Parte 4

"Se um dia uma brisa leve e suave tocar seu rosto, não tenha medo, é apenas minha saudade que te beija em silêncio."

Chegamos em casa um tempo depois do cinema. Nós ainda paramos em algumas barracas do lado de fora para comer alguma coisa porque eu estava morrendo de fome.

A sensação de vazio ainda continua  em mim. Não sei, mas... É como se eu tivesse esquecido de algo muito importante, e seja lá como eu fui parar fora do cinema, tem algo a ver com isso.

- Boa noite. - Bruno falou e nos deixou na porta de casa - Vocês são boas companhias. Tomara que possamos sair outras vezes! - Falou exclusivamente olhando em meus olhos e rindo. Fiquei sem graça fitando o chão enquanto era encarada.

- Concordo. - Olivia disse sem deixar escondido seu sorriso, que podemos dizer, um sorriso safado.

- Fiquem bem, e olhem pro céu de vez em quando.

Ele saiu de nossa vista e entrei em casa furiosa.

- Eu não queria ir Livia. - Me joguei no sofá - E que história é essa de ficar de papinho com ele? Você tem namorado!

- Santo Deus Mari, ele é um amigo...

- Acho que não. Estavam quase se pegando em minha frente aqui e no cinema. Fiquei muito incomodada com isso.

- Olha não vou discutir. E além do mais, eu e Renan estamos quase terminando. Ele com essa crise de ciúmes não me deixa mais escolha. - bufou. - Então foi por isso que saiu do cinema?

- Ciúmes com razão minha filha. E não, não foi por isso... - Revirei os olhos sem querer me lembrar do motivo e me levantei, caminhando até a cozinha - Talvez você devesse... Dar uma pausa com garotos.

- Como é? - Ela perguntou pasma.

- Nem vem com essa de como é. Você namorou três vezes seguidas em seis meses Livia! Acho que deva parar um po...

- Melhor do que não ter ninguém... - Falou baixinho. Olhei pra ela sem acreditar que tinha escutado isso.

- Eu sou sua amiga e sua prima. Estou falando para o seu bem. Agora, eu não tenho ninguém porque não quero, sei me virar muito bem sozinha. - Falei emburrada, bebendo um copo de água para ter paz em meu quarto logo depois.

- Aposto que o George nesse momento estaria falando o mesmo que eu...

Ela disse isso fazendo o meu peito inflar. Me virei para ela já com os olhos marejados.

- Como você ousa falar o nome dele? O que deu em você Olivia? Não deveria estar citando nomes de mortos assim.

Ela me olhou e deu de ombros. Tem algo errado e eu sei disso, só não entendo o que é.

- Olha eu vou subir. Perdi todas as vontades de fazer o que eu queria aqui.

Falei a deixando me observar enquanto subia para o meu quarto correndo.

Abri as gavetas anfurecida a procura da minha foto tão preciosa. Ela tem que estar aqui, onde mais eu esconderia?

Abri todas as caixas que encontrei pela frente, mas não achei. As fotos antigas de quando eu era criança estavam todas no álbum de fotografia, mas não a que eu quero realmente.

Me sentei na cama triste, sem saber mais onde procurar.

Como foi que sumiu assim?

Limpei algumas lágrimas que desciam de meus olhos ao pensar no meu irmão gêmeo e na minha família.

Eu não me lembro de nada do que aconteceu, mas foi nessa noite em que perdi todos eles. Na verdade, eu nao me lembro nem de como eles três eram no geral. Quando tento pensar nos seus rostos, uma nuvem negra aparece tapando os meus pensamentos. Lembro de apenas alguns flashes e frases muito aleatorias, que não consigo organizar.

Acordei do tranze ao ouvir um barulho no banheiro. Olhei para o lado e vi a porta aberta, com minha blusa no chão. Eu tinha deixado a porta fechada ao sair de casa.

Levantei e fui até o banheiro ver o que era, mas não reparei em nada diferente do normal. Aproveitei para lavar o meu rosto pra tentar esquecer outra vez essa história e seguir em frente.

