Capítulo Um

LOUISE ALBUQUERQUE

Haviam se passado duas semanas desde o dia em que flagrei o meu namorado e minha melhor amiga aos beijos em pleno carnaval na avenida mais movimentada da nossa cidade. Mesmo sem querer, eu me pegava repassando todos os acontecimentos daquele dia como se estivesse tentando entender o que aconteceu para os dois agirem de maneira tão sórdida comigo.

Toda hora vinha na minha mente o quanto eu acordei cansada por ter pulado o carnaval nos dias anteriores, o quanto eu estava sem vontade alguma para sair e o quanto a Arlene insistiu para irmos ao último bloco na nossa cidade.

E eu, otária que sou, fiz sua vontade mesmo tendo um péssimo pressentimento sobre aquele dia.

Estávamos tão alegres, pulando igual duas loucas no meio do povão, suadas, com diversos fios de cabelo colados na testa e bebendo caipirinha sem nos preocupar com a realidade a nossa volta. 

Fico me perguntando em qual momento a Arlene decidiu que estava tudo bem beijar o Marcelo? Fala sério! Como eles conseguiram agir de um jeito tão filho da puta comigo? Logo comigo que fiz de tudo e mais um pouco pelos dois!

Ele é o meu namorado há dois anos e eu e ela não nos conhecemos a vida inteira, contudo, já tínhamos uma ligação muito forte.

Eu a considerava como uma irmã.

Isso que dá eu ser emocionada e acreditar em qualquer pessoa. Achar que todo mundo que fala que gosta de mim, gosta de verdade e estará comigo até o fim.

Bando de falsos e interesseiros.

Continuo recordando de todos os momentos importantes que tive ao lado dos dois traidores enquanto brinco com o meu café da manhã, porque por incrível que possa parecer, eu perdi a fome nas últimas semanas. Para quem costumava comer quatro ou cinco pães de manhã e mal consegue comer um é uma diferença e tanto.

Meu pai está muito preocupado e cabisbaixo ao me ver assim. Ouvi ele e a minha mãe conversando sobre os seus pesadelos, nos quais eu morro com anorexia, que o mesmo está tendo todas as noites.

Acho que o maior medo de qualquer pai é perder seu filho e obviamente os meus não são muito diferentes nesse quesito.

Tudo culpa do casalzinho de favelados!

Desgraçados!

Que vontade absurda de gastar meu réu primário com essas merdas ambulantes.

— Ainda pensando no chifre? – Minha mãe entrou na sala de jantar, me pegando desprevenida. — Todo mundo já foi corno algum dia, Lou. Não podemos esquecer de viver e curtir a nossa vida por causa de um cara que nem é tudo isso.

Bufo frustrada por ela não conseguir entender que não é qualquer homem, é o homem que eu ia casar ainda esse ano.

— O Marcelo é o amor da minha vida. - Minha voz soou chateada por eu não conseguir disfarçar quando algo me incomoda.

— O amor da sua vida é você mesmo. - ela me corrige, me mandando um beijinho no ar. — Não criei filha minha para ficar sofrendo por amor de macho escroto, garota.

— Desculpa te decepcionar, mãezinha. – Respondo com deboche.

— Peça desculpas a você mesma por ter se deixado envolver com um homem mais velho, que é filho de um traficante perigoso e vamos combinar que ninguém daquela família presta.

Minha mãe soou mais dura, me fazendo encolher o corpo pela vergonha de ter tentado defender alguém que me fez mal.

— Não é que eu seja preconceituosa, mas só o fato do Marcelo ter vindo da favela já é motivo o suficiente para me deixar preocupada e como se isso não bastasse, ele é bandido! - ela continua falando com um certo ar de prepotência, me fazendo revirar os olhos disfarçadamente.

— O pai dele sim, mas ele não é, mãe!

— Como diz aquele ditado: filho de peixe, peixinho é.

A observo sentar-se em minha frente e tombar a cabeça para o lado como se estivesse pensando no que dizer a seguir sem me magoar um pouco mais.

— Eu vou ficar bem, mãe! Eu prometo. – Dou um sorriso confiante.

— Claro que vai. Todas nós ficamos algum dia, mas a senhorita não deixa de ser minha filha e por esse motivo continuarei me preocupando.

Sempre fui a menina certinha, santinha e religiosa perante a todos da minha cidade, então foi um bafafá quando comecei a namorar um homem doze anos mais velho, com várias tatuagens espalhadas pelo corpo, pose de bad boy e filho de um presidiário, porque não basta ser traficante, o meu ex sogro ainda teve o azar de ir preso.

Com o passar dos meses do nosso namoro, passei a ir visitar a favela com bastante frequência e foi quando conheci a talarica em um baile funk. Ela tinha tomado um porre daqueles quando a encontrei caída em um beco e a ajudei, a levei para a casa do Marcelo e cuidei para que nada de mal acontecesse com a garota.

O que eu ganhei por ser uma boa pessoa com ela? Isso mesmo, fui paga com um par de chifres

É como o meu pai sempre diz: Você precisa fazer o bem aos outros, porque é o certo e não porquê as pessoas estão olhando ou esperando que o universo te retribua de alguma forma. Então é o que eu faço na maioria das vezes.

Talvez tudo isso esteja acontecendo pelo fato de ter derrubado a Priscila da escada no quarto ano quando ela roubou meus pincéis da Faber Castell.

Ou não?

A verdade é que não tive muitas atitudes ruins durante a minha vida para estar pagando dessa maneira.

— A senhora não irá trabalhar hoje? – Tento mudar de assunto com a minha mãe.

— Não. – Ela bate os dedos na mesa, demostrando o seu nervosismo. — Tirei o dia para ficar com a minha menina.

Esboço um sorriso, levando a minha mão à nuca e coço a pele com as pontas das minhas unhas tentando disfarçar o meu desconforto ao saber que a minha mãe queria parar os seus afazeres para ajudar a pobre garota que foi traída e está perdida.

Olhei sem jeito para a mulher à minha frente e tive a nítida impressão que jamais chegaria aos seus pés. Eu nunca conseguiriam ser forte e determinada como Ana Clara Albuquerque.

— Estou bem, como já disse. – Minto, tentando ser convincente. — Não quero ninguém parando de fazer suas coisas por conta dos meus problemas amorosos, okay? O tempo nunca cessa para que possamos sarar as feridas causadas por um final de relacionamento e está tudo bem, mãe. – Me interrompi para tomar um gole de suco de goiaba e voltei a falar: — Pode ter certeza que irei ficar bem... Uma hora ou outra.

Antes que a minha mãe pudesse me responder, fomos drasticamente interrompidas pela chegada do meu ex namorado.

Não acredito que esse cretino veio me ver só agora.

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