Capítulo 3

Lavínia

Estava terminando de fechar a loja de cristais quando ouvi o som inconfundível do velho Cadillac da vovó. Herança do vovô que ela amava como se fosse um filho.

A nossa casa ficava na parte de cima da loja, precisando apenas contornar o prédio e subir pelas escadas.

Esperei ela estacionar na vaga e descer do carro com a bolsa batendo em sua bunda, ao se inclinar e puxar duas sacolas de dentro do automóvel.

Vovó podia ter setenta anos, mas ninguém podia dizer isso, ela tinha aparência de no máximo cinquenta e tão forte quanto um touro.

Caminhei até e ela e peguei as sacolas de suas mãos.

— Obrigada querida. Comprei alguns ingredientes para fazer almôndegas, deve estar faminta — ela disse, encaminhando-se para a parte de trás do prédio, a segui em silêncio e coloquei as sacolas sobre a mesa da cozinha.

— Um homem foi lhe procurar na loja... — comecei, enquanto tirava as compras da sacola.

— É mesmo? O que ele queria? — ela questionou, procurando alguma coisa em sua bolsa.

—Ele não disse, só pediu para avisá-la que os Lýkos estão na cidade. — O farfalhar dela mexendo na bolsa parou subitamente me fazendo erguer a cabeça para olhá-la. Seus olhos azuis esverdeados estavam focados em meu rosto de um jeito estranho, antes de começar a rodar pela sala colocando alguns frascos e ervas dentro da bolsa.

— Querida, se importa de pedir uma pizza? Preciso sair. — Vovó entrou em seu quarto e agachpu-se em frente a baú, tirando a chave da corrente em seu pescoço.

Seu corpo estava praticamente tapando toda a visão do conteúdo que tinha ali dentro, só via sua mão desaparecer e colocar algumas coisas na bolsa. Ela voltou a fechar o baú sobre meu olhar curioso.

— Não estou com fome. Posso ir com você? — As palavras saltaram da minha boca antes que pudesse contê-las.

— Querida, você nunca quis ir a nenhuma das minhas visitas, apesar de convidá-la muitas vezes. Por que agora? — questionou com genuíno interesse.

Por um momento pensei em contar sobre o homem e as coisas estranhas que senti ao pôr meus olhos nele e queria vê-lo de novo para ter certeza de que aquilo aconteceu mesmo.

— Acho que já está na hora de acompanhá-la, sabe que amo a loja de cristais, talvez esteja pronta para ver uma das suas seções. — Na verdade, nunca aceitei seus convites com medo e vergonha de começar a ser chamada de bruxa também. Não me orgulho disso, no entanto, mas a escola tende a ser bem cruel com quem é “diferente.”

Ela me analisou minuciosamente e por um momento me senti completamente exposta por seu escrutínio.

— Se ainda estiver interessada, poderá me acompanhar amanhã — disse encaminhando-se para porta.

Segurei seu braço impedindo-a de sair. Isso a surpreendeu fazendo-a arquear as sobrancelhas grisalhas como a cor dos seus cabelos.

— Por favor! — implorei, sem saber o porquê, só sabia que precisava ir com ela essa noite. Precisava vê-lo de novo nem que seja pela última vez e alguma coisa dentro de mim, quase uma voz sussurrada em meu ouvido me dizia que se não fosse com vovó, nunca mais o veria.

Vovó soltou um suspiro e colocou sua mão sobre a minha ainda em seu braço.

— Lavínia, a coisas que você desconhece e não sei se está pronta para isso. Aonde vou é o último lugar em que deveria levá-la para sua primeira visita. Os Lýkos são um grupo bem peculiar e tenho certeza de que deve ter percebido, pelo homem que foi até a loja, sei que deve estar curiosa, mas acredite em mim, essa não é uma boa noite para saciar sua curiosidade. — Se antes estava com vontade de ir para ver o homem de novo, agora estava curiosa para saber sobre esse “grupo peculiar.”

— Por favor, vó eu preciso que me leve com você — supliquei novamente. Não sei se foi a expressão em meu rosto, ou o que a fez soltar um longo suspiro e balançar a cabeça levemente concordando. Antes que ela pudesse desistir, peguei minha bolsa e saí logo atrás dela.

Dentro do velho Cadillac, vovó me observou por alguns segundos.

— Não sei qual motivo os Lýkos me chamaram, mas sei o porquê estão na cidade, só mantenha a mente aberta e não surte — orientou com o semblante carregado. Engoli em seco por suas palavras e toquei o cristal que repousava em meu peito, em um gesto involuntário. O tenho desde que me lembro. Vovó disse que era da minha mãe e que era para dar proteção. Lembro que na época pensei que o cristal não tinha feito muito bem seu serviço já que minha mãe havia morrido no parto. Naquele momento, seus olhos umedeceram pelas lágrimas e disse que a vida tem seu início, meio e fim e o de minha mãe, sua nora, tinha chegado ao fim pelos meios naturais e que o cristal me protegeria e me guardaria até esse momento chegar e me fez jurar nunca o tirar do pescoço. E assim o fiz, mantendo-o sempre comigo. Por algum motivo, sempre quando estava com medo, tocar a pedra me acalmava.