Peguei o pano ao lado e olhei meu rosto, respirando fundo e prendendo a respiração um pouco nos pulmões. Isso sempre me dá um pouco de relaxamento. As vezes fico parada por minutos fazendo isso, pensando em como eu sou azarada. Como pode eu não ser ou fazer nada de especial, não ser boa em absolutamente nada?

- Está cansada?

Virei pra trás assustada. Um homem estava parado em minha frente.

- Quem é você? Como entrou aqui?

- A pregunta certa não é essa.

Sem blusa e apenas com uma calça preta colada, ele carregava um sorriso no rosto, junto com olhos de dar medo. Como ele entrou aqui? É um ladrão? Meu coração disparou no peito ao ver que eu estava um pouco distante da porta do quarto, enquanto ele estava parado em frente a janela totalmente aberta.

- Q-quem é você? O-o que quer comigo?

- Não precisa gaguejar princesa. - Falou cruzando os braços.

- Vai embora, o-ou vou chamar a policia. - lembrei de Olivia no cômodo inferior e me preparei para gritar, mas ele foi mais rapido.

Ele me calou com os seus dedos e encostou seu corpo no meu tão rápido quanto piscar. Tentei em meio a chutes sair de perto, mas ele é muito forte, não parece ter sentido minhas joelhadas em suas partes baixas e nem meus socos. Joguei algo de vidro que peguei ao lado que quebrou em sua pele, mas não surtiu nenhum efeito. Ao me ver assustada, ele me segurou pelo pescoço e abriu um sorriso maléfico no rosto. Encostou nossos narizes e sua testa na minha. Seus olhos penetraram os meus de uma forma intensa, tão intensa que fiquei sem saber o que fazer diante aquele olhar verde e amedrontador.

- Está na hora de ir.

Falou por fim.

Sem conseguir sequer respirar direito, minha visão estava turva. Ele respirou fundo e vi dois borrões pretos surgindo por trás de suas costas. Pisquei várias vezes e consegui ver direito. Eram duas asas negras enormes.

Meus olhos quase pulam fora do rosto e meu grito que rasgou a garganta foi abafado por sua mão em minha boca. Fui envolvida em suas asas negras que exalavam um cheiro desconfortável, me deixando tonta e sonolenta. Sem conseguir me mover, ele me pegou nos braços e caminhou até a janela.

O teto da minha casa ficando mais distante foi a última coisa que eu vi.

Noite

Estou a caminho da casa de minha protegida. Me encontrar com ela mais cedo e aparecer não foi uma das minhas melhores ideias. Eu preciso parar de agir por impulso daquele jeito, mas é tão difícil.

Tive que apagar suas memórias outra vez. É muito perigoso deixa-la sabendo que eu existo. Outros seres podem querer tirar isso a limpo e eu posso ser prejudicado, então achei melhor faze-la esquecer, mesmo contra a minha vontade.

Avistei a casa à poucos metros de mim e desci. Olhei por fora da janela para ver se estava tudo bem, ja que estava aberta, mas não a vi no quarto. Desci as escadas, e vi apenas Olivia assistindo Tv e voltei ao quarto. Isso está um pouco estranho.

Mariana não está no quarto, a cama está intacta e nada no quarto está fora de lugar. Caminhei ate o banheiro e pisei em algo pontudo. São restos de vidro da sua jarra de flores que fica em cima da cômoda. Algo está fora do lugar, eu sinto. Não é a primeira vez que a perco, mas o cheiro do ambiente me trás uma sensação perigosa.

Pela primeira vez em muitos anos eu senti aquela sensação de novo.

Fechei os olhos. Exalei o máximo o cheiro estranho que estava no ar. É um cheiro de terra queimada e parece traçar um caminho no quarto. O segui, e leva até a janela que já estava aberta quando cheguei.

Meu coração congelou por completo e meu corpo estralou.

Não é possivel... Como eu fui tão burro e inocente.

Eles a acharam?

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