Tempo Perdido
Tempo Perdido
Por: Bran O'Connor
Prólogo

Certamente você pode pensar que tudo no mundo é muito simples, que todas as coisas seguem seu ritmo e cabe a nós apenas estar ali e esperar pelos seus resultados. Mas esquecem-se que a cada movimento nosso, mesmo o mais leve balançar de mãos ou mesmo uma palavra dita pode mudar nosso destino. Essa história que estou prestes a contar é sobre como mesmo o céu que é onde nosso destino é decidido pode ser mais sensível do que você imagina.

Nossa história começa em um pequeno povoado no interior do Japão feudal, onde ele ainda era divido em inúmeras províncias e cada uma delas de responsabilidade de um senhor feudal, onde ele providenciava proteção, por meio dos muros ao redor da propriedade, dos inúmeros soldados, recursos para plantio e área para construção das casas, claro que os camponeses pagavam por isso com parte de seu plantio e impostos. O Japão estava passando por uma época de muitas guerras civis por disputas de poder e territórios, mas o feudo de Izu vivia em paz, diziam que por ser protegidos por dois objetos sagrados.

Chiyo Saito era uma garota alegre, filha da xamã da vila, mas apesar disso possuía seus próprios dons. Ela podia através da meditação e do seu toque entrar no sonho das pessoas, e através disso ajuda-las seja decifrando as mensagens deles, seja revelando os recados de seus entes queridos ou mesmo trazendo conforto para a sua dor. Por conta disso, todos daquele lugar apreciavam a pequena Chiyo, então por onde ela passava as pessoas a cumprimentava com saudações alegres, lhe dedicavam sorrisos e até pequenos relatos de como a intervenção dela ajudou a melhorar a vida deles. Mas como eu havia dito antes, a mãe de Chiyo, a senhora Kaede, era uma xamã, então estava acostumada a ter contato com espíritos, coisas que já não estão aqui conosco, premonições, vislumbres de coisas futuras. E num desses pressentimentos decidiu alertar sua filha mais uma vez.

— Chiyo, minha filha, quantas vezes preciso lhe pedir? Pare de ajudar essas pessoas. Não quero que você tenha o mesmo destino que o meu — Kaede falou com um misto de angustia e tristeza, pois em parte sabia já ser tarde para esse tipo de aviso.

— Mas mamãe, eu gosto tanto de ajudar. De ver o sorriso das pessoas ao verem as suas angustias serem resolvidas e depois virem me contar e eu saber que foi porque ajudei — a menina falava empolgada com um sorriso nos lábios.

— Você já está em idade de se casar minha filha, falei com a casamenteira esta tarde. Você verá como será melhor assim.

— Não quero que seja assim, quero que o amor chegue para mim junto com a brisa e quando ele vier me casarei, seja ele quem for — Chiyo disse impetuosa.

— Sabe bem que não é assim que funcionam as coisas, só porque não tem um pai aqui não quer dizer que pode se casar com quem quiser, a tradição diz que a casamenteira deve escolher e assim será. E não vamos falar mais nisso.

— ...

Quando Chiyo estava prestes a responder a mãe, ouviu-se uma estrondosa batida na porta seguida por um anuncio:

— Saito Chiyo, abra a porta em nome do Senhor Feudal Izu, ele convoca sua presença imediatamente no palácio.

— O que foi que eu disse — sua mãe limitou-se a responder.

Sem nem imaginar do que se tratava a menina se vestiu com a melhor roupa que tinha, afinal iria até o palácio, colocou o manto da mãe, pois o seu estava curto e foi escoltada pelos guardas até o castelo. Chegando lá, para ela parecia estar entrando num mundo novo, havia um amplo jardim gramado, com canteiros floridos, mesmo eles estando em época de seca. Mais adiante tinha um pequeno lago privado, com um coreto próximo, onde podia-se ficar ali observando os peixes ou mesmo pescar, mais a frete ficava o castelo propriamente dito, que era na verdade uma enorme casa, com inúmeras portas, ladeada com piso de madeira polida, onde você podia se ver refletido, também haviam inúmeras lanternas de papel iluminando o lugar. Chiyo foi conduzida até uma das salas onde um senhor vestindo um requintado quimono de seda aguardava sentado sob uma almofada, assim que entrou foi indicado para que se sentasse na almofada a frente.

— Sabe porque pedi para te chamar? — indagou o senhor.

— Não senhor, Dáimio Izu.

— Alguns empregados me disseram que você pode ler sonhos. Isso é verdade?

— Sim senhor.

— O meu filho está dormindo tem alguns dias e não acorda, já fizemos oferendas pra arvore sagrada, o monge já veio até aqui orar por ele, e mesmo assim nada resolveu — Izu falou de maneira séria olhando para a pequena moça a sua frente — Quero que leia o sonho dele e me diga o que está errado.

— Tudo bem.

Então Chiyo foi levada até o aposento onde o jovem mestre repousava, ele estava deitado em meio as cobertas, tinha os olhos fechados com força, os lábios contraídos, sua pele estava pálida, assim como seus lábios. Sua expressão era de medo, de sofrimento, ao seu redor tinham incensos, velas, oferendas aos deuses e aos antepassados, mas nada disso parecia resolver o que afligia os sonhos daquele jovem. E como alguém que está acostumada a cuidar dos outros Chiyo, sentou-se ao lado do rapaz, segurando sua mão, fechou seus olhos e aos poucos foi entrando com seu espírito no campo dos sonhos dele.

