Capítulo 2 Ivy

Aos 6 anos meus pais morreram de overdose, eles eram drogados e sempre me deixavam sem comer por vários dias, suja e sozinha, não sei como conseguir sobreviver a minha infância.

No fatídico dia em que Nelson e Vitória morreram, eles tinham acabado de voltar depois de alguns dias fora, ainda bem que quando eles saíram da última vez deixaram comida, bem que bolacha água e sal não é comida para uma criança de 6 anos, mas era o que tinha e foi isso que não me deixou morrer de fome, mesmo com pouca idade já tinha certo entendimento, sabia que meus pais não eram boas pessoas, eles roubavam na maioria das vezes para sustentar seus vícios, havia muitas pessoas que não gostavam deles por esse motivo, sempre estávamos nos mudando, por que eles sempre aprontavam nos bairros em que chegávamos, na maioria das vezes as pressas por que eles ficavam com medo de apanhar dos moradores.

Dessa última vez que saíram Nelson e Vitória tinha ficado pelo menos uma semana fora, o lugar que estávamos na época era novo, um barraquinho em uma favela na qual não me lembro muito, mas acho que era da Rocinha, não lembro ao certo, na semana que voltaram eles estavam brigando muito, mas nesse dia em especial me lembro bem. Nelson saiu de casa com raiva de algo que Vitória havia dito, e quando voltou, já chegou bêbado com uma bolsa e pela primeira vez na vida ele me chamou de filha e me deu uma bolacha recheada, suco de Canudinho de uva e um pirulito, eles nunca me trataram bem, sempre me batiam, então pela primeira vez senti que Nelson poderia ser um pai de verdade. Criança inocente qualquer migalha de carinho já me animava.

 Nelson deu tudo para mim e me mandou ir para o quanto e disse para não sair de lá se ele não chamasse, e fiz o que ele pediu, comi e dormir, acordei no outro dia e fiquei lá onde estava, por que ninguém havia me chamado, o dia foi passando, a fome chegando, a vontade de ir ao banheiro também, pensei em fazer xixi perto da parede, mas se vitória sentir-se o cheiro iria me bater, e se saísse sem ser chamada iria apanhar de Nelson, mesmo com medo decidi levantar ,então levantei do colchão velho que tinha ali para mim dormir e sair do quarto, vi os dois deitados no chão, pensei que estivessem dormindo, passei por eles e fui procurar algo para comer, havia um pedaço de pão duro, comi, tomei água, fui fazer o xixi, aprendi desde mais nova a tomar banho sozinha, não tinha roupa limpa, então vestir a mesma que estava.

 Sai na porta para brincar com a filha da vizinha que sempre me dava comida, Dona Lúcia era legal, quando ela me via já perguntava se tinha comido, tomando banho, mesmo dizendo que sim ela sempre me fazia entrar em sua casa, me dava banho, colocava-me uma roupa limpa de sua filha Pietra e me alimentava, enquanto ela penteava meus cabelos que sempre foram cumpridos, dizia que se ela tivesse condições ela me pegaria para criar, essa era uma ilusão que tive quando criança, que dona Lucia pudesse ser minha mãe, Pietra minha Irmã e nós três iriamos ser felizes para sempre, porém havia Tião marido dela que não gostava de mim e nem de criança nenhuma, nem da filha ele gostava, então ela sempre me mandava embora quando ele estava quase chegando do serviço.

Já no fim da tarde dona Lúcia fez um potinho com comida para mim, e me levou em casa.

- Será que seus pais, se é que se pode chamar aqueles dois de pais ne minha filha! já acordaram? Vamos lá vê.

Assinto para Dona Lúcia que foi entrando na frente e quando viu Nelson e Vitória no chão gritou por socorro, eles já estavam mortos a horas, como na favela não podia chamar polícia, Dona Lúcia chamou os homens do comando que na época não entendia muito bem o que era comando, para saber o que tinha que ser feito.

Eu fiquei observando tudo, não entendia muito bem o que estava acontecendo, quando chegou o chefão, olhou meus pais no chão jogados já mortos e mesmo assim  atirou neles, fiquei assustada com o barulho e chorei foi ai que ele me viu e perguntou o que uma criança fazia ali, Dona Lúcia logo disse que era sua sobrinha e me tirou daquele lugar, ainda chorava quando dona Lúcia me levou pra sua casa, em seguida seu marido chega, ele pergunta o que faço na casa dele, dona Lúcia trata logo de explicar e mesmo dizendo que meus pais morreram, e eu correndo o risco de morrer também por que aquela bolsa que Nelson trouxe para casa, ele tinha roubado de um traficante, e as drogas que estavam lá eles tinha usado tudo por isso mesmo mortos ele atirou neles e ainda iria me matar por ser filha daqueles dois, Dona Lúcia me salvou da morte, mas Tião seu marido não me queria lá, então a única solução era ela procurar alguém para me deixar, por que ela nunca iria me deixar na rua.

