Capítulo 5

Sinto meu braço dormente. Já faz um tempo que Valentina não soluça, acho que ela acabou dormindo em meus braços. Me mexo devagar, com cuidado pra não acordá-la. Sua respiração está normalizada, sem dúvidas ela está em um sono profundo. Com cuidado, me levanto e pego ela no colo. Valentina resmunga algo incompreensível, mas logo depois abraça o meu pescoço.

Caminho até o seu quarto, e a coloco na cama. Ela abre os olhos assustada e me encara perplexa.

— Calma, tá tudo bem... — Puxo ela pros meus braços, que novamente não resiste. — Você quer que eu faça um curativo no seu braço? — Pergunto depois de um tempo em silêncio. Eu sei que ela não voltou a dormir.

Valentina assente e eu a encaro. Ela desvia o olhar, seu rosto está vermelho.

— Eu vou pegar a caixa de primeiros socorros. — Digo e saio em busca da caixa. Encontro-a no armário da cozinha e volto pro quarto.

Valentina encara seu braço, que já não sangra mais. Me aproximo e sento ao seu lado. Ela estende o braço e eu começo a limpar os ferimentos.

— Eu não costumo fazer isso. — Ela sussurra. — Não costumo... me machucar pra descontar a raiva. Eu só... precisava desabafar um pouco. Essa deve ser a segunda vez que faço, não sei ao certo.

— Não precisa explicar. — Olho no fundo dos seus olhos azuis. — O que você fez não foi certo, mas quem sou eu pra te julgar? Todos nós cometemos erros. E de agora em diante, quando você estiver precisando desabafar... me procura. Não importa a hora, eu vou sempre estar disponível pra te ouvir e tentar te ajudar.

Ela sorri contrariada.

— Nossa, cadê o Helinor que vive pra me irritar? Você com certeza não é ele.

Rio um pouco.

— Não prometo te dar o melhor conselho, eu não sei nem o que tô fazendo da minha vida, mas... eu sempre estarei aqui pra te ouvir.

— Você não precisa ser legal comigo só porque está sentindo pena de mim. — Ela fala de uma forma dura, deixando o clima leve ir pelos ares.

Me sinto magoado, eu não estou com pena dela. Eu só quero mostrar que ela pode confiar em mim.

— Eu não estou com pena de você. — Digo assim que termino de fazer o curativo no braço dela. — Eu gosto de você, Valentina, apesar das nossas brigas... eu gosto muito de você. E jamais deixaria você passar por isso sozinha sabendo que posso fazer algo.

— Gosta? Gosta como? — Ela me encara diretamente.

Meu coração acelera com essa pergunta. Não consigo responder, nem eu sei direito o que sinto por ela. Só sei que é forte.

— E-eu... eu gosto...

— Esquece. — Ela revira os olhos. — Não vai perguntar nada?

Olho pra ela confuso.

— Sei lá, você... não quer saber por que eu fiz o que fiz?

— Só se você quiser...

— O meu namorado morreu há seis meses. — Ela fala de uma vez, me deixando completamente sem chão.

Tento falar alguma coisa, mas novamente estou sem voz. Por essa eu não esperava.

— Eu... eu sinto muito. — Falo depois de um tempo.

Ela assente e sorri fraco.

— Foi em um acidente de carro, ele estava dirigindo bêbado. Nós tínhamos acabado de brigar. — Ela limpa uma lágrima silenciosa. — Foi um choque pra mim e... eu me culpo pela morte dele.

Dessa vez sua voz falha, e as lágrimas vêm com mais força. Quero abraçá-la, mas tenho medo que ela me afaste.

— Será que você pode ir embora? Não quero que me veja chorando.

Nego com a cabeça.

— Não vou à lugar nenhum, ruivinha.

Não conseguindo mais me conter, volto a abraçá-la, mas dessa vez ela resiste.

— Eu não quero que você sinta pena de mim! — Ela cobre o rosto com as mãos.

Suspiro, e toco suas mãos.

— Eu já disse que não sinto pena de você. Ao contrário. Acho que nunca te vi tão forte. Você é tão forte.

Ela tira as mãos do rosto e me encara em silêncio. Tenho vontade de nunca mais parar de admirá-la.

— Você jura que não está falando isso só pra eu me sentir melhor?

— Eu juro pela minha beleza. — Sorrio  nervoso.

