Capítulo 2

Nikólas

No instante em que abri a porta o cheiro me paralisou. Nada nunca foi tão atrativo antes. Podia sentir mesmo por cima de todo aquele aroma de incenso e velas aromáticas na loja. A fragrância forte e acentuada de gardênias, não tinha nada a ver com as ervas que tinha ali, emanava dela, da garota do outro lado da loja.

Quando ela retirou a mecha dos cabelos do rosto e ergueu a cabeça até seus olhos negros quanto a noite mais escura focaram-se nos meus, pude sentir com tamanha intensidade o chamado. Tudo que já tinha ouvido falar, mas jamais imaginei sentir.

Meus pés se moveram de forma automática até estar diante dela. Precisava ter certeza de que o que estava sentindo era mesmo real.

Com as narinas dilatadas, segurei uma mecha dos cabelos castanhos e inalei o seu cheiro e nada no mundo pareceu tão certo.

O lobo que habitava em meu interior, rosnou em agrado e não pude segurar o som que surgiu do fundo de minha alma ao sentir o aroma peculiar e único da minha companheira.

Todos os desejos colidiram como uma avalanche de sensações que brotavam do meu peito e expandiram-se por todos os poros. Cada parte do meu ser gritava para reclamá-la.

Meu corpo inteiro vibrou com a força sobre-humana que precisei para me afastar, ao ver em seus olhos e sentir o cheiro que provinha da fêmea ao me reconhecer como seu companheiro de alma.

Saber que era neta de Clara foi uma surpresa amarga e me vi correndo antes que fizesse uma grande besteira e a beijasse como se minha vida dependesse disso e me afogasse no cheiro doce de minha amada, criada pelos Deuses só para mim.

Estacionei a moto em frente a velha casa de madeira que alugamos na parte urbana da cidade.

Por sermos um grupo um tanto peculiar, não éramos bem vindos a cidades pequenas como essa. Geralmente éramos tachados de arruaceiros, não que isso importasse de qualquer forma, nunca ficávamos muito tempo, apenas o suficiente para limpar a sujeira, antes de nos movermos de novo.

Se eles ao menos soubessem o que se escondia nas sombras.

Com uma risada amarga desci da moto e caminhei em direção a casa me sentindo frustrado por duas razões.

Primeiro que não consegui falar com Clara, segundo porque quero voltar para a loja de cristais e ficar ao lado da minha garota pela eternidade. Jesus, piegas demais.

Esfregando o rosto tentando limpar sua imagem de minha mente, entrei na velha casa de madeira.

Meus irmãos estavam espalhados pelo chão rústico. Hector estava afiando sua estaca. Adônis brincando com uma faca girando-a entre os dedos de forma habilidosa, Eros era o único que estava esparramado no sofá velho sem fazer nada, enquanto a nossa irmã Cibele, única fêmea da nossa alcateia, estava em pé usando seu arco e flecha, acertando cada alvo com precisão.

— E aí, como foi com a velha? — interrogou Eros quando entrei na casa, largando as chaves da moto no balcão velho com um grande ruído. — Ruim assim? — questionou com a sobrancelha arqueada, antes de sentar-se. Meus irmãos se viraram esperando uma resposta.

— Ela não estava. A neta vai avisá-la que estamos na cidade, não se surpreendam se ela bater na porta logo após receber o recado.

Sentindo o olhar de Cibele queimar em minhas costas me virei para olhá-la e ela estava com aquela expressão em seu rosto que me faz desejar chutar seu traseiro intrometido.

— Não leia a porra de minha mente — rosnei ao sentir sutilmente a invasão.

— Desculpe, mas você estava gritando por dentro, foi impossível não ler — ela disse com um encolher de ombros, nenhum pouco arrependida.

— O que tem com a mente dele? — quis saber Hector.

Graças aos Deuses, Cibele era a única com o dom de ler os pensamentos. Seria impossível conviver com os quatro e viver com o muro levantado evitando possíveis invasões de privacidade, como Cibele acabou de fazer.

— Ele encontrou sua companheira — revelou, me fazendo desejar ardentemente estrangulá-la. Descrição nunca foi seu forte, poderia ter ficado calada esperando o momento certo para que eu pudesse revelar aos meus irmãos o que acabei de descobrir, mas não, Cibele não era capaz de esconder alguma coisa de nós, nem que sua vida dependesse disso. De certa forma era bom, quando eram os seus segredos a serem revelados ou até mesmo dos outros, mas quando eram os meus, não era nada agradável.

Lancei um olhar mortal para minha irmãzinha e novamente ela encolheu os ombros com indiferença.

Meus irmãos congelaram o que estavam fazendo e fixaram-se em meu rosto. Soltei um longo suspiro.

— Isso não é nada. Deixa quieto — resmunguei, indo até à cozinha e me servindo de um copo de água.

— Não acredito que disse isso! — vociferou Hector, sua voz aguda como a minha.

Apoiei os cotovelos no balcão de madeira que dividia a cozinha da sala, onde eles permaneciam me observando.

