Capítulo Dois

Um dia você esquecerá a mágoa e o motivo da dor que te fez chorar. Você finalmente entenderá que o segredo para ser livre é não se vingar, mas deixar que as coisas se desenrolem naturalmente e confiar no cuidado de Deus por você. Afinal de contas, ninguém pode frustrar os planos dele para a sua vida! Então sorria, perdoe, sonhe, acredite e ame novamente.

Antônio Junior

Valentina tocou os lábios pela "milésima" vez, recordando do beijo no jantar e o pedido de casamento que ele fez publicamente. Para a mídia, os dois decidiram assumir o relacionamento, embora nunca ninguém antes havia os visto juntos. Pobre garota! Aceitaria morar dentro do circo de horrores à tê-lo como marido. Infelizmente, precisava manter as aparências pelo bem dos pais. Se Consideraria imperdoável, caso viesse a falhar.

O sono lhe fugiu naquela noite. Valentina, ora, lia a bíblia, ora, conversava com Deus, ainda tentando acreditava se havia mergulhado em um estado letárgico ou uma brincadeira de muito mau gosto. Tentou ligar para suas duas amigas — talvez pudessem arremeter-lhe alguma dose de consolação. Lembrou-se seguidamente que o segredo jamais podia ser de conhecimento de outras pessoas mesmo sendo próximas.

Na realidade, Valentina queria compreender esse misto de sentimentos enevoados, desordenando suas emoções. Desde o contato com aquele homem, sentia-se nervosa, enquanto sensações de magnetismos elétricos, hipnoses e frio na barriga a deixava inquieta.

Quando a notícia havia bombado nas redes sociais e ver sua foto junto com Theo, a ficha caiu — seria visada em qualquer lugar por internautas transeuntes ou fãs doa figura pública. Nunca havia lhe passado pela cabeça a hipótese de ser famosa. Preferia uma vida pacífica, exercendo sua profissão; alavancando conquistas aspiradas ao decorrer dos anos.

— Estou dentro da Matrix...ou Alice no país das desmaravilhas?

A notificação de mensagem pelo celular atraiu o olhar dela. No visor, apareceram dois números conhecidos e o terceiro era desconhecido.

"Estou me controlando para não te dar uns tapas. Que negócio é esse de noivado e nem contou para suas melhores amigas? Amanhã teremos uma reunião na igreja ás 19:00hs. Depois conversamos. Se precisar de mim sabe onde me encontrar." Clarice Oliveira [ 22:30hs PM ]

"Amiga, vou ser direta...sabe há quanto tempo te conheço, não é mesmo? Não estou querendo ser enxerida mas estou estranhando esse seu casamento com o bilionário mulherengo. Talvez você não queira contar por agora, estarei esperando. Só não gosto de te ver machucada. Durma com Deus :)" Jacqueline Santana [ 22:30hs PM ]

"Vejo que a mídia nos adorou, querida. Quem não me adoraria, não é mesmo? Esse é meu número. Me ligue só em questões de urgência. Ah, te buscarei pela manhã ás oito horas. Não se atrase." [ 22:30hs PM ]

Valentina respirou fundo, achando engraçado das mensagens terem sido entregues no mesmo horário. Salvou o terceiro número na agenda com relutância. Se dirigiu à mesinha perto da janela aonde o notebook estava e o abriu, acessando logo à internet.

Um misto de tristeza e angústia a dominou diante do número de seguidores e de comentários nas suas publicações do Instagram. Ela não postou nenhuma foto junto com Theo e se assustou com os cem mil seguidores no seu perfil; procurou pelo perfil dele e engoliu em seco ao ver sua foto publicada minutos atrás.

A legenda dizia: "Você sempre foi reservada mas finalmente aceitou se revelar como minha mulher. Mal posso esperar o casório."

— Nos conhecemos hoje, seu cretino descarado. — Ela mal pôde conter a fúria que sentia. Os comentários e curtidas alarmantes a espantou.

"Pelo menos ele finge melhor que eu...ou talvez, eu não saiba fingir... "

Valentina permitiu uma lágrima escapar dos olhos, recordando do sonho que sempre teve desde a adolescência. Se imaginava entrando na igreja vestida de noiva, acompanhada pelo pai, enquanto o olhar de todos se fixavam nela e lá no altar...a esperava o seu amado. Aquele que foi a resposta de suas orações. Um homem prudente, fiel à Deus e a ela, honesto e carinhoso. Valentina chorou porque esse sonho fora substituído por um amargo pesadelo.