— Manter a mente aberta e não surtar. Entendi — respondi fazendo um gesto de continência. Vovó revirou os olhos e ligou o carro ignorando meu gesto brincalhão.

Queria perguntar sobre os Lýkos, mas permaneci em silêncio enquanto vovó dirigia pelas estradas sinuosas em direção a parte rural. Conforme ela percorria a estrada de terra, sentia o ar da noite pesado, o vento que entrava pela janela aberta, estava quente e carregado, como se estivesse prestes a cair um temporal, mas as estrelas cintilantes que brilhavam no céu era um sinal que esse, não era o caso.

Vovó virou em uma rua estreita de cascalho e vi a pequena luz no final da trilha.

Ao ver a casa, minha pulsação acelerou com expectativa e ansiedade. Não sabia o que mais me deixava ansiosa, rever o homem, ou saber mais sobre o grupo peculiar e as palavras misteriosas da vovó.

**********************************

Nikólas

O relógio marcava pouco mais de oito horas quando a batida soou na porta. Não precisava perguntar quem estava batendo, eu sabia. Sentia o cheiro de gardênias através das frestas da casa e fiquei paralisado no lugar, enquanto Hector abria a porta, dando passagem para uma senhora miúda de cabelos grisalhos com roupas espalhafatosas e coloridas.

A garota entrou logo atrás dela, minhas narinas dilataram e farejei o ar inconscientemente, me deliciando com o suave aroma de flores. Como se fios invisíveis a atraíssem, seus olhos desviaram de todos, focando-se em meu rosto do outro lado da sala.

Novamente ali estava; o chamado. A urgência quase desesperadora de fazê-la minha. Movido por puro instinto, dei um passo à frente mantendo meus olhos cativos nos seus.

“Contenha-se Nikólas.” A voz de Cibele sussurrada em minha mente, me fez congelar e apertar as mãos em punho, as unhas como garras cravadas em minha carne na ânsia de conter o lado lupino que gritava para reclamá-la.

— Obrigada por ter vindo Dona Clara — disse Hector, a cumprimentando de forma gentil. A senhora olhou para cada um de nós reunidos.

— Pensei que me encontraria com Damon — disse ela, olhando-nos com o cenho franzido.

A expressão carregada de meus irmãos se assemelhava a minha.

— Nosso pai morreu há sete anos. Ele disse muitas vezes que se precisássemos de ajuda, poderíamos chamá-la. Fui eu que a procurei — Contei focando-se na senhora e não na moça que ainda estava ao seu lado em completo silêncio.

— Sinto muito, eu não sabia. Damon era um bom homem e, por favor, me chamem apenas de Clara — exclamou com pesar, seus olhos azuis esverdeados brilharam com lágrimas não derramadas.

— Sou Nikólas, esses são meus irmãos. Eros, Hector, Adônis e Cibele. — Apresento-os apontando cada um deles que balançam a cabeça em cumprimento.

— Como já sabem, eu sou Clara e essa é minha neta Lavínia. É um prazer conhecer os filhos de Damon. — elucidou, indicando a garota com a cabeça.

— Prazer em conhecer vocês — ela disse, sua voz macia como fios de seda fazendo o lobo ronronar ao ouvi-la.

— O prazer é todo nosso, doçura — gracejou Eros, aproximando-se dela.

Um rugido saiu dos meus lábios quando ele segurou sua mão e beijou delicadamente. Antes que me percebesse, minhas mãos fecharam-se em punho e meus joelhos se dobraram em posição de ataque. O lobo grunhiu ao sentir a presença de outro macho tocando sua fêmea.

— Eros, um passo atrás, agora! Ela é minha! — vociferei com a voz animalesca, tentando controlar a fera possessiva por natureza, querendo arrancar a cabeça de meu irmão por atrever-se a tocá-la.

Um pesado silêncio caiu sobre o cômodo, meus músculos tensos, a mandíbula cerrada, enquanto lutava uma árdua batalha para manter o meu lado lupino sob controle.

O lado humano via o irmão galanteador que não podia ver uma mulher bonita sem despejar todo o seu charme. O lado animal, só o via como uma ameaça.

Eros saltou para longe ao meu comando, seus olhos cinzentos como os meus me fitaram intensamente, assim como todos na sala.

Soltei a respiração lentamente.

— Me diga que isso não é o que estou pensando? — questionou Clara. Seus olhos viajando entre nós. Lavínia estava congelada no lugar sem compreender a dimensão do que tinha acontecido ali.

Eu, inconscientemente, movido pelo puro instinto animal, havia sem perceber, reivindicado minha companheira.

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