Emma
Preparo meu lanche enquanto meu café fica pronto. Minha vida essa semana tá uma loucura, tem festas das crianças, tem prova e entrega de trabalho, tem entrega de relatório mensal no escritório.E acredite se quiser, eu sou só uma.As vezes parece que eu tenho 6 braços e mil e uma utilidades, mas eu sou só eu, uma jovem de 22 anos.Guardei o meu lanche na bolsa, adocei o meu café e coloquei no meu copo térmico. Pego todas as minhas coisas e saio de casa.— Aí merda! – digo e bato com a mão na minha cara.Eu me esqueci do mais importante, meu computador. Volto em casa e pego ele que deixei em cima da mesa da cozinha, saio de casa e coloco ele na bolsa no caminho pro ponto de ônibus.Vou tomando o meu café e comendo o pão de queijo que minha mãe assou ontem a tarde.Cheguei no ponto de ônibus e por sorte o meu ônibus era o próximo, dei sinal e ele parou, passei o meu cartão, girei a catraca mas sentei na frente pra poder conversar com o Jonas o contador do ônibus.— Como vai? — ele me pergunta sorridente.— Sempre atrasada. — respondo rindo.— Sua vida é muito agitada, uma hora você fica doente. — ele diz com uma voz de preocupação.— Ah não se preocupe, eu também não tenho tempo pra ficar doente. — demos risada.Eu sempre desci oito pontos depois da minha casa, que dava um pouco mais de 4km.— Como vai a sua neta Sr. Jonas? — pergunto educadamente.A neta dele passou por uma cirurgia delicada no coração após 10 dias de nascida.— Ela está bem, os médicos disseram que ela terá alta em breve. — ele disse sorrindo de orelha a orelha.É tão bom ouvir.— Que demais! Eu estava e ainda estou na torcida por ela. — digo e ele abri mais ainda o sorriso.— Você é muito gentil Emma.— Obrigada.Já estava quase chegando no meu ponto.— Até amanhã. — digo levantando do meu lugar.— Até amanhã. — ele diz acenando pra mim.O motorista parou em frente a faculdade e então desci. Caminhei por mais alguns minutos até entrar de vez, passo pelo enorme estacionamento.As vezes parece que eu faço o mesmo caminho há exatos 3 anos, entro sempre pelo mesmo lado e sempre na mesma direção, isso parece loucura e talvez seja mesmo.Entro na faculdade que aquele barulho de pessoas termina de me acordar, se é que eu ainda estava sonolenta depois de mais de 100ml de café.De longe vejo um longo cabelo ruivo no meio do corredor, calça larga e uma camiseta sempre mostrando a barriga. Lá estava a minha melhor amiga, ela me olha e eu aceno, ela dá um sorriso e vem ao meu encontro.— Bom dia. — ela diz e me dá um beijo no rosto.— Bom dia, qual a sua primeira aula? — pergunto.— Acho que é anatomia, por que? — ela pergunta.— Então você vai pro segundo andar?— Acho que sim, você vai estar lá?— Vou ter aula de economia e pelo o que eu entendi hoje é história da economia.— Vai tá do lado do laboratório. — ela disse sorrindo.— Sim, eu disse sorrindo.O sinal bateu e fomos subindo a escada juntas e conversando.— Minha mãe perguntou se você tá pegando encomenda essa semana? — ela diz.— Não sei ainda, as coisas estão meio corridas lá no centro e também tem o trabalho daqui e as coisas do meu trabalho.— Sua vida anda mais bagunçada que seu cabelo. — Ela diz rindo.— Meu cabelo tá bagunçado? — pergunto.— Amiga quando ele não está? — ele pergunta rindo.Corro pro banheiro do andar de cima e percebo que ela tinha razão, eu estava parecendo um espantalho. Arrumo o meu cabelo e depois saio e vou em direção à minha sala.— Boa aula. — Hanna grita e me j**a um beijo.— Pra você também. — grito de volta.Enfim parecíamos duas doidas. Que na verdade somos mesmo.Entrei na sala e me sentei no lugar que eu sempre sento que é perto da janela, não demorou muito e o professor chegou, peguei meu notebook e meu caderno, fui anotando coisas importantes no caderno e lançando algumas ideias pra fazer o trabalho.Só em pensar que faltam apenas 1 ano pra eu me formar já da um friozinho na barriga.Mais tarde__________O sinal de ir embora tocou e agora começa o segundo round do meu dia que é ir pro meu trabalho.Eu trabalho em um escritório de advocacia no qual eu fico responsável por intermediar quase tudo o que acontece por lá, inclusive organizar a papelada de cada caso e por falar em papel é muito papel, consigo até contar quantas árvores foram cortadas pra isso.Chego no escritório e tiro o meu tênis esportivo 100% confortável. Coloco meu sapato roubado da minha mãe, solto o meu cabelo do coque desastroso que eu fiz afim dele não parecer espetado.Fui pra minha sala que é dividida com mais três meninas, Karen que deve ter uns 28 anos já e mãe e gosta de fofocar na hora do almoço. Julia que tem 17 anos e é jovem aprendiz, ela é um pouco mais fechada. E por fim, mas não menos importante Angelina que é nossa supervisora, pelo menos é o que ela acha, ela tem 32 anos, é a secretária mais antiga daqui. Karen disse que ela já foi amante de uns dos advogados que já trabalhou aqui, que inclusive seu filho Ben é desse advogado. Mas isso sempre foram boatos.