Capítulo Seis

- Amor? Amor... – a voz de Heron soou ao longe. 

Meus pensamentos estavam confusos e vinham de um lugar muito distante. Asas e olhos azuis haviam ficado em meus sonhos a noite inteira e aquilo tinha me feito ficar em dor. 

Abri os olhos e Heron me olhava preocupado. Ah, caramba, será que já eram seis horas? 

Me levantei rapidamente e respirando fundo tentando organizar a desordem de meu cabelo. Heron ainda me encarava preocupado e aquilo me fez corar. O que estava errado? 

- O que foi? – perguntei. 

- Por que não me esperou ontem para comer? Cheguei e você dormia profundamente. Não quis te acordar, então apenas te cobri e fechei a porta. – ele disse. – Você dormiu bem?

- Na verdade não. Estava confuso... Tinha asas e olhos profundos azuis que me perturbavam. Não sei direito o que era. – eu na verdade sabia que eu deveria ter sonhado com Melahel, mas não quis dizer isso. Sinceramente eu queria esquecer tudo.

Heron me avaliou por um segundo. 

- Sonhou com ele, não? – ele disse. 

- Não... Por que está dizendo isso? – minha voz tremeu. 

Ele suspirou. 

- Achei que não existiriam mentiras entre nós dois... Se olhe no espelho e olhe para a cama. – ele respondeu, desviando os olhos de mim. 

Confusa, mas fazendo o que ele disse, me levantei e me fitei diante da penteadeira antiga. Seu espelho refletia meu estado decadente. Minhas roupas estavam manchadas de sangue e meu rosto além de todo marcado pela maquiagem e pelo sangue das lágrimas, estava com olheiras profundas. Me virei para a cama e ela também estava manchada e chamuscada. Indicando que durante a noite e no sono eu tinha me transformado. 

Heron me encarou esperando a verdade. 

- Sabe que não posso controlar isso. – falei tímida. 

- Não quero que controle. Só que não minta. – ele disse. – Faltam quinze minutos para a seis, se troque rápido e Rimmon te espera lá embaixo. Vou acompanhar seu treinamento de perto. Não o quero com graça demais para cima de você. – ele disse e saiu da cama. – Te espero lá embaixo. – e beijou minha testa saindo. 

Por um segundo vi seus olhos magoados antes dele sair. Eu não queria pensar agora em Melahel então corri para o banho e depois me trocando com Legging, tênis e camiseta.

Quando desci, percebi que os corredores já estavam cheios de Demônios. A maioria em si todos homens altos e fortes. Com portes de realmente soldados de guerra. As poucas mulheres que tinham eram fortes e de porte musculoso. Eu perto delas parecia uma formiguinha, não só pela baixa estatura, mas também pelo corpo magro e mignon.   

Caminhei para a sala de refeições exatamente no horário certo, todos me olhavam quando eu passava, acho que induzidos pela curiosidade. O que afinal uma garota dessas fazia aqui? Esses eram os pensamentos que seus olhos diziam. 

Encontrei Heron e Rimmon sentados em uma mesa afastados de todos. Me sentei com eles e uma bandeja de café da manhã me esperava. E exatamente não era uma bandeja de café da manhã comum. Eu esperaria pães, bolachas e sucos. Havia sangue em uma grande jarra, um copo de leite, e apenas um pedaço de bolo. 

Olhei para Heron curiosa. 

- Sei que deve estar estranhando seu café da manhã, mas é basicamente isso que irá comer todos os dias. Isso é o que nossos soldados comem. Sangue é o que te dará mais força. Não há alimento humano que supere o sangue. Leite para fortificar os ossos e apenas um pedaço de bolo para seu estômago. Sei que você não é completamente Demônio, então precisa de pelo menos algum alimento. – Rimmon respondeu. 

- Tudo bem então. – falei, tomando primeiro leite, e em seguida comendo bolo. 

Por último deixei o sangue, e adorei quando senti minha garganta se expandir com seu sabor delicioso metálico. Parecia que até meus músculos ficaram mais fortes e meu humor ficou melhor. 

Rimmon me olhou comer e quando terminei, se levantou. 

- Poderia me acompanhar? – ele pediu. Assenti. 

Caminhamos para o fundo da sala de refeições e ele se direcionou para uma porta. Tirou a chave de seu bolso e a girou no trinco. 

- Sabe normalmente não costumo usar esta sala, mas como os outros estão ocupando as salas principais, é melhor que usemos esta, e assim pelo menos ninguém irá nos atrapalhar. – ele disse e abriu a porta. 