Decidida, excluiu todas as redes sociais. Queria distância de plateia...se bem que agora, seria difícil. Respondendo  as mensagens do celular adormeceu entre o pranto e as dores do futuro.

— Senhor, é verdade? — Theo despertou do transe após uma publicação anônima nos comentários da foto chamar sua atenção. Alguém corajoso O suficiente para postar isso mas não revelar sua identidade: "Esse negócio me cheira a contrato. O cara nunca postou foto com essa gata e agora aparece noivo? Muito suspeito. Ouvi dizer que ele é chamado de o monstro do lago Ness. Vai saber o porquê."

Óbvio que os defensores rechaçaram o usuário e em contrapartida ele não se manifestou. Respirando fundo, fechou o notebook, nem um pouco incomodado pelas palavras, apenas curioso sobre a pessoa por trás da tela. Se voltou para Guilherme escorado na porta, os lábios trêmulos e olhos desfocados.

— Tem algo acontecendo no departamento financeiro?

— Não, senhor. Mas vai realmente se casar com ela?

Um vinco formou na testa de Theo. Seu empregado parecia fora de si ou prestes a surtar.

— Ela é realmente a Valentina Sanches ou alguma irmã gêmea perdida?

O rapaz levantou-se da confortável cadeira estofada. Sondou as expressões faciais do outro, desconfiado das intenções por trás da pergunta.

— Você a conhece?

Como se levasse um choque térmico, Guilherme piscou, olhando ao redor da sala.

— Eu...eu...

— Responda. Você conhece minha mulher?

— Talvez seja outra. Me confundi.

— Mesmo? Eu conheço muitas mulheres mas ninguém que se pareça com ela. — Os passos ameaçadores avançando lentamente para perto dele, provocou um sufoco lancinante nos músculos do corpo. Quando percebeu havia recuado até a porta.

— Me desculpe pelo transtorno, senhor. Foi erro meu.

E fugiu.

Antes que ele agisse ou dissesse algo a porta se abriu novamente — desta vez, a cabeleira loira de uniforme curto mordiscou os lábios tingidos de escarlate esperando a mesma recepção calorosa de antes. Sorriu maliciosamente na direção dele e se aproximou, exalando sua sensualidade barata.

— Então, é verdade que vai se casar? — Questionou, pressionando as duas mãos no peitoral musculoso na vã tentativa de ser atendida. Afinal, ele nunca a recusou.

No entanto, a expressão de Theo não era das melhores. As pupilas dilatadas contrastadas ao perigoso brilho colérico obrigaram as veias praticamente saltarem sob a pele.

— Amor, eu estou aqui.

— Não me chame de amor. — Disse entredentes, mal olhando para ela. Pegou o celular empresarial discando o número sem disfarçar tamanha irritação. — Volte para suas funções de secretária. Eu não estou afim hoje...Helena, faça os preparativos de transferência de Guilherme Balneário agora mesmo...sim, para aquele lugar.

Ao desligar notou que sua secretária permanecia imóvel, esperando que ele mudasse de ideia. Sentia que ele se enfureceria, mas não retrocederia a decisão.

— Jussara. — A nota de advertência no tom grave da voz a fez estremecer ao confirmar que ele realmente falava sério. — Não pense que serei paciente com você. Dê o fora.

Franzindo as sobrancelhas claras, piscando os olhos furiosamente para disfarçar o desgosto ela virou as costas e o som produzido pelos saltos ecoou para longe junto o fechar violento da porta.

                                                               ....

A entrevista durou muito mais do quê ela esperava. Ora, o entrevistador pausava as perguntas para exibir sorrisos desnecessários, ora mordiscava a tampa da caneta para examiná-la estranhamente. Valentina sentiu-se incomodada o tempo todo, mas assim que a cota de questionamentos terminaram ela agradeceu pela oportunidade e saiu pela porta rapidamente.

Imaginando que não seria chamada, ficou surpresa pela mensagem da empresa horas mais tarde, justamente no momento em que encontraria as amigas no restaurante. Seu coração apertou ao pensar na possibilidade de deixar escapar o segredo, caso as amigas interrogassem. Temia envolvê-las nisso e causar danos permanentes tanto nelas quanto para ela mesma.

