de tanto sorrir.

— Eu preciso resolver muitos negócios para ficar aqui o dia todo, tenho consultado alguns pacientes — falou com orgulho —, Por enquanto não mexa com nada, minha filha está lá dentro. — Apontou para a porta atrás do balcão. - Ela vai te mostrar tudo.

— O senhor vai me ensinar, não vai?

— Claro, quando tiver tempo. — O senhor Ernie deu tapinhas na minha cabeça e parei de sorrir. - Confio em você.

Depois que o senhor Ernie saiu me dispus obediente atrás do balcão, torcendo para que ninguém entrasse procurando nada. Meus olhos passavam rapidamente por todos os lugares, esperando que a tal filha dele aparecesse. Comecei a tossir e a fazer o máximo de barulhos possíveis a fim de que ela percebesse que eu estava ali e fosse dizer algo, mas depois de longos minutos forçando a garganta conclui que poderia estar dormindo e resolvi entrar.

O lugar era exatamente o que eu imaginava, o local de trabalho. Possuia prateleiras de objetos estranhos que provavelmente auxiliavam com a produção de remédios, e no centro possuía uma mesa de madeira com muitas ervas, bacias e todo tipo de coisa em cima, muito desorganizado.

Em uma cadeira de balanço estava uma garota muito entretida com a leitura de um livro, tentei enxergar o título mas não consegui. Pigarreei algumas vezes e como não me deu atenção tomei coragem de falar.

— Olá, eu sou a Berth.

— Não viu que eu estou lendo? É muito mal educado atrapalhar a leitura dos outros, na verdade é inaceitável.

Essa é Perséfone, minha melhor amiga. Ela pode parecer um pouco antipática as vezes, mas logo perceberá que seu coração é bondoso por trás da camada de gelo. ela usava um longo vestido amarelo sem mangas e um cinto de couro. A pele era pálida e as bochechas com algumas sardas, seus olhos eram de um castanho muito escuro com profundas olheiras, o cabelo era castanho e volumoso, um pouco abaixo dos ombros, o nariz era levemente curvo e usava uma gargantilha com pingente de folha.

— Eu vim trabalhar aqui. O senhor Ernie falou que você pode me mostrar algumas coisas.

— Eu me chamo Perséfone — disse levantando-se e dobrando á página do livro onde tinha parado. — Venha comigo.

— Perséfone! Que Legal! Tipo a esposa de Hades.

Perséfone levou as mãos a cintura e me lançou um olhar ameaçador, se eu pudesse teria me dissolvido ali mesmo diante de tanta vergonha. Apertei as duas mãos e me desculpei com a voz baixinha e suplicante.

— Perséfone é a deusa da agricultura, da primavera, das ervas, frutos e fertilidade. Mas você reconhece ela somente pelo nome do marido, porque ser casada é o que melhor a define. Parabéns, Berth, vejo que temos muito para aprender aqui.

Foi assim que a conheci, e a primeira impressão que tive foi de que tornaria minha estádia na Farmácia muito desagradável. Mas valeu muito a pena acreditar em Perséfone, não desistir dela, mesmo quando tentava machucar as pessoas.

Pode parecer estranho, mas havia alguma coisa nela, como se fosse apenas uma garota sozinha que precisava de ajuda. Eu não gostava de julgar pelas primeiras impressões, e também não gostava de rotular pessoas. Mas terei que rotular Perséfone como firme, decidida e astuta. E claro, ela poderia ser muito boa para aqueles de quem realmente gostava.

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