— Isso não importa, vamos seguir com o plano até concluir o trabalho. Só deixa quieto, não quero falar sobre isso.

Os olhos de Hector se estreitaram.

— Sabe que não pode fugir do chamado— ele disse o óbvio, como se eu não tivesse escutado sobre isso um milhão de vezes do nosso pai, assim como todos os meus irmãos.

— Não vou submetê-la a isso.

Eros bufou.

— Sabe que se não reclamá-la, não vai poder tocar em outra mulher, não é mesmo?

— No momento em que colocou seus olhos sobre ela e seu lobo a reconheceu, ela é a única para você agora, quer queira, quer não — completou Adônis.

— Eu conheço a história e sei como funciona, obrigado por me lembrarem — elucidei com ironia. — Sei também como termina, então, vamos apenas esquecer o assunto, ok? — ordenei.

Apesar de eu ser apenas alguns minutos, mais velho que meus irmãos, um olhar em meu rosto taciturno eles sabem o momento que não estou para brincadeira e como alfa da alcateia, eles sabem muito bem que me devem respeito. Normalmente não uso esse tom de ordem e nem o olhar de líder, para mim, somos iguais, apesar da hierarquia dos lobos. Mas conheço meus irmãos e sei que irão me deixar maluco com essa história, mesmo que todos saibam o motivo que me faz querer esquecer que a encontrei. Posso me tornar um maldito monge, mas isso é um preço pequeno a pagar desde que minha companheira permaneça segura.

Cibele foi a primeira a mudar de assunto, talvez por ler em minha mente, o temor e todos os sentimentos conflitantes que me assolavam e apesar da intromissão me senti grato.

— Hector foi até a delegacia conversar com o xerife, agora são quatro casos, o último ainda não foi notificado a imprensa.

— Precisamos agir rápido, antes que mais alguém se machuque. Foram quatro mortes em menos de 48 horas — refutou Adônis, pegando um mapa e colocando-o sobre a mesa. — Todas as vítimas foram encontradas na floresta perto do rio. Se fosse apostar, diria que os vampiros estão reunidos em algum lugar por aqui. — Ele circulou com uma caneta azul ao redor do perímetro onde os corpos foram encontrados.

Cocei o queixo pensativo e analisei a linha.

— Precisamos do elixir da Clara, iremos atrás deles quando cair à noite. Cibele vai ser a isca, vamos acabar com isso rápido — elucidei com firmeza.

Cibele curvou os lábios com desgosto.

— Porque tenho que ser a isca?

Hector bateu suavemente em seu ombro em um gesto consolador.

— Parece que esse grupo prefere mulheres, considerando que todas as vítimas eram do sexo feminino, então, maninha, você é a isca perfeita, só precisamos disfarçar o seu cheiro.

Continuamos debatendo por algum tempo, preparando uma estratégia de ataque. Não temos ideia de quantos vampiros estão escondidos na mata ou onde é o covil. Vasculhamos o perímetro quando chegamos e não encontramos nada. O que foi estranho, conseguimos farejar o cheiro deles por uns dois quilômetros de distância e não havia nada ali que indicasse a presença de vampiros na área.

— Acha que eles descobriram uma forma de disfarçar o odor? — questionou Eros enrugando o nariz com desgosto.

— É possível, se eles tiverem uma feiticeira trabalhando com eles — afirmou Adônis. — Ela poderia facilmente conseguir algum elixir capaz de apagar o cheiro deles.

Mais um motivo para me sentir frustrado por não ter encontrado com a Clara. Não conheço a senhora pessoalmente, mas nosso pai a conhecia e, segundo ele, ela o tinha ajudado muito no passado e era confiável.

 Por isso, fui atrás dela para colocar o plano em prática quando não conseguimos rastrear o cheiro fétido dos vampiros. Ela era a única que podia conseguir alguma poção para nos ajudar a disfarçar o cheiro do lobo, deixando apenas o do humano para enganar e atrair os vampiros.

Pensar em Clara me fez pensar na neta dela e senti meu coração pulsar apenas com o mero pensamento e com a lembrança de sua pele branca como a neve e seus cabelos sedosos como seda. Apesar do vestido de estampas recatado, era a imagem do pecado, enganosamente disfarçado de inocência. Seus lábios cheios e rosados pareciam implorar pelo toque de minha língua.

O leve contato de meus dedos nos fios de seus cabelos me agitou de forma incontrolável. Meus sentidos tornaram-se afiados e tinha consciência de tudo sobre ela, mesmo de olhos fechados podia senti-la de forma quase dolorosa.

Quando abri os olhos e pude ver o pulso batendo em sua garganta, o leve pulsar da veia, mostrando que assim como eu, ela tinha sido afetada pelo chamado. Dei um longo passo atrás e mais outro, afastando-me da forma delicada, porém deliciosa, que parecia implorar com o olhar por apenas um toque.

Jesus! Estou enlouquecendo.

Abri os olhos que fechei inconscientemente e me deparei com o olhar indagador de meus irmãos e um sorriso travesso brincando nos lábios de Cibele.

Infernos! Estou fodidamente ferrado.

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