— Bom dia meninas. — digo colocando as minha coisas no armário.— Esse sapato é da sua mãe né? — Karen perguntou.— Por que você é sempre tão inconveniente assim? — Angelina pergunta.— Cara eu só fiz uma pergunta, nada demais, né Emma? — ela me pergunta.— Sim são da minha mãe, tá querendo saber a loja aonde ela comprou? — digo e reviso os olhos.— Poderia ficar sem essa. — Julia diz rindo. — Minha irmãzinha adorou os brigadeiros. — ela me diz sorrindo.— Que bom, acho que semana que vem vou pegar mais encomendas, se quiser mais é só me falar. — digo e vou em direção a nossa sala.— Com certeza eu quero mais. — ela diz rindo.Me sentei a minha mesa e liguei o meu computador, bati o meu ponto, que fazemos isso por meio de um programa, ou seja não tem como bater o ponto sem realmente testar trabalhando.Aqui cada uma trabalha pra um advogado, eu pro Dr. Gilberto. Julia pra Dr. Helen, Karen pro Dr. Armando e Angelina pro Dr. José.Comecei a organizar os processos em ordem alfabética e depois por ordem de início.— Seu chefe pegou um cliente nosso. — Angelina me disse.— Quem? — Karen toda curiosa perguntou.— Pensei que fosse o seu ex cliente que decidiu mudar de advogado, pelo menos é o que consta no processo que o Dr. Gilberto vai ter protocolar tudo outra vez. — disse olhando pra ela.— Ta falando que o Dr. José não tem capacidade? — ela me pergunta furiosa.— Não, eu apenas te perguntei se era esse cliente que você estava falando? — disse irônica e a Karen caiu na risada.— Eu não tô achando graça. — Angelina disse muito mais brava que antes.— Relaxa ai Angelina, são só 13:30 da tarde, a gente pode começar a trabalhar em paz? — Julia disse.Acho que ela é a mais paz e amor daqui, eu também era assim quando comecei aqui e a Angelina já fazia da vida de todos um grande inferno. As meninas recepção são as únicas que escapam dela.Fui até a sala do meu chefe e deixei alguns documentos na mesa dele que estava ocupado em uma ligação com um juiz.— Emma. — ele diz e eu me viro.— Pode falar. — digo.— Você pode marcar uma reunião pra mim as 16:20 de hoje, no café da rua São Bento. — ele pede tentando prestar atenção na ligação com o juiz.— Pode deixar, é com cliente?— É, é daquele que a mãe está presa por tráfico de drogas e roubou a mão armada. — ele disse.— Ata, pode deixar que eu já vou mascar.Fui pra minha sala e abri a agenda dele, percebi que ele também tinha um compromisso às 14:30. Marquei o café na agenda compartilhada dele e mandei o recado avisando que ele tinha um compromisso.Fui revisar os pedidos de reunião, de clientes que entraram em contato com ele nos últimos 7 dias eram tantos.Por mais que seu nome fosse de um senhor de 57 anos, Gilberto tem apenas 31 anos, ele é o mais novo do escritório, e ele tem esse nome em homenagem ao avô dele que faleceu no ano em que ele nasceu, meses antes.Ele começou a arrumar as suas coisas e saiu pra primeira reunião. Julia estava na sala da sua advogada arrumando algumas coisas com ela, que provavelmente também vai sair pra alguma reunião.Angelina também não estava na nossa sala, o que fez com que a Karen saísse da mesa dela e fosse pro lado da minha.— Já tá sabendo da fofoca? — ela me pergunta olhando para os lados.— Não. Na verdade nem quero. — Falo focada na tela do computador.— Ah você quer sim, porque é sobre o seu Dr. — ela disse rindo.— Agora que eu não quero saber mesmo, eu não tenho nada a ver com a vida dele. — digo e ela revira os olhos.— Tu fala isso, mas por dentro tá se mordendo de curiosidade.Sim. Mas eu não vou dizer isso pra ela, ainda mais porque isso é tudo o que ela quer, repassar a fofoca que as vezes nem é verdade e sujar a imagem de alguém aqui dentro.— Se eu disser que não quero ouvir tu vai voltar pra tua mesa? — pergunto encarando ela que ri.— Você sabe que não. — ela ri e olha mais uma vez para os lados. — Sabe a Alana da jurisdição?— Hum. — digo como se estivesse interessada.— Parece que ela tá saindo com o seu chefe, mas as meninas da recepção disseram que ele estava saindo com a Olivia que é do Rh.