Foi aí então que ela lembrou de uma prima dela que morava no Vidigal morro próximo a Rocinha, ela ligou para essa prima e explicou tudo e a tal prima concordou em ficar comigo, no mesmo dia ela foi me buscar, olhei aquela mulher que parecia ser boa, carinhosa, até me chamou de filha, mal sabia eu que a minha vida a partir dali seria um inferno.

Deise era aparentemente uma mulher boa, de cara ela enganava bem, se dizia cristã, ia a igreja, na frente de todos me tratava como uma filha de verdade, mas só eu sabia o que passa nas mãos daquela mulher, só quando chegávamos em casa que ela tirava a máscara, fiquei com ela até os 12 anos, o lado bom é que pude estudar até essa idade, sempre fui muito inteligente, um Q.I acima da média, me diziam que eu era autodidata aprendia as coisas sozinhas, línguas principalmente, aos 12 anos tinha pulado algumas séries, o normal seria uma criança de estar 12 anos está no 7 ou 8 ano do fundamental, eu já estava no 1 ano do ensino médio, quase ninguém conseguia acompanhar meu raciocínio, isso a deixava muito irritada, ela me batia por tudo, até por respirar ao lado dela, sempre dizia que eu queria me aparecer, que queria chamar atenção, aí as coisas ficavam ruins, ela me dava surra de cinto, toalha molhada, galho seco o que tivesse na hora ela não pensava duas vezes.

Cheguei no limite, cansada de apanhar, decidir que do jeito que estava não dava mais para continuar.

Aos 12 anos estava no 1 ano do ensino médio sempre adorei ler, aprender, tinha muita facilidade em memorizar, estava tendo um concurso de soletrar na escola e eu estava participando, como já era esperado ganhei em primeiro lugar e por participar dessa atividade ganhei como prêmio uma caixa de chocolate esse foi o dia mais feliz da minha vida, mas fiquei com receio de chegar em casa com esses chocolates e receber algum castigo da Deise, coloquei a caixa na mochila e fui para casa.

A escola era um pouco longe e como Deise nunca me daria dinheiro para o ônibus, todos os dias ia e voltava andando, por mais longe que fosse eu gostava, só não gostava dos olhares que sempre recebia dos homens, principalmente dos velhos, sentia medo por isso sempre estava correndo, com 12 anos tinha corpo de moça, eu era baixinha tinha 1,53 de altura, branca que nem sebo, cabelos castanho bem claros  compridos passando um pouco da bunda, seios médios e isso me incomodava bastante, cintura fina, bunda grande o que sempre chamava muita atenção e olhos de um de azul meio cinza, a parte mais bonita em mim, sempre que me olhava no espelho admirava meus olhos.

Chego em casa por volta de 12:40, assim que passo pela porta Deise me para.

- Chegou tarde hoje por que, tu achas que o almoço vai se fazer sozinho garota? anda, anda, te manda para cozinha, e capricha por que hoje vou ter visita.

- Sim Senhora!

Faço o que ela manda, nem troco de roupa, apenas coloco a mochila na mesinha e vou para cozinha, olho tudo e vejo que ela tirou um frango e estava já descongelado, a visita deve ser importante para ter frango no almoço, será que ela vai me deixar comer hoje? me pergunto, já oro para Deus pedindo para que sim.

 Deise não me deixava almoçar com ela, na maioria das vezes não almoçava ou jantava, só comia quando estava na escola, lá eu repetia 2 a 3 vezes, comia bem por que sabia que aquelas seriam minhas únicas refeições do dia, só comia em casa quando ela recebia visita, Deise ganhava muitas coisas a minha custa, ela sempre dizia que era uma alma caridosa, que recebeu uma criança na sua casa vítima da violência, ela sempre contava minha história como vir parar com ela e com isso ela recebia muitas doações principalmente da igreja que ela frequentava, roupas, sapatos, cesta básica, só que ela nunca me dava nada, todas as doações feitas para mim ela vendia, uma coisa ou outra ela separava e me dava, até por que ela tinha que manter as aparências de boa "mãe".

