Solidão
Solidão
Por: ABDENAL CARVALHO
Capítulo 1 - Frustrações

Entre estas quatro paredes pintadas de azul celeste, sentado num piso de madeira grosseira e ensebado pela permanente falta de limpeza, apesar de existir ao lado uma poltrona de couro curtido, daquelas que os bacanas exibem nas suas amplas salas de visitas, bem pouco confortável. Foi comprada numa loja de usados semanas atrás, coisa de pobre.

Não ligo, estou pouco me importando. Só penso em tirar a própria vida, mas sou tão covarde que sequer tenho coragem de executar tamanha façanha. Desliguei a lâmpada do bocal de plástico preto, típico de quem não tem condições de pendurar no teto um bom lustre.

Ou sequer um forro decente para evitar a sujeira causada pela poeira caída das telhas de barro. Essas drogas vivem repletas de teias de aranhas, espalhadas como uma praga por todo o ambiente. É uma verdadeira nojeira. Neste quarto escuro de apenas oito metros quadrados, torna-se difícil definir se é dia ou noite lá fora. Ouço apenas o som das músicas tocadas nos bares das esquinas e uma rica sinfonia de grilos. Tudo parece igual aqui dentro, é como se não houvesse diferença entre a claridade e a escuridão.

 O ventilador, bastante surrado pelo tempo que está sendo usado sem qualquer manutenção, range suas engrenagens como se fosse uma engenhoca. Está precisando de urgentes reparos, mas como fazê-los sem dinheiro para pagar alguém que entenda do serviço? Além da minha intensa indisposição para trabalhar.

Pelo menos o ambiente ainda fica frio o suficiente para evitar o calor nos dias de chuva, já no verão é aquele inferno.  A TV ligada num canal qualquer continua tagarelando e não se cansa de falar sobre tantas desgraças que acontecem em várias partes do país e do mundo.

 Na realidade, não dou a menor importância para os noticiários. Eles só nos noticiam a respeito da corrupção de nossas autoridades e a impunidade que mantém cada um deles fora da cadeia. Lhes cobrem de benefícios e, ao mesmo tempo, negam justiça para os cidadãos de bem. Quem de fato merecem ser agraciados com tais direitos?

O trabalhador ou estes sanguessugas dos infernos? Estou definhando, surrado pela terrível insônia que me impede de dormir desde a tarde em que tive o coração despedaçado pela traição imperdoável de uma vadia. Uma louca, que escolheu trocar meu amor sincero pela paixão passageira ao lado de alguém fútil e aventureiro. Sinto-me cansado e definhando aos poucos.

Já posso até contemplar meu corpo sem vida, jogado num caixão barato. Sendo velado pelos papudinhos e viciados em jogar damas durante os longos velórios daqueles que passam dessa para pior. Minha alimentação está limitada entre massas e alguns refrigerantes.

Tudo comprado em grande quantidade para não ser preciso ter que ir até o comércio ao lado e rever as mesmas caras que fingem não perceber minha presença. Porém, vivem comentando sobre meu jeito estranho de ser. Não gosto de vizinhos, são todos uns chatos, fofoqueiros, prefiro ignorá-los.

Por isso me odeiam tanto. Vivo cercado de ladrões, viciados, traficantes e uma quantidade enorme de prostitutas em todas as idades. Aqui não existem leis que condenam o sexo com menores ou qualquer outra forma de perversão. Fixei residência num bairro pobre da cidade, onde as autoridades sequer pensam em visitar ou encontrar soluções para mudar o futuro dessa gente. Por aqui essa ideia de progresso é inadequada com a realidade e completamente desconhecida.

 E lá se tem futuro nesse inferno?  Alguns que conhecem a razão de minhas dores dizem que enlouqueci depois de tantas traições. Foram três abandonos no altar, devido a insistência idiota de querer alguém que me amasse. Por desejar ser pai, formar uma família. Nasci no interior do Maranhão, cresci às margens dos igarapés.

Pescando peixes da água doce e colhendo frutos nas árvores espalhadas pela mata.  Filho de um homem sem sentimentos e uma mulher vazia do mínimo de cultura. Resumindo: Tive uma infância originada na ignorância. Criei na minha mente o sonho de crescer e encontrar um amor para a vida toda. Amar intensamente os filhos, exercer meus atributos de pai e esposo totalmente fiel. Isso era para suprir aquilo que não via acontecer entre meus pais em meu lar, se é que de fato ele existiu.

Entretanto, quanto mais tentei realizar esse projeto, mais impossível se tornou concretizá-lo. Fracassei diversas vezes e fiz o vergonhoso papel de idiota diante dos convidados no dia do casamento. Virei motivo de piada entre os amigos e conhecidos.  Já nem sinto vontade de sair deste quadrado para não ter que encarar minha triste realidade.

Para não ter que ouvir as zombarias dos lábios zombeteiros que me aguardam à espreita lá fora. Eles vão sempre me criticar, desdenhar de meus constantes fracassos no amor, de como fui exposto diante de todos por aquelas infiéis, elas merecem pagar por tudo o que me fizeram passar. Minhas tristezas, dores e angústias sofridas injustamente. Mas, como um frouxo igual a mim, que não é capaz de matar um inseto iria ter coragem de ferir outra pessoa?

Covardes como eu não executam vingança alguma, essa é a verdade. Apenas se isolam do resto do mundo e ficam trancafiados num canto escuro à espera de que o tempo ou o acaso resolvam todas as pendências que resultaram de suas fraquezas. Então, vou ficar aqui à espera de um poder invisível, algo que por um milagre qualquer dê a todas elas o castigo que porventura mereçam. Enquanto isso continuo com minha revoltas e frustrações.