— Você não vai nos contar?  — Perguntou Clarice, desembrulhando o sanduíche de mortadela.

As duas garotas encaravam Valentina ansiosamente sem deixar de sondar as expressões dela. A transparência de suas emoções sempre foi uma das características marcantes na amizade. E naquele momento, ela não demonstrava interesse no assunto pautado. O silêncio dela era a resposta. Jacqueline deu uma cotovelada discreta na outra antes que mais perguntas surgissem.

— Sinto muito. — Respondeu Valentina, mexendo na salada de frutas sem muita vontade de comê-las. — Eu sabia que esse dia chegaria. Por favor, entendam, não é falta de confiança em vocês mas eu prometi não contar à ninguém sobre nosso...relacionamento.

Jacqueline estudou-a brevemente, desconfiada de algo maior por trás da resposta evasiva.

 — Coma antes que a salada de frutas fique quente. — Disse ela.

— Ele te ameaçou para não nos contar? — Insistiu Clarice, visivelmente irritada.

Valentina arregalou os olhos. Sua vontade era enfatizar o "sim" em voz alta. Engoliu a porção da sobremesa rapidamente.

— O quê?

— Clarice. — Repreendeu Jacqueline. — Olha Valentina, sei que você tem um motivo para não ter nos contado sobre esse repentino noivado. Eu respeito nossa amizade e você tem todo o direito de não querer nos envolver nisso.

— Eu...

— Tudo bem. — Prosseguiu ela. — Sei que algum dia você vai se sentir melhor para desabafar sobre isso. Mas se não conseguir segurar por mais tempo esse segredo...não vamos te julgar. Nós te conhecemos há anos e você sempre nos contava quando não aguentava mais segurar as pontas.

— Concordo. — Clarice assentiu.  — Insisti em saber porquê nos preocupamos com você. Na amizade também é necessário respeitarmos a privacidade e decisão, mas se você estiver sofrendo...por favor, nos deixe ajudar.

— Estaremos orando também. — Completou Jacqueline, observando sua amiga sorrir em gratidão. — Agora...você recebeu algum retorno das indicações de estágio?

— Hum, eu fui aprovada. —  Valentina respirou aliviada pelo término do interrogatório. — Vou ser auxiliar de contabilidade na Seletivo.

— Nossa, essa empresa é forte no mercado. — Comentou Jacqueline. — Meu irmão foi promovido para trabalhar na Espanha por causa deles.

— Oh, sim. Ele está gostando de lá? — Clarice bebericou o suco de caju.

— Ele ama. Nem acredito que já se passaram cinco anos.

— Realmente. — Subitamente Valentina lembrou-se da notícia que ainda não havia relatado. Estava feliz com a conquista do estágio em uma multinacional, mas sabia que não podia segurar por mais tempo. Então, esperou até a hora de ir embora, considerando as direções opostas que tomariam.

— Hum — O grunhido pela falha tentativa de pigarrear mais forte silenciou o diálogo aleatório. Ambas olharam para ela com expectativa e receio. — Bem...sei que é repentino mas Theo e eu vamos nos casar no dia primeiro do mês que vem. Quero vocês duas como testemunhas.

O ruído de veículos e transeuntes passando pelo trio em silêncio gerou tensão no ar. No entanto, Valentina não queria mentir — embora, a omissão seja um tipo de mentira evasiva. Temperamental, Clarice suspirou batendo os pés no chão da calçada.

— Como podemos...Val, o que realmente está acontecendo? Não estou pedindo para você detalhar. Estou seriamente preocupada com você.

— Olha, eu estou bem. — Ela lembrou-se de começar a mascarar seus sentimentos. Pensou no garoto por quem se apaixonou no ensino fundamental. Com certeza os olhos estavam brilhando pelas pupilas dilatadas. — Eu peço á vocês paciência. Por agora, não posso contar.

Jacqueline deu de ombros.

— Nada podemos fazer senão aceitar. Que horas vai ser o casório?

— Hã? — Clarice a encarou boquiaberta. — Você vai aceitar sem mais e nem menos?

— Sinceramente estou muito inquieta. Mas não podemos obrigá-la a revelar seu segredo, certo? Sei que não se trata de coisa ilegal porquê Val não é assim.

