Mundo de ficçãoIniciar sessão
O crepúsculo descia sobre o condado de Ravenshore como um véu de cinzas. As árvores, retorcidas e úmidas pela neblina constante, inclinavam-se sobre a estrada de terra, formando arcos naturais que pareciam observar a carruagem que avançava lenta, rangendo sob o peso da chuva.
O vento uivava entre os galhos como um lamento antigo. O cheiro de terra encharcada misturava-se ao da madeira molhada, e cada trovão parecia vibrar nas costelas dos cavalos. Dentro da carruagem, Sophia Halloway tentava ignorar o frio que se infiltrava por entre as frestas da janela. Enrolada em seu xale de lã, observava o campo enevoado, onde sombras dançavam sob o relâmpago como figuras de outro mundo. Era sua primeira vez tão longe de Londres — e a sensação era de que havia deixado não apenas a cidade, mas o próprio mundo para trás. Tudo em Ravenshore parecia mais antigo, mais silencioso, como se o tempo ali tivesse parado para ouvir os sussurros da terra. Seu pai havia morrido meses antes, deixando-lhe apenas dívidas e uma carta da irmã dele, Lady Margaret, convidando-a a viver em sua propriedade no interior. O convite soara generoso demais — e agora, com o som distante dos lobos ecoando pela mata, Sophia começava a se perguntar se não havia sido também uma armadilha. — Ainda falta muito? — perguntou ao cocheiro, erguendo a voz sobre o barulho da chuva. — Não mais que uma milha, senhorita — respondeu ele, sem olhá-la. A voz soava tensa, apressada. — Mas convém rezar para que os portões ainda estejam abertos. — Portões? — ela perguntou, franzindo o cenho. O homem não respondeu. Apenas chicoteou os cavalos, impaciente. Sophia se voltou para a janela. O vidro embaçado refletia seu próprio rosto pálido, o cabelo ruivo desgrenhado escapando do coque, os olhos verdes arregalados. Por um instante, pareceu ver outro par de olhos — escuros, fixos, onde não deveria haver ninguém. Ela piscou. Nada. Apenas o bosque denso e a névoa engolindo o caminho. Mas então, algo se moveu entre as árvores. Rápido demais para ser humano. O coração dela acelerou. Um estalo seco. Depois, um relincho. Os cavalos empinaram, e a carruagem inteira sacudiu como se tivesse sido atingida por algo invisível. Sophia gritou quando o veículo derrapou e tombou de lado. O mundo girou — e tudo se fez silêncio. Ela sentiu o gosto metálico do sangue no lábio e o cheiro forte da lama entrando pelas frestas. Por um momento, ficou ali, ofegante, até que o medo venceu o choque. — Senhor? — chamou, tentando sair. — Está tudo bem? Nenhuma resposta. O silêncio lá fora era pesado demais. Quase... atento. Sophia empurrou a porta com esforço e caiu na lama. O vestido, agora encharcado, colava-se à pele, e o frio cortava seus ossos. O cocheiro não estava mais no assento. Apenas as rédeas balançavam sozinhas. Ela engoliu em seco. E então viu. À frente dos cavalos, uma sombra imóvel. Alta, esguia, envolta por um sobretudo escuro. A chuva escorria por ele sem molhá-lo. Quando deu um passo à frente, o ar pareceu mudar — pesado, denso, como se a própria noite prendesse a respiração. Sophia recuou instintivamente. — Está ferida? — a voz dele quebrou o silêncio. Grave, rouca... e estranhamente suave. Ela hesitou, tentando enxergar o rosto sob o capuz. — Eu… acho que não. Mas… meu cocheiro… desapareceu. Ele se aproximou mais um passo, e o relâmpago iluminou o contorno de um rosto: feições marcadas, maxilar firme, a pele branca como mármore — e olhos tão escuros que pareciam não refletir a luz. — Vá para a estrada — disse ele, a voz baixa, quase um comando. — Este lugar não é seguro. Ela sentiu o estômago se revirar, não apenas pelo medo. Havia algo na presença dele… uma força que a fazia querer obedecer, e ao mesmo tempo, o impulso contrário — o de se aproximar. — Quem é o senhor? — perguntou, a voz tremendo mais de curiosidade que de pavor. Ele sorriu. Um sorriso lento, frio, mas... belo. Não havia calor nele, mas algo que a fez estremecer. — Apenas alguém que prefere a noite. Ela o observou. O capuz deixava entrever o brilho de uma fivela dourada no colarinho e o reflexo de algo como uma corrente prateada, fina, no pescoço. Mas o que realmente a perturbou foi perceber que ele não parecia respirar. Um raio iluminou a estrada — e por um instante, ela teve certeza de que os olhos dele brilharam em vermelho. Sophia deu um passo para trás. — O senhor… mora por aqui? — De certa forma. — Ele inclinou a cabeça, avaliando-a. — E a senhorita, o que faz sozinha em Ravenshore, à beira da noite? — Estou indo à mansão Halloway. Lady Margaret é minha tia. Por um momento, algo mudou na expressão dele. Um reconhecimento silencioso, um vestígio de interesse… ou de lembrança. — Então é você — murmurou, quase para si. — O quê? — ela perguntou, mas ele não respondeu. Um trovão sacudiu o chão. Quando Sophia piscou, ele já não estava mais ali. Ela girou, o coração martelando. A estrada estava vazia. Apenas a chuva fina caía outra vez, como se nada tivesse acontecido. Mas o ar ainda carregava o cheiro doce de rosas esmagadas. Sophia olhou para baixo — uma pétala vermelha estava presa à barra de seu vestido. Pegou-a entre os dedos, e por um instante, jurou sentir o calor de um corpo recente naquele pequeno fragmento. O cocheiro foi encontrado alguns minutos depois, correndo pela estrada, pálido, jurando ter ouvido um sussurro dentro da floresta. Nenhuma alma acreditou nele, mas Sophia... acreditou. Quando finalmente chegou à mansão de sua tia, ainda trêmula, jurou não contar a ninguém o que vira. Mas ao atravessar o grande hall de entrada, viu, sobre a mesa de mármore, uma única pétala vermelha. E, na névoa além do portão, dois olhos escuros a observando — fixos nela, como se já a conhecessem.






