03

— Corta essa, nem todos são assim — Alex contrapôs, aceitando a taça de vinho que eu lhe entregava. Mas antes, prometeu que só tomaria uma garrafa, para me acompanhar.

— São sim — discordei, sorvendo mais um gole da bebida —, uns verdadeiros pilantras, safados, sem coração.

Estávamos no tapete da sala, dividindo uma pizza de calabresa — a favorita da Clara que, nos braços de Alex, foi levada ainda dormindo para o quarto ao lado do meu.

— Você só diz isso porque...

— Fui largada — completei.

— Desculpa, eu não tive a intenção de te magoar.

— Tudo bem, Alex, uma hora eu tenho que aceitar.

— Você consegue.

— Obrigada. E você, tem namorada?

— Tive. Mas não durou muito tempo.

Me virei para ele.

— Por quê?

Alex coçou a cabeça, meio sem jeito, e desviou o olhar para o chão.

— Eu sempre fui apaixonado por outra — contou baixinho.

— Ela corresponde?

Então ele olhou para mim e sorriu.

— Não tenho tanta sorte, Zoe.

Não soube o que dizer, só fiquei ali, em silêncio, enchendo meu organismo de álcool para afugentar a dor de ter sido abandonada.

— Bem, acho melhor eu ir — ele quebrou o silêncio.

— Fica — pedi. — Tá tarde, você bebeu. Tem o sofá, você pode dormir nele.

— Minha casa fica um pouco longe — disse —, vou aceitar o convite. Só vou ligar para minha mãe para avisar.

— Meu Deus, isso ainda existe? — Eu ri, incrédula.

— Já falei, Zoe, sou um bom garoto. Além do mais, minha mãe se preocupa bastante comigo, não posso vacilar.

— Queria poder dizer o mesmo — e virei o vinho de vez.

Enchi a taça.

Virei.

Enchi mais uma.

Virei de novo.

O sono veio, de mansinho, o mundo era um borrão, todo desfocado, eu só queria que alguém fizesse as coisas pararem de girar de repente, tipo, apertando num botão ou coisa assim.

Não sei em qual momento eu fui para a cama, mas tive a sensação de ter sido carregada por alguém, e, antes de cair na escuridão, ouvir um sussurro em meu ouvido:

— Esquece esse cara, Zoe. Fique comigo.

***

— Sai daqui, seu safado, tarado, sem vergonha!

Os gritos de Clara reverberaram pela casa, invadindo meus ouvidos e me fazendo acordar. Dei um pulo da cama — péssima ideia. Minha cabeça doía, meu estômago dava piruetas e eu estava numa puta vontade de vomitar.

— Calma, moça, eu posso explicar — falou Alex.

Alex?

Ai, meu Deus.

Corri para a sala. Encontrei Clara com uma vassoura e uma frigideira na mão, Alex estava com as mãos para cima, em sinal de rendição. Os dois olharam para mim, minha amiga procurando explicação, ele procurando ajuda.

— Clara, guarda isso. Alex é meu entregador de pizza há um ano, ontem a gente bebeu e conversou por algumas horas, ele acabou dormindo aqui.

— Você convidou um estranho pra dormir aqui? — Ela perguntou, abismada.

— Ele é um cara legal.

— Ele poderia ser um assassino, Zoe!

— Mas não é — contestei.

— Não sei se vocês se lembram — Alex disse —, mas eu ainda estou aqui.

Então eu o encarei.

— Desculpa — pedi.

— Tudo bem. Acho melhor eu ir nessa, tchau, Zoe. Tchau, maluca das vassouradas — e riu.

— E das paneladas — acrescentei, rindo também.

— Engraçadinhos — Clara resmungou.

Eu o acompanhei até a porta.

— Obrigada por ontem, Alex. Você foi uma ótima companhia. Eu estava no fundo do poço e você me estendeu a mão.

— Não agradeça, Zoe. Precisando, sabe onde me encontrar.

E foi embora.

Fiquei ali, admirando aquele cara gentil, divertido e educado. A garota por quem ele estava apaixonado era tão sortuda e nem se dava conta.

Quem era tão cega a esse ponto?

Fechei a porta e voltei para a sala. Clara já havia guardado a vassoura e a frigideira, e, me encarando, com as mãos na cintura, perguntou:

— Você ficou maluca, Zoe?

Dei de ombros.

— Alex foi muito bacana comigo, Clara.

— Tá bom, não vou bancar a chata. Rolou pelo menos algum beijinho?

— Quê? Claro que não. — Fui para o banheiro escovar os dentes, minha amiga me seguiu.

— Convenhamos que ele é lindo, né?

— É — concordei, colocando pasta na escova —, mas não rolou nada.

— Por quê? — Ela quis saber, encostada no batente da porta.

— Ele é apaixonado por outra — contei —, além do mais, eu ainda não superei o Pedro. Não sou cega, Clara, tenho consciência da beleza de Alex, mas já me fodi demais nesse lance de relacionamentos. Quero ficar sozinha por um tempo.

— Você quem sabe.

— Ah, depois do café vá pra sua casa se ajeitar. Vamos almoçar na tia Marta hoje, esqueci de te dizer.

— E lá vamos nós para o ninho de cobras — Clara disse, revirando os olhos.

Eu ri e comecei a escovar os dentes.

Como combinado, Clara foi para sua casa se arrumar e eu fiquei aqui, me produzindo. Tomei um bom banho e, com muita paciência, fiz um belo penteado que tinha visto no P*******t.

Peguei metade das tranças e fiz um coque lateral, deixando alguns fios soltos para dar um charme. Usei brincos redondos e dourados, uma jardineira jeans e por debaixo uma camiseta amarela, bem curta. Nos pés, calcei um par de rasteirinhas pretas.

Bastante perfume para ficar cheirosa, batom nude e sombra dourada.

Pronto, tudo ok para mais um almoço chique na casa da tia rica da família.

Por volta das onze horas da manhã, minha amiga veio me buscar. De nós duas, ela era a única que tinha carro.

— Pronta pra encarar a vaca da Anelise?

Soltei um suspiro pesaroso.

— Não — respondi —, mas vamos lá.

Ela deu partida e nós seguimos rumo ao condomínio de luxo onde tia Marta morava, num bairro nobre da cidade.

Aguenta firme, Zoe, aguenta firme.

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