Aquelas palavras penetraram fundo o coração de Valentina. Sua vontade era de revelar tudo, puxar as garotas de volta ao restaurante e explicar o início de todo o caos. Mesmo que elas confinassem a confissão, Theo descobriria de uma forma ou outra — não, ela nem queria imaginar a reação daquele crápula.

— Meu desejo é explicar vocês sobre isso. — Admitiu, encolhendo os ombros.

— Eu prometo dizer á vocês algum dia. E não se trata de nada ilegal como disse bem a Jac. É complicado eu desabafar no momento...

— Eu te entendo. — Respondeu Jacqueline. — A Lice é mais ansiosa mas vai precisar aguentar até lá, certo?

Clarice bufou, cruzando os braços.

— Sei não. Esse mistério todo está fervendo meus neurônios. Quem esconderia o fato de ter conhecido um ricaço e que vai se casar? Ele não te coagiu, não é?

— Você vai saber da verdade algum dia. E o casório ocorrerá ás dezenove horas.

— Parece casamento arranjado.

"É bem pior, Lice", Pensou ela, reprimindo a vontade de chorar no ombro delas.

— Eu acho que ele não tem família...

— E não tem. — Reiterou Clarice. — Ele disse isso numa entrevista há dois anos atrás.

— Deve ser horrível ficar sozinho. — Compadeceu Valentina, lembrando do olhar frio que recebeu no dia em que fez a pergunta. — Ele não deve gostar de falar sobre isso.

                                                           ....

Theo afastou os lábios de Jussara ao escutar batidas na porta. Empurrou-a para longe de seu colo quando escutou do outro lado que sua noiva o esperava. Surpreso por ela não tê-lo notificado cogitou ser um apelo emocional para romper o contrato. Se assim fosse, era tarde, pois, seu advogado já havia revisado a papelada onde dispunha os termos apresentados. Mas nada daquele tipo de baboseira onde vinha escrito que ela tinha que aceitar amantes e um monte de futilidades.

Ele só apresentou uma única exigência: ela jamais poderia burlar o acordo em hipótese alguma. Seja por meio de fuga ou a tentativa judicial — o que subentende-se, uma prisão de luxo, embora tenha mascarado esse contexto no documento. Numa tentativa de apagar vestígios do ato libertinoso, elevou a voz antes de expulsar a secretária da sala.

— Você ainda não respondeu a solicitação do cliente da Gales. Esse ramo varejista é potencial, entendeu? E hoje pela manhã te mandei por e-mail todas as cartas para serem redigidas. Já fez isso?

Jussara contorceu o rosto, ciente do jeito dele devido a presença da noiva no local. No entanto, não entendia o motivo dele querer se casar justamente com aquela mulher. Seria a beleza? Prestígio? Ele finalmente foi seduzido ao invés de seduzir?

Inconformada, o encarou determinada.

— Por que não se casou comigo? Por que ela?

Theo revirou os olhos antes de dirigir-se á porta.

— Isso não é da sua conta. Desde o início te deixei ciente que você não passava de diversão e você aceitou isso. — Suspirou fundo. — Saia e faça seu trabalho direito. Posso te substituir facilmente se eu quiser.

Sem sombra de dúvidas ele era cruel. Jussara disfarçou as lágrimas, passando por ele como furacão. Deparou-se com Valentina assentada na  poltrona reclinável no corredor. As duas mulheres se olharam, sendo Valentina a primeira a desviar o olhar. Jussara sentiu-se inferior ao reparar tanto na compostura da moça quanto a serenidade que ela exalava. É por isso que Theo queria se casar com ela? Os dois formavam um par de parar o trânsito. Tudo girava em torno de beleza e riqueza? Tantos por quês a fizeram chorar ali mesmo, atraindo a atenção da outra.

Logo, o rapaz surgiu chamando a noiva. Jussara rapidamente parou de observá-los ao receber um olhar ameaçador dele. Voltou para seu recinto enquanto o sangue fervilhava, o coração descompassava. A moça era muito mais bonita pessoalmente.

— Estou esperando! — Impacientou Theo, ajeitando o nó da gravata, enquanto olhava ela completamente estupefata .

— Você... — Os olhos dela se fixaram na marca de batom levemente avantajada no pescoço másculo. O perfume feminino impregnado naquela sala atingiu a consciência da garota. Ela sabia que Theo era mulherengo e não existia nenhum resquícios de sentimentos calorosos entre os dois. Contudo, ser humilhada de tal forma era inaceitável. — Você esteve com outra mulher? Era aquela que estava chorando?