— Olivia é casada menina. — digo.— E desde quando isso impede alguém de sair com outra?— Era essa a fofoca? — pergunto e ela revira os olhos.— Você é sem graça.— E você é fofoqueira. — digo e ela voltou pro lugar dela.Eu já sabia que isso era mentira, até porque a Olivia é casada e a Alana sai com a Dr. Helen, as duas devem estar saindo à uns seis meses.Julia voltou pra sala rindo.— Viu um passarinho azul Julia? — Karen pergunta. — Conta pra gente o motivo de tanta felicidade.— É que a Dr. Helen vai mudar de escritório e eu não vou ter que olhar mais pra sua cara Karen. — ela disse eu cai na risada.— Até parece que ela tem dinheiro pra manter um escritório sozinha. — Angelina diz entrando na sala.— E até parece que você alguma coisa sobre a não ser as fofocas que a Karen conta. — Julia rebate.Estou retirando o que eu disse sobre ela ser mais tranquila, com certeza ela não é.— Afinal, por que ela vai sair daqui? — Karen perguntou.— Eu não quis ser inconveniente e não perguntei. — Julia disse.— Fez o certo ela disse se vai te levar? — perguntei.— Sim, disse que vai estender o meu contrato até eu completar 18 e me registrar de vez. — Julia disse abrindo um sorriso.— Isso é muito bom. — disse e bati palminhas. Karen e Angelina ficaram nos olhando com cara de nojo que é a única cara que elas sabem fazer.Já estava quase na hora do meu lanche, já que eu almoço na escola e depois janto no centro comunitário.Bato o meu ponto pro horário de almoço e saio da minha sala.— Julia você vai comer? — pergunto colocando a cabeça para dentro da sala.— Nossa eu tinha me esquecido totalmente do almoço. — ela diz rindo. — Vou bater o meu ponto e já te encontro.— Beleza. – faço um joinha pra ela que ri.Fui em direção a recepção e falei com as meninas, aproveitei e falei que a Karen estava repassando uma fofoca com o nome de uma das duas, e elas ficaram super furiosas.Fui pra sala dos funcionários e peguei meu lanche e meu suco. Não demorou muito e a Julia chegou. Alana a moça da jurisdição também estava no horário de almoço.— Aí a Helen me contou que vai mudar de escritório, eu fiquei muito feliz por ela, ela me disse que vai te levar. — Alana diz pra Julia que confirma com a cabeça.— Ela me contou hoje, eu também tô super empolgada. — Julia diz.— Pelo menos uma de nós vai se livrar desse clima delicio que tem esse escritório. — digo e ambas dão risada.— Calma vai chegar a sua hora. — Alana diz colocando a mão no meu ombro em forma de consolação.— Ah bem que eu queria que o Dr. Gilberto fosse mesmo embora daqui, mas ele já me disse tantas vezes que gosta daqui que eu já até desisti. — rimos.Depois do meu horário de almoço, voltei ao trabalho, eu só tinha mais 3 horas de expediente.Mais tarde_________Lá estava eu, fazendo o caminho de todos os dias, fui caminhando até o centro comunitário que fica a 3 quadras do escritório que eu trabalho. Coloquei o meu crachá e assinei a lista de voluntários de hoje.— Boa noite Shirley. — disse a moça da portaria.— Boa noite, você não falta nunca em mocinha. — ela disse rindo.— Nem no dia de minha morte Shirley. — digo atravessando o imenso corredor. De longe ouço a sua risada.Passo pela secretária.— Emma. — Cris a supervisora chefe me chama.— Oi. — respondo.— Você pode fazer um turno ao domingo? Estamos com poucas pessoas pra fazer atividades com as crianças. Se não for te incomodar é claro. — ela diz com aquela cara de cachorro sem dono.— Tudo bem, eu venho sim. — respondo.— É sério? Muito obrigada mesmo. — ela diz sorrindo. — Vou colocar o seu nome na escala então.— Ta bom. — digo.— Hoje você vai ficar com as meninas na cozinha?— Sim, hoje é entrega de marmita né?— É sim.— Eu vou lá. — digo.— Ta bom, obrigada viu por se dispor, que Deus te recompense em dobro.— Amém. — dou um breve sorriso.Vou pelo corredor do lado que leva até os fundos, aonde fica a enorme cozinha. As próprias mulheres ajudadas pelo centro comunitário ajudam a fazer as marmitas que são feitas toda segunda, quarta e sexta.São os dias que conseguimos ajudar a maioria dos moradores de rua e pessoas em condições precárias da cidade e eu amo fazer parte disso, eu me sinto bem quando estou aqui, é como fazer parte de algo que encaminha o mundo pra ser um lugar mais acolhedor, igual e respeitoso, mesmo sabendo que ainda estamos muito longe dessa realidade, saber que conseguimos fazer o bem sem querer nada em troca já aquece o meu coração e me deixa feliz pra seguir a vida, dia a pós dia.