Finalizo o almoço, ela me obrigou a aprender a cozinhar quando tinha 8 anos, apanhei muito até aprender a fazer um café, Deus!... aviso que já estava tudo pronto e peço para tomar banho.

- Posso tomar banho agora? - ela me olha e suspira.

- Vai, vai, mas vou logo te falar, não quero ver tua cara por aqui quando minha visita chegar, não quero que ele te veja, esse homem é meu ENTENDEU BEM?

Ela praticamente gritou essas duas últimas palavras, já tinha percebido que Deise tinha ciúmes quando alguém elogiava minha beleza, isso tantas vezes foi motivo para t***s na cara, por isso nunca tive amigos na escola ou em qualquer lugar para evitar surras, vou para o quarto onde Deise me deixava dormir as vezes, na maioria das noites dormia em um colchão velho que fica ao lado da máquina de lavar na área de serviço, Deise dizia que isso era castigo para mim refletir sobre minhas ações, mas prefiro dormir ao relento do que apanhar.

Pego uma roupa limpa e vou para o banheiro, passo uns 10 minutos no banho e saio, fecho a porta de devagar assim que me viro para voltar para o quarto esbarro em alguém e acabo caindo, um homem me estende a mão para me ajudar a levantar, mas não aceito, me levando sozinha, ele entende que não quero ajuda e mesmo assim não se afasta, tento passar por ele, mas ele não deixa.

- Mocinha lindinha você, como se chama? eu sou João amigo da Deise não sabia que ela tinha uma filha tão linda.

Antes de poder responder Deise aparece no corredor, e só pelo olhar que ela me dirigiu já sei que estou muito ferrada, abaixo a cabeça e peço licença para passar, o tal João se afasta e pergunta para Deise:

- Você não me disse que tinha uma filha – ele pergunta a Deise.

- Essa é a Ivy, é uma longa história que outro dia te conto, agora vamos almoçar espero que goste fiz com muito carinho só para você – que mentira, essa daí não sabe fritar um ovo.

- Humm só pelo cheiro deve tá uma delícia, igual quem fez... Gostosa.

Passo pelos dois e sigo a mais de mil para o quarto e tranco a porta, respiro fundo já imaginando o que vai acontecer comigo, não gostei do olhar daquele homem em mim, como já sei que não vou comer mais hoje, pego minha mochila e abro a caixa de chocolate enfio um na boca, já tinha esquecido de como chocolate era bom,  algumas horas depois ouço uns barulhos estranhos vindo do quarto ao lado, gemidos e palavrões, tento me concentrar na atividade da escola, mas fica difícil, a tarde passa voando, já são quase 5 da tarde, os barulhos pararam faz um tempo, saio do quarto na esperança de não cruzar nem com esse homem e nem com a Deise, tenho sorte não tinha ninguém no corredor, entro no banheiro depressa quando fecho a porta, levo um susto quando de repente a porta se abre e o tal João entra por ela fechando-a, tremo toda com medo não tenho reação nenhuma, ele se aproxima e passa a mão no meu rosto.

- Caralho tu és muito lindinha nunca vi garota mais linda, tem quantos anos?... Não importa - ele passa mão pelo meu corpo e aperta minha intimidade - essa bocetinha deve bem rosadinha, gostosinha, vou adorar te fazer mulher.

Quero gritar, mas só consigo chorar, tento me afastar, mas ele aperta forte meu braço, quando ele tentar abaixar meu short a porta se abre e Deise aparece, ela a princípio fica assustada com que vê em seguida fica com raiva.

- Ivy vai para o quarto - João me larga e saio correndo, ainda escuro a Deise o questionar - QUE MERDA ESTAVA ACONTECENDO AQUI JOÃO? o que tu ias fazer com a garota? Passar a tarde toda me comendo não é o suficiente?

- Tá doida mulher, tá pensando o que? Não te devo satisfação não e foi essa garota que se ofereceu para mim beleza sou homem, como mesmo e quer saber tô indo nessa falô! Quando quiser tirar o atraso de novo sabe onde me achar.

- TA CERTO!!! TE LIGO

Escuto os dois falando, ele me culpou, não tenho nem tempo de pensar, a porta se abre num estrondo e Deise surgi com um fio elétrico, eu já sei o que vai acontecer, tento falar mas não consigo, Deise me acerta a primeira lapada e continua até não ter mais força nas mãos, não sei ao certo quando parou, já não sentia mais nada, não sentia mas nem dor, ali deitada naquele chão suja de sangue decidir ir embora, não sei para onde ou como, só sabia que dessa noite não passava.

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