Theo arqueou a sobrancelha, mantendo a expressão de desdém no rosto.

 — Eu tenho todas as mulheres que eu quero, querida. — Sorriu, maléfico. — Fico com quem eu quiser. E sobre aquela mulherzinha...não te convém saber.

 — Você nunca terá á mim, seu cavalo.

— Não? — Theo ignorou a ofensa e saiu de trás da escrivaninha e se aproximou da jovem que recuava. Antes de alcançar a porta, ele a prendeu pelo braço, obrigando-a colidir com o peitoral musculoso e encarar as duas gemas azuladas que refletiam frieza e impiedade. — Tenho você ou estou enganado?

— Você tem um acordo por dois anos. — Ela tentou se soltar dos braços fortes. — Eu jamais irei ser sua.

Theo semicerrou os olhos, intrigado pela intensidade da coragem que ela emitia.

—  Veremos, Sra. Maldonaro. — Ele deixou-a livre. — Diga-me o que quer.

— Antes...posso pedir algo? Não é dinheiro!

Somente pela expressão desdenhosa dele, Valentina cogitou o raciocínio do mesmo.

— Eu sei que esse casamento é fachada...mas, só te peço respeito quanto aos seus escândalos. A privacidade é sua assim como minha privacidade somente á mim pertence.

Theo prendeu a respiração diante das safiras dilatadas cravejadas na sua direção. Praguejou por ter se sentido impotente em milésimos de segundos.

 — Fechado. — Mentiu. Não se importava com as consequências. — Mais alguma coisa?

Valentina assentiu, desviando a atenção dele.

— Bom, eu não pude te mandar mensagem porquê meu celular descarregou. Embora, eu não vejo problema em te avisar que consegui um...emprego de auxiliar de contabilidade. Será apenas de segunda a sexta e isso me manterá ocupada e consciente das minhas contas.

Theo cerrou as mandíbulas, contrariado pela teimosia dela. Nem a conversa que tiveram a fez mudar de ideia. Ele não a queria trabalhando; mesmo não possuindo nenhum argumento válido.

— Eu já te falei que vou te sustentar.

— Mas eu quero trabalhar. — Contestou ela e isso o irritou. — O horário é ótimo. Não entendo porque não quer...

— Tudo bem. — Estranhamente a voz dele soou calma. — Não vejo o porquê de não se ocupar em algo além da faculdade. Mas aonde você vai trabalhar?

Valentina esboçou um sorriso tímido, satisfeita pela conversa estar ocorrendo bem.

— Na empresa Seletivo. O ramo é de roupas e calçados. Eu gostei do ambiente e a inovação dos produtos, principalmente no escritório. Lá vou ter mais tranquilidade.

Os olhos de Theo se escureceram com essa informação. Ele se enfurnava no escritório e ali, praticava seus prazeres incontroláveis. Um sentimento de posse e obsessão o dominou completamente só de imaginar quantos caras a cobiçariam.

— Nesse escritório será somente você ou terão outras pessoas?

— Terão outros colegas, Theo. — Divagou Valentina, sem compreendê-lo. — Por quê?

 — Nada, querida. — Deu de ombros. — Vai sair hoje a noite?

—  Vou para a igreja. Se quiser ir, também, será bem-vindo. — Disse, virando as costas e saindo da sala.

Theo respirou fundo; por um momento achou que ela fosse pelo menos beijar seu rosto — concluiu que a convivência seria mais difícil do quê imaginava.

A reunião na igreja fluía bem, apesar do número de membros estar bem reduzido. Valentina preferiu ocultar-se nos últimos bancos, pensativa no casamento que estava chegando e das máscaras colecionadas para usá-las durante esse longo período.

— Val — Ela foi cutucada várias vezes, até se deparar com o semblante preocupado de Jacqueline e Clarice. — Você está bem?

— Estou — Forçou um sorriso amarelo. — Só... pensativa.

— O Theo te fez algo? — Clarice quase eleva o tom de voz.

Valentina negou, voltando a atenção para o pastor que encerrava o discurso.

— Preciso conversar com o pastor. — Avisou, após a breve oração. — Vocês me esperam?

Ambas concordaram.