Quando chegou lá só havia caos, o rapaz estava sentado sobre uma pequena casa vermelha, parecida com uma lamparina, dentro dela queimavam os incensos e as velas deixadas pelos seus familiares durante as orações para cuidar dele. E ao redor havia centenas de espíritos perturbados, espíritos vingativos, que tentavam alcança-lo, mas que não conseguiam por ele estar naquela posição. Chiyo ficou com muito medo, quis ir embora imediatamente, mas tinha um trabalho a fazer, havia brigado com sua mãe não tinha muito tempo por gostar de ajudar pessoas e agora com uma que mais precisava de sua ajuda, não iria fugir, então respirou fundo algumas vezes e caminhou até um dos espíritos tocando-lhe o ombro.

— Senhor, senhor. Por que atormenta este jovem rapaz? — disse com a voz mais firme que pode.

— Porque a família dele destruiu a minha e a de muitos outros que estão aqui, nós não temos um tumulo, não somos velados, não somos lembrados, estamos vagando, estamos perdidos — o espirito do velho senhor falava enfurecido — então um a um vamos levar os membros desta família até que tenhamos um lugar de descanso.

— Entendo, se eu conseguir que vocês tenham um tumulo adequado num lugar ao sol, com flores e incenso uma vez ao ano, vocês deixam o rapaz em paz?

— Eu sim minha jovem, mas alguns aqui não é tão simples.

— Só um instante eu já volto — Chiyo disse antes de se retirar da mente do rapaz e voltar ao mundo mortal.

Um pouco sem folego e pálida, ela se levantou e seguiu para a sala onde se encontrava o senhor Izu, para relatar o ocorrido e verificar o que poderia prometer aos mortos. Assim que entrou na sala, lhe fez a reverencia apropriada e lhe foi permitida a palavra.

— Seu filho está em perigo, ele está cercado por centenas de espíritos vingativos, está protegido apenas pelas velas e incensos que há no quarto com ele — Chiyo falou de forma séria sem aparentar a pouca idade que tinha.

— E você pode destruí-los? — quis saber o senhor feudal, claro porque sempre é mais simples destruir do que cuidar.

— Não é possível destruir todos sem que cause danos ao seu filho. Eles precisam ser consolados.

— Consolados? Como?

— Alguns foram mortos por soldados da sua família ao longo dos anos, então seus ossos estão na floresta, eles desejam um tumulo, e ser cultuados no dia dos antepassados. Outros querem apenas que sua história seja ouvida, mas há muitos são centenas.

— E como saberemos onde estão esses ossos?

— Se o senhor me der alguns dias posso consolar os espíritos que atormentam o seu filho e dizer onde os ossos estão.

— Que assim seja então. Até que meu filho acorde você virá todos os dias ao palácio, um escriba ficará com você para que anote a localização dos ossos.

E assim foi feito durante muitas semanas Chiyo ia todos os dias ao palácio, sentava-se ao lado do leito do jovem senhor, segurava sua mão e mergulhava dentro do seu subconsciente e lá começava seu trabalho de consolar os espíritos, alguns contavam suas histórias, outros das coisas que deixaram de realizar, alguns deixavam recados para seus descendentes vivos e aqueles sem um tumulo deixavam a localização de seus ossos. Para todos eles Chiyo dava a mesma atenção, e lá do alto da casa vermelha o jovem mestre observava a multidão de espíritos ir diminuindo pouco a pouco, ele podia sentir suas forças voltando e sabia que era por causa dela, em nenhuma das vezes ele havia escutado a voz dela ou tido a coragem de descer, mas sabia que ela estava ali por ele e sempre que ela sumia por algumas horas, ele se sentia sozinho, angustiado. Mas assim que a via aparecer como mágica no alto da colina e vir descendo devagar, para ele era como o nascer do sol todas as manhãs. E então num dia quando os espíritos tinham diminuído tanto que ela estava próximo a pequena casa vermelha, ele tomou coragem e gritou por ela, enquanto ela falava com uma senhora baixinha.

— Ei, menina. Ei, aqui — gritava a plenos pulmões.

— Jovem mestre? Está tudo bem? — Chiyo perguntou preocupada, afinal era a primeira vez que ele falava alguma coisa.

— Qual o seu nome? — ele ignorou a pergunta dela.

— Chiyo. Me chamo Saito Chiyo, moro na aldeia sou filha da senhora Kaede, estou aqui para te ajudar.

— Já percebi isso, faz muito tempo que não me sentia como eu mesmo como agora. Mas me chame de Hiroshi, alguém que está dentro da minha cabeça a tanto tempo tem o direito de me chamar pelo nome.

— Jovem mestre. Digo Hiroshi, preciso terminar minha tarefa o senhor está adormecido a quase dois meses isso não faz bem ao seu corpo

— Então prometa que quando acabar conversaremos quando eu estiver acordado.

— Não acho uma boa ideia, o senhor é filho do senhor feudal, eu sou a filha de uma xamã, uma mãe solteira.

— Prometa ou não vou deixar que termine, sempre que sair da minha cabeça vou fazer algo para atrapalhar.

— Prometo — Chiyo disse vencida.

Sem saber que essa promessa seria o início de uma coisa bem maior, que desencadearia muitas coisas para muitas pessoas daquela cidade.

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