Ela ri, e sua expressão melhora.

— Por favor, não fala nada pro meu pai. Ele não merece mais um problema.

— Você não é um problema, você é a maior alegria da vida do Leonardo. E não se preocupe, eu não vou falar nada.

— Nossa, você deve me achar tão problemática.

— As melhores pessoas são.

Ficamos em silêncio por um tempo. Ela ainda parece tão triste.

— O que acha de irmos lá embaixo e eu preparar um chocolate quente pra gente? Posso te contar um pouco dos meus problemas.

Ela ri.

— Você? Problemas? Acho difícil. — Ela ironiza.

— Vamos chamar de problemas com o papai.

...

— Meu pai nos deixou quando eu tinha 3 anos. Ele simplesmente decidiu que não dava conta de ter uma família e vazou.

— Isso é horrível. — Ela lamenta enquanto serve nosso chocolate quente em duas xícaras.

— É, digamos que não foi o melhor exemplo paterno que eu tive. Mas nós nos viramos, minha mãe sempre batalhou muito, temos uma vida boa.

— Ótima, eu diria.

— É. — Sorrio. — Mas nem tudo pode ser perfeito. Ele deixou um buraco. Um espaço vazio. Principalmente na minha infância. Apesar de sempre ter sido tudo o que eu precisava, minha mãe não pôde ser ele também. Eu senti falta de uma figura masculina na minha criação. De conversar sobre coisas de homem, sair pra pescar, preparar apresentações de dia dos pais... — Respiro fundo, sentindo um nó se formar em minha garganta. Eu nunca falo sobre isso. — Eu sofro com pesadelos.

— De que tipo? — Ela me encara apreensiva.

— Com ele. De memórias dolorosas, quando eu era uma criança e não sabia onde estava meu pai. Às vezes são imagens distorcidas, que servem apenas pra me assombrar. — Sorrio triste. — É bem idiota, não acha?

— O que? — Ela franze o cenho.

— Sentir falta de alguém que nunca ligou pra você.

— Não. Não é nada idiota. Só acho que você de alguma forma ainda sente falta dele. — Ela suspira. — E isso acaba te assombrando.

Bebo meu chocolate quente em silêncio, sem saber o que responder. Não sei o que deu em mim pra falar sobre isso, eu apenas senti vontade de me abrir com ela. Talvez pra mostrar que ela não é a única com problemas. Ou talvez porque ela me deixa tranquilo pra falar sobre qualquer coisa.

— Eu não sabia que você é assim. — Ela comenta um tempo depois.

— Assim como?

— Gentil.

— Claro. Você só vive gritando comigo, nunca me deu a oportunidade de mostrar quem eu sou.

— Mas eu conheço a sua reputação. É bem clichê, na verdade. Toda semana com uma garota diferente, tá sempre em todas as festas, odeia estudar...

— Mas eu sempre te ajudo com os trabalhos. — Me defendo. — Aliás, foi pra isso que eu vim hoje.

— É, não posso negar que copiar as respostas pra mim é uma grande ajuda. — Ela ri genuinamente.

— Muito engraçadinha. Eu posso muito bem resolver os cálculos sem sua ajuda.

— Eu duvido muito. — Ela me lança um olhar desafiador. Apenas suspiro.

Uma hora depois, ela está rindo descontroladamente da minha expressão emburrada.

— Não fica triste, pelo menos você tentou.

— E falhei. — Retruco. — Cansei dessa vida, vou virar stripper.

— E me deixar sem dupla? — Ela me olha irritada. — Nem pensar. A partir de agora, você vai prestar atenção quando eu estiver resolvendo os cálculos ao invés de trocar mensagens com sua peguete.

— Minha peguete? Então, você fica me espionando? Que pervertida!

Ela joga uma almofada em mim.

— Eu presto atenção. E não acho legal o jeito que você trata a Camila.

— Não devo nada a ela.

— Não é o que ela pensa.

— Podemos nos concentrar no trabalho? Estou perdendo o interesse.

— Como quiser, Helinor. — Ela pisca.

— Você sabe que meu nome não é esse.

— Pra mim, é. — Ela sorri ainda mais. Um simples sorriso que me desconcerta.

Algo está diferente agora. Por mais que eu tente lutar contra, estou baixando a guarda com ela. E definitivamente não posso deixar que isso continue.

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