Entrei e era uma sala ampla. É extremamente grande. 

Em uma ala havia instrumentos de musculação, como pesos, esteira, bicicleta ergométrica e outros. Em outra ala havia espadas, armas e um tatame no chão comprido e fofo. Por fim, no último havia vários bonecos que pareciam vivos. Estavam vestidos de roupas normais e com expressões sem preocupação nenhuma. 

- Primeiro vamos para o preparo físico. Preciso que faça uma sessão de alongamentos e depois vá para a esteira. Precisamos malhar esse corpinho. – Rimmon riu e ao meu lado Heron não gostou. 

                            *** 

O suor corria pelo meu corpo e minhas pernas doíam. Fazia mais de três horas que eu corria pela esteira sem descanso. Minha força não parecia ter limite, mas meu cansaço físico era grande. A velocidade da esteira era máxima e eu me concentrava passo após passo para não cair e tomar um tombo feio. 

- Sei que deve estar sendo difícil para você, mas quanto mais forçar seu limite mais longe você irá. Você é forte. Mais do que qualquer um aqui dentro. Inclusive a mim. Se solte e verá que pode fazer coisas incríveis. – Rimmon gritou para mim. 

Segui suas palavras e deixei meu corpo se libertar. Senti meu corpo ficar mais leve e correndo mais rápido, mais e mais. E logo a pouco a esteira era quem precisava me acompanhar e não a mim a ela. Meus pés pareciam voar. Um grande espelho cobria a parede à minha frente parecendo um estúdio de balé, vi meu reflexo se tornar quase um rabisco com minha velocidade alta. 

Sorrindo sabia que poderia aumentar ainda mais. E foi isso que fiz, aumentei e meu reflexo sumiu do espelho e aparecia em curtos intervalos de segundos. 

- Handora, pare! Vai quebrar a esteira desse jeito! – Rimmon gritou e ouvi o riso de Heron. 

Gradativamente fui parando e reduzindo a velocidade da esteira junto. Dali a pouco eu estava apenas caminhando novamente. Desliguei a esteira e sai parando ao lado de Heron. 

- Ótimo. Agora que provamos que você é uma ótima corredora. Vamos testar a sua força. – ele apontou para os enormes pesos. 

E durante todo o dia foi assim. Sessões de uma hora cada peso, em seguida bicicleta e outros instrumentos de academia.

E a cada vez que ele me dava algo novo para eu treinar, meu corpo forçava a fazer o máximo, e assim eu superava tudo que ele me dava rapidamente. Não havia nada que eu não fosse ao que diria “boa’’ para ele. 

Rimmon pela primeira vez ficou sério com meu treinamento. E eu sabia que ele nunca havia pegado um Demônio igual a mim para treinar. Isso era bom, pois eu mostrava não só a ele, mas a todos que quisessem ver, que eu poderia ser melhor que qualquer um, mesmo sendo só metade de um Demônio. 

No final do dia eu estava esgotada. Estava na bicicleta, apenas para fortalecer os músculos da perna e não deixar cair meu treinamento. 

- Você é realmente muito surpreendente. Nunca vi alguém tão poderoso em apenas um dia de treinamento. – Rimmon disse. – Tenho que dizer que vou ter que pegar mais pesado com você. E acelerar seu treinamento já que está tão avançado. Ficaremos apenas mais dois dias com o treinamento do corpo e depois treinamos sua mente. Vamos forçar seus poderes a saírem. – ele riu e arrumava os pesos. 

Minhas pernas forçavam mais e mais para continuar. Mas, algo não estava certo. A tontura começou a tomar conta do meu corpo, e já não conseguia mais sentir minhas pernas. Meu corpo tombou em direção ao chão, e então ouvi a voz de Heron ao longe e suas mãos pegando meu corpo antes de cair. 

A escuridão tomou conta de minha mente e eu não conseguia sair do mar negro e confuso que meus pensamentos me levavam. As asas brancas e lindas, maiores que eu já tinha visto, surgiram à minha frente. Na escuridão os olhos azuis brilhavam e reluziam em silêncio. 

Olhos que traziam arrepios para meu corpo e faziam meu coração bater mais forte. De repente eles sumiram e as vozes começaram a soar novamente. 

Uma mão chacoalhou meu corpo.  

- Handora! – Rimmon gritou. 

Abri meus olhos abruptamente e a cara de Heron estava a centímetros da minha. Minha cabeça estava repousada em seu corpo e eu estava estendida no tatame que mais parecia uma cama de tão fofinha. 

