POV de Mathilda
Hoje é o dia que eu mais odeio.
1º de março de 2017 é a data mais terrível e triste.
Um caixão que já está no chão ainda é um pesadelo. Perdi minha mãe. Já não há mais uma mulher que me defenda quando meus colegas, que têm uma vida melhor, me humilham.
Para onde derramarei as lágrimas e o cansaço que tantas vezes me perturbam?
Meu pai está devastado; desde esta manhã, ele continua no quarto. Recusou-se a vir ao funeral da minha mãe, mesmo quando o caixão foi aberto pela última vez. Ele não quis ver.
— Mathilda, sinto muito pela sua perda.
Um abraço caloroso foi dado pela senhora Rosa, que acabara de chegar ao local do enterro.
Assenti resignada enquanto enxugava as lágrimas que não paravam de cair havia quinze minutos.
— Obrigada, senhora Rosa.
Essa foi a única frase que consegui dizer. Olhei novamente para o túmulo da minha mãe. Ainda não consigo acreditar, minha mãe se foi.
— Onde está o seu pai? — perguntou a senhora Rosa.
— Ele não veio, ainda está em casa. Tentei convencê-lo, assim como os tios e tias que vieram, mas meu pai está triste demais para ver sua esposa ser enterrada.
A senhora Rosa apoiou a cabeça no meu ombro. Posso sentir a tristeza que é igualmente grande.
— A vida é curiosa, senhora Rosa. Preciso de carinho de alguém que possa cuidar de mim e me proteger de verdade, mas agora ela se foi. Sabe, eu era uma menina de aparência estranha e sempre alvo de zombarias. Se não fosse pela minha mãe, eu não teria chegado até aqui. Será que Deus acha que sou forte o suficiente para enfrentar um mundo tão cruel?
Como se fosse uma resposta à minha pergunta confusa, ouviu-se um trovão no céu. Lentamente, uma nuvem negra apareceu e começou a cair uma chuva leve que logo se intensificou.
— Vamos, Mathilda, precisamos ir para casa. Vai chover, olhe o vento e o céu escuro.
A senhora Rosa segurou meu braço, mas eu lentamente soltei sua mão.
— A senhora pode ir, senhora Rosa, eu ficarei aqui. Quero chorar na chuva e aproveitar a solidão.
— Vovó!
Um grito forte me fez virar, e vi Fredric correndo com um guarda-chuva nas mãos.
A senhora Rosa recuou imediatamente quando viu o neto se aproximar.
— Vamos, vovó, vamos logo para casa! Por que ainda está parada aqui?! — gritou Fredric. Eu já não olhava para nenhum dos dois. Meus olhos voltaram ao túmulo da minha mãe.
Houve um momento de silêncio. Achei que eles tinham ido embora, mas não. Fredric de repente agarrou minha mão.
— Solte-me!
Reflexivamente, me desvencilhei. Sinceramente, estava irritada de ser forçada daquela maneira. Não é que eu não aprecie a atenção, mas eu só queria viver essa dor sob a chuva. Eles não entendem?
— Você é tão teimosa! Está chovendo, o que mais espera? Mesmo que fique aí, sua mãe não vai voltar. Você tem que encarar a realidade!
Virei-me para Fredric, que também estava encharcado de chuva. Ele já havia dado o guarda-chuva para a senhora Rosa. Pela primeira vez, eu realmente estava irritada e o odiava.
— Claro que vou enfrentar tudo, Fredric. Eu sei disso e não preciso que me diga. Mas ainda assim quero ficar aqui. O que há de errado nisso? Vá para casa, a saúde da sua avó é mais importante do que me obrigar a ir embora.
— Tsc! Claro! Acha que estou cuidando de você porque me importo? Maldição! Vamos, vovó, já disse que é inútil falar e insistir com essa mulher!
Fredric se virou e me deixou ali. Ouvi murmúrios e súplicas da senhora Rosa, que ainda tentava fazê-lo me convencer, mas ele a ignorou.
Ele caminhou sob a chuva de volta, enquanto eu escolhia sentar na beira do túmulo e sentir as gotas cada vez mais pesadas.
4 de maio de 2017
Corri apressada até o pátio da senhora Rosa.
Uma ligação dela dizendo que meu pai havia desmaiado de repente me deixou aflita.
Desde a morte da minha mãe, meu pai mudou muito nesses últimos três meses. Quase não fala e perdeu o apetite. Não só ele. Eu também me sinto igual, e minha vida se tornou sem cor. Meu entusiasmo por Fredric, que antes era intenso, parece ter desaparecido.
Não me importo mais com nada. Continuo tentando ser forte, para que meu pai não fique ainda mais triste.
Várias vezes ele também adoeceu. Pedi que descansasse, mas ele se recusava. Dizia que odiava ficar em casa, pois tudo o fazia lembrar de minha mãe.
A empregada da senhora Rosa me recebeu e me levou até a pequena casa nos fundos.
Meu pai estava deitado, pálido e fraco, quando cheguei.
— Papai.
— Não se aproxime.
Parei ao ouvir isso, mas ignorei e dei mais um passo. Então, de repente, ele me olhou com intensidade e gritou:
— NÃO SE APROXIME!
A senhora Rosa rapidamente me abraçou e me puxou para fora da casa. Meu coração ficou em pedaços. O que aconteceu com meu pai?
— Mathilda, siga o desejo do seu pai. Ele está deprimido e profundamente traumatizado…
Não consegui conter o choro. A senhora Rosa me abraçou com força.
— Então, o que devo fazer agora? Ele precisa de alguém ao lado dele, mas como, senhora Rosa? Estou tão perdida!
— Você precisa ter paciência. A morte da sua mãe foi o que seu pai mais temia. Agora ele está sozinho, e a depressão tomou conta da sua mente. Vou conversar com ele aos poucos. Por enquanto, fique aqui.
— Vovó, estou procurando pela senhora.
Era a voz de Fredric. Levantei o olhar e vi ele se aproximar, acompanhado de uma mulher linda chamada Paula. Conheço esse rosto — Paula é uma modelo famosa que anda em evidência ultimamente.
Afastei-me do abraço da senhora Rosa. Não queria olhar para eles e baixei a cabeça.
— Que coincidência, Fredric, preciso te pedir um favor.
— O quê? — perguntou ele.
— Preciso que leve Mathilda até a casa dela e a acompanhe para pegar as coisas dela. Ela vai ficar aqui por um tempo.
Virei-me para a senhora Rosa e balancei a cabeça em negação.
— O quê?! Eu tenho um almoço marcado com Paula. Vim aqui para convidar a senhora para vir conosco. Por que eu teria que acompanhar Mathilda? Ela não sabe mais o caminho de casa, é isso?! — Fredric soava irritado, e o rosto dele mostrava bem isso.
— Desculpe, senhora Rosa, mas o senhor Fredric tem razão, eu pos—
— Eu disse para acompanhá-la, Fredric! Já não quer mais ouvir o que eu digo? Não se importaria em ajudar Mathilda? — A senhora Rosa olhou para Paula, e a moça apenas balançou a cabeça, constrangida.
— Ah! Vamos logo!
Fredric se virou e começou a andar rapidamente. Olhei para a senhora Rosa. Ela sorriu gentilmente e disse:
— Pegue suas roupas e o que for necessário. Vá rápido, você também precisa voltar ao trabalho, não é?
Só consegui suspirar e assentir devagar. Fiquei sem palavras.