Um a um foi se retirando do salão, inclusive as amigas que prometeram esperá-la do lado de fora. Valentina sentia medo. Medo de acabar contando a verdade. Medo de mentir. Medo de se ver no beco sem saída, caso o pastor desconfiasse. Advertiu-se de não cometer deslizes para evitar suspeitas.

 — Sente-se, querida. — Sorriu a esposa do pastor lhe apontando a cadeira vazia do gabinete. Ela retribuiu o gesto carinhoso, fitando o casal gentil.

— Então, suponho que queira nos falar sobre o casamento. — Começou o pastor, examinando suas reações. —Deus me incomodou desde o início da reunião para dizer isso. Você pode estar se sentindo no pior abismo, aonde não consegue encontrar nenhuma saída; o  importante é nunca se deixar vencer pelo cansaço e fracasso.

Valentina se mantinha atenta, desejando no íntimo do seu ser desabar em lágrimas.

— Me perdoem por eu nunca ter informado sobre meu relacionamento. Ele...não parece gostar de ser o centro das atenções.

— Compreendo. — Murmurou o pastor, sabendo que poderia ter algo por trás daquilo tudo. — Há quanto tempo vocês se conhecem?

Ela engoliu em seco, olhando para as mãos entrelaçadas repousadas em cima do colo.

— Não muito. Sei que ele nunca apareceu aqui mas te garanto que em breve vocês vão conhecê-lo.

— Você tem certeza desse casamento?

Se ela hesitasse estragaria o disfarce que ensaiou para atuar. No íntimo, aquela atitude a fazia sangrar de tristeza.

— Sim. — Sorriu largamente. Com certeza o sorriso teria se assemelhado ao Cheshire. — Ele concordou também de casarmos apenas no cartório. Mas quero também que o senhor e sua esposa orem por nós.

O pastor ponderou durante alguns instantes antes de responder.

— Ouça, Valentina. O pastor precisa zelar pelo rebanho. Se alguma ovelha se ferir eu preciso prestar cuidados. Se ela se afastar do rebanho meu dever é adverti-la para que lobos não a devorem. Sobre o casamento, a bíblia expressamente diz que não se deve prender ao jugo desigual e uma vez que se casam, eles se tornam uma só carne.

Não conheço esse rapaz, apenas o que a mídia diz. Se ele é um homem ímpio, sem princípios até mesmo morais...eu não posso aprovar esse casamento, como também não posso forçá-la. — Ele olhou para a esposa que se mantinha ao seu lado. — Certo, querida?

— Sim. — A mulher segurou na mão do marido. — Nós desejamos de verdade a sua felicidade, Valentina. Mas se realmente ele for esse tipo de homem, jamais será um bom marido para você.

Valentina disfarçou a saliva presa na garganta, enquanto mil e um pensamentos a domaram sorrateiramente.

— Obrigada pelos conselhos. — Valentina sussurrou entorpecida pelas palavras de exortação e consolo. O pavor era de Theo a fazer sofrer além das medidas. O problema não é se ferir, mas do corte ser profundo o bastante e provocar morte instantânea. Embora, tivesse fé e confiança, temia que fosse arrastada no olho do furacão e se desfizessem definitivamente.

Deitada na cama, Valentina só pensava na conversa com o pastor e Marta. Cada palavra abalou suas emoções. Ela desejava fugir do compromisso forçado. Enquanto refletia, o celular tocou em cima do criado-mudo, despertando-a do transe. Hesitante, deslizou o dedo na tela e reconheceu o número. Era da empresa aonde fez a entrevista.

— Alô?

— Senhorita Sanches? — A voz masculina soou apressada. — Só liguei para informar que sua vaga foi cancelada.

O coração de Valentina se apertou.

— O quê? Por quê?

— Não posso informar. Só posso dizer que outra pessoa ocupou seu lugar. Boa noite.

Ele encerrou a ligação na cara dura.

Valentina ficou inerte com o celular na mão, querendo não acreditar na notícia inesperada. Tentou ligar para o número e saber o motivo mas haviam a bloqueado. Os olhos dela se encheram de lágrimas. Precisava daquele emprego e ajudar seu pai a pagar logo a dívida.

"Por qual motivo fariam isso comigo? " Perguntou-se, aflita. Havia se saído muito bem na entrevista e agora, simplesmente a rejeitaram.

Uma possibilidade surgiu nos minutos de lástimas; decidiu comparecer na empresa no dia seguinte e exigir a resposta para uma questão sem nexo.

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