Rude, Frio e Impiedoso

Encaro por alguns segundos o homem que durante toda a minha vida serviu como exemplo e inspiração, tentando acreditar do que ele se transformou, e então saio em silêncio. Me despeço de Dory e decido ir para a minha casa, pois não sinto mais um pingo de ânimo para voltar ao trabalho.

Ao entrar no banheiro, ligo o chuveiro e a água quente começa a cair suavemente sobre mim. As lágrimas se misturam com as gotas, escorrendo pela minha pele e deixando um gosto salgado nos meus lábios. Cada respiração é um suspiro pesado, enquanto tento conter a avalanche de emoções que ameaça me consumir.

A todo o momento me pergunto se mereço passar por mais esse sofrimento, ao aceitar me casar com um homem como o Noah, que num primeiro momento me pareceu tão gentil e cavalheiro, e agora se mostrou um homem rude, frio e impiedoso.

Quando finalmente sinto o meu corpo menos pesado e o coração menos apertado, desligo o chuveiro e me seco cuidadosamente. Olho para o espelho embaçado, observando o reflexo de uma mulher que parece ter envelhecido anos em questão de meses. 

Antes que pudesse terminar de me vestir, recebo uma ligação de Emma, pedindo para me encontrar na casa dos pais dela. Em poucos minutos, estou a caminho, deixando para trás o conforto temporário do banheiro.

— Oi, Ava! — Emma diz ao me abraçar calorosamente — Sei que você deve estar cansada do trabalho, mas precisava que viesse até aqui.

— Tudo bem, na verdade, quase não trabalhei hoje.

— Você sumiu durante todo o dia.

— Esse dia foi um dos piores, amiga — Digo desanimada assim que nos sentamos no imenso sofá branco da sala de estar. — Se iniciou tão bem por saber que a cirurgia da minha mãe acontecerá nos próximos dias, e então surgiu o Noah me cobrando o relógio e me propondo um absurdo, Emma.

— O que ele propôs, amiga? Você pediu um tempo a ele?

— Sim, ele me deu um novo prazo até amanhã de manhã para devolver o relógio ou…

— Ou… — Emma me encara de um jeito confuso e assustado em simultâneo — Não me diga que ele te ameaçou, Ava!

— Não, isso não, na verdade, julgo ser ainda pior, pois certamente a morte seria melhor. Ele me propôs um casamento, Emma.

— O quê?! — Ela exclama, surpresa. — Claro, Ava! Ele não está fazendo isso pelo relógio. Amiga, ele está apaixonado por você, ou melhor, está obcecado por você.

— Óbvio que não, Emma! Ele me disse que tudo será contratual, com certeza ele pretende continuar a se vingar de mim através disso. Fiquei tão desesperada que fui atrás do meu pai e ele me humilhou novamente — Falo com a voz embargada — Eu preciso recuperar esse relógio até amanhã, não posso me casar com um homem como o Noah, Emma, não quero sofrer ainda mais.

— Amiga, eu prometi te ajudar, não foi? — Ela sorri enquanto segura e acaricia as minhas mãos — Os meus pais chegaram de viagem pela manhã, eu conversei com eles e expliquei a sua situação, e eles não pensaram duas vezes em te ajudar. Tudo dará certo!

— Eu não acredito, Emma — A abraço empolgada e ficamos assim por alguns breves minutos, até os pais dela aparecerem.

— Ava, querida! — Ada, mãe de Emma, me abraça carinhosamente e se senta ao meu lado.

— Oi, tia, Ada! Como foi a viagem de vocês?

— Foi ótima, Ava! Santorini parece ficar ainda mais atraente a cada ano. George não parou um segundo sequer.

— Tem certeza que fui eu, Ada? — George, pai de Emma, brinca ao se juntar a nós três — Vocês precisavam ver, Ada parecia uma adolescente empolgada, não queria parar no hotel.

— Fico feliz que tenham se divertido e aproveitado a viagem.

— Nós também, estávamos precisando — Ada segura a minha mão enquanto faz pequenos círculos em cima dela, de maneira reconfortante — Ava, querida, a Emma explicou o seu problema, por que não nos ligou e nos avisou o que estava acontecendo?

— Não quis atrapalhar a viagem, tia.

— Vocês nunca atrapalham, Ava. — George responde. — Você sabe que pode contar conosco sempre que precisar. Olha a encrenca que você se meteu, menina.

— Nem me lembre, tio.

— Enfim, vamos resolver logo tudo isso para que você possa aproveitar a boa fase que virá de agora em diante.

Conversamos por um tempo e, por fim, George realizou a transferência do valor do relógio para minha conta, trazendo um alívio imediato. Após nos despedirmos no jantar, retornei para casa. 

No entanto, a ansiedade de recuperar o maldito relógio de Noah e livrar-me da absurda ideia de casamento com ele, me impede de encontrar o sono. 

Pela segunda vez consecutiva, observo o nascer do sol. Após um café forte e uma maquiagem para disfarçar as olheiras, dirijo-me novamente à loja de penhores.

— Bom dia, senhor! — cumprimento o homem, que desta vez parece menos entediado.

— Bom dia, senhorita! Veio trazer outro relógio? Hoje posso fazer uma oferta melhor que da última vez.

— Na verdade, vim pagar pelo relógio que deixei aqui. — informo enquanto acesso meu celular para efetuar a transferência. Ele me encara com um sorriso.

— Onde ele está?

— Sinto muito, senhorita. Mas o vendi ontem. Uma senhorita muito elegante procurava um presente para o namorado e se encantou por ele.

— Isso está completamente errado! — exclamo, pegando o papel que ele me entregou quando deixei o relógio. — Aqui está escrito que tenho uma semana para recuperar o item penhorado.

— Leia as letras pequenas, senhorita.

— Letras pequenas? — questiono, examinando os caracteres quase invisíveis no final da folha. Logo após a frase "não nos responsabilizamos por eventuais danos", encontro a seguinte condição: "o prazo para reaver o item poderá ser alterado caso seja feita uma oferta de maior valor". — Isso está completamente errado! Senhor, eu preciso daquele relógio, é uma questão de vida ou morte. Você entende isso? Meu futuro depende daquele relógio!

— Lamento, senhorita, mas estava escrito aqui o tempo todo. Deveria ter lido antes de sair daqui. Além disso, a senhora negociou um valor muito superior ao que paguei, não podia deixar passar essa oportunidade.

Respiro profundamente, contendo a imensa vontade de desabafar, evitando causar um escândalo que só traria mais dores de cabeça para ambos. Dirijo-me em silêncio para evitar desentendimentos e terminar com a loja quebrada.

Ao chegar à empresa, assumo não só as minhas responsabilidades, mas também as do meu pai, que está ausente. Já que se tornou meu papel representar a empresa na sua ausência.

Após a segunda reunião do dia, retorno à minha sala e verifico o celular. Ao constatar que Noah ainda não entrou em contato, sinto um alívio temporário. "Talvez ele tenha desistido dessa ideia absurda", penso. Contudo, não demora para receber uma mensagem dele, avisando que está a caminho.

— Srta. Hampton, — Florence, minha secretária, interrompe enquanto analiso uma proposta apresentada na reunião —, há dois senhores na sala de espera que desejam falar com a senhorita. Já informei que não há nenhum horário disponível em sua agenda, mas um deles insiste em permanecer aqui até ser recebido.

— Identificaram-se, Florence? — Reviro os olhos e coloco os papéis de lado, já sabendo quem são.

— Sim, Sr. Ewing e Sr. Spencer.

— Por favor, permita a entrada deles e solicite à Srta. Moore que venha até aqui.

 — Com licença.

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