Recobrei minha cabeça e as palavras se formaram finalmente em minha boca. 

- O que aconteceu? – perguntei. 

- Você desmaiou. – Rimmon disse. – Acho que você forçou demais sua força física. Vou pedir que se alimente bem no jantar e vá dormir cedo. Amanhã poderá vir mais tarde. Te espero nove horas. 

Levantei com a ajuda de Heron. Rimmon caminhou para a porta. 

- Se houver qualquer outro desmaio ou não se sentir bem, mande me chamar. – ele acenou e saiu. 

Ele era sempre tão breve assim? 

Minha mente ainda estava confusa e meu corpo parecia pesado. Eu queria mais do nunca dormir e comer algo que matasse completamente a minha fome. 

- Você está bem? – Heron perguntou. 

- Mais ou menos. Acho que só preciso descansar. 

- Vamos. Já são seis e meia. Precisa jantar. 

Heron me levou para a porta e caminhamos para meu quarto. Seus braços apertavam meu corpo e levavam a maior parte de meu peso. Chegamos ao meu quarto e ele me levou para o banheiro. 

- Tome um banho e te espero no quarto. – ele disse abrindo a água do chuveiro e colocando uma toalha branca pendurada perto do Box. Saiu e então fechou a porta. 

Me despi rapidamente e então deixei a água da ducha acalmar meus músculos. Eles estavam doloridos e eu queria mais do que nunca relaxar. O treinamento era realmente pesado, mas pelo menos mantinha minha cabeça distraída de tudo e de todos. Ensaboei-me tirando toda a sujeira e o suor que estavam impregnados em minha pele. 

Alguns minutos mais tarde, saí do chuveiro e me enrolei na toalha. Agora me sentindo mais leve, andei até o quarto e Heron estava arrumando uma bandeja do que parecia ser meu jantar. 

- Oi. – falei. 

- Olá. – seu sorriso foi estonteante. 

Não aguentei e caminhei para seus braços, ele me apertou em seu peito e então me beijou de uma forma cálida. Apesar de não estar apaixonada, aquele me fez sentir em casa mais uma vez depois de uma tempestade. 

Heron me imprensou na parede e suas mãos deslizaram para minha toalha, e ele a tirou, jogando-a no chão. O beijo se tornou mais lento e mais gostoso ao mesmo tempo. Suas mãos continuaram ao meu redor, apertando e arranhando. As minhas foram para seu cabelo e ele suspirou quando beijou meu pescoço. 

Meu estômago sentiu borboletas e então se apertou. Mas o aperto foi tão forte que senti a comida subindo pela minha garganta. Me soltei de Heron rapidamente e caí de joelhos vomitando sangue e a comida do almoço. 

Meu corpo tremeu e minha garganta ardia. 

- Meu Deus. Você está doente, não está? – Heron perguntou recolhendo a toalha ao meu redor e então me envolvendo nela e em seu colo. Depois me colocou na cama delicadamente.

- Vou ficar bem. – sussurrei e minha garganta raspou. 

- Tome isto. – ele me deu um copo de água. 

Tomei rapidamente e senti meu estômago se acalmar. Eu não sei o que tinha acontecido para me sentir tão mal assim. E minha mente me alertou de que não era a primeira vez que eu me sentia desse jeito. Há pelo menos quatro dias esse mal estar vivia me percorrendo. 

Era a fome, o sono excessivo e então os acessos de vômito e agora o desmaio. Isso parecia cada vez mais forte e mais devastador para mim. Meu corpo se sentia fraco e eu precisava comer. 

- Me dê a bandeja de comida. – pedi a Heron.

Ele me deixou em silêncio e ficou pensativo enquanto eu comia. 

- Desde quando você está se sentindo assim? – ele me perguntou. 

Olhei em seus olhos reluzentes negros. Ele saberia se eu mentisse. E eu queria mentir. Dizer que estava tudo bem, mas não estava. Optei pela verdade. 

- Há quatro dias. E a cada dia que passa, parece piorar. Nunca me senti assim a vida inteira. Nunca fui de ficar doente, e agora aparece isso. Tenho que dizer que estou preocupada... – falei e enrolei o garfo no macarrão. 

Heron pôs as mãos em seu cabelo parecendo transtornado. Sua preocupação era maior que a minha e era por que ele me amava, mas não poderia ser tão ruim assim. Eu deveria só ter pegado um vírus ou algo desse tipo. 

- Calma... Não é tão ruim quanto parece. – murmurei. 

Ele levantou os olhos nos meus.

- Você está grávida.     


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