Fico aqui inerte, curtindo minha amargura. Com medo de pregar os olhos e ter que encarar os repetidos pesadelos que costumam me visitar todas as noites. Ainda sou machucado pelas mágoas oriundas das vezes em que fui traído, ferido em meu orgulho, pisoteado pelos pés de quem sequer mereceriam ser amadas.

Sinto-me sufocado neste lugar totalmente fechado, depois de ter lacrado porta e janela, cujas chaves lancei em algum lugar dessa bagunça na qual me encontro. Pisando sobre roupas sujas espalhadas umas sobre as outras e alguns pares de sapatos rabugentos que a todo momento exalam odor no ambiente que sem a devida ventilação me sufoca.

 Pretendo continuar confinado aqui por muito tempo, prisioneiro de meus anseios e refém da revolta que me arde no peito. Daqui tudo ouço, porém nada vejo lá fora, nem sei ao certo o que se passa.  Se tem quem viva ou morra pelas mãos dos terríveis criminosos não me interessa.

Mas tem bastante bandidos por aqui, parecem minar como piolhos dos becos lamacentos desse bairro amaldiçoado por Deus.  Só ouço os gritos pela madrugada. A pobreza e a miséria andam de mãos dadas por aqui, amaldiçoando os desvalidos. Nunca vi antes tanta gente mendigando o pão ou trocando a vida desgraçada por um pouco de craque, maconha ou cocaína.

Tantos jovens e adolescentes acorrentados pelo vício. Mulas através das quais o tráfico se mantém operante. Coisa triste de se ver, mas como evitar com tanta necessidade? A fome arde por dentro e com tamanho desemprego o jeito é improvisar.

Ficar nas esquinas e repassar aos usuários a peteca ou o cigarro por certa quantia e no final receber sua parte. Mesmo que seja a morte. Alguns trocados para bancar as despesas ou pagar as dívidas atrasadas já é útil. Cadeia? Que nada! Aqui é a lei do silencio, neguinho não ver, nem escuta.

Assim não se complica. Eu poucas vezes circulei por aí desde que cheguei. Mas logo aprendi que em boca fechada não entram moscas. Já morreu muitas línguas soltas por não se conterem e falar demais. Ainda bem que a muito tempo perdi o interesse pela liberdade e optei em permanecer nessa droga de lugar bem quieto. Permaneço longe de tudo e de todos, como um caracol na sua concha ou o jabuti no seu casco, dando a mínima para o que acontece do lado de fora.

Dane-se os outros e seus problemas! Dane-se tudo! Por acaso me estendem às mãos e tentam me ajudar a superar essa droga de revolta que me transforma nesse morto vivo, nesse ser infeliz e sem esperanças? Claro que não, sou para eles como uma sombra que passa despercebida. Sou visto por todos como uma folha seca caída no caminho.

Uma nuvem lá no alto que por ser soprada pelo vento voa para onde ele quer, sem rumo certo ou destino definido. Morre o dia e nasce a noite, com ela chega a maldita saudade de Rosângela, aquela ingrata. Nos conhecemos no primeiro ano do ensino médio. Linda, com aquele par de quadris desejosos e um andar cheio de charme.

Que deixava os machos doidos para poder tocá-la. Seus seios carnudos e excitantes me faziam sentir vontade de deitar sobre eles. O tempo inteiro. Eram muitos os pretendentes, mas foi justo o otário aqui quem ela escolheu para fazer de bobo. Mas ao ser o escolhido vibrei de alegria, me senti o máximo! Tolo, como uma mulher tão linda iria se interessar por um traste sem graça como eu?

 A turma inteira tirou o chapéu para mim, “o conquistador nota dez”. Mas que nada, tudo não passava de um joguinho sujo. A safada se aproximou de mim apenas para fazer ciúmes ao carinha por quem ela realmente tinha interesse. Foi Edu, o único verdadeiro amigo que tive até hoje, quem descobriu toda a safadeza da vadia. Ele me alertou. Mas, quando se está apaixonado perde-se a razão e como um animal indefeso é levado ao matadouro.

 Assim também fui conduzido por ela até o momento mais crucial dessa história. Não dei crédito aos conselhos do amigo, tapei os ouvidos para não escutar os alertas que dele vinham na intenção de me mostrar o tamanho do erro que estava cometendo contra mim mesmo. E como resultado disso acabei profundamente ferido, jogado à beira da estrada do desalento. Por onde andam os cegos de amor. Ela foi minha primeira grande paixão e a maior de todas as decepções.

Foram dois longos anos de namoro e noivado. Trabalhei incansavelmente para organizar nossas vidas. Sonhava com uma vida a dois até o final de nossas vidas, pensava nela a todo instante. Comprei um lindo apartamento, mobílias novas e da melhor qualidade, tudo certinho como manda o figurino, somente para agradá-la.

Nossos passeios eram caríssimos, os presentes tinham preços bem salgados, toda metida a besta não gostava de coisas baratas. E o inocente aqui bancando todos os caprichos, dando-lhe tudo o que exigia sem reclamar. Não era apenas pelo amor ou pela paixão que sentia, mas por medo de perde-la.

Me sujeitei ao mais infame ponto de um homem apaixonado somente para evitar um adeus, vindo daquela desalmada e de nada adiantou — Filho de uma égua que fui! No dia em que íamos trocar as alianças novamente apareceu Edu, insistindo para que eu desistisse da decisão. Apelava que mudasse de ideia e cancelasse a cerimônia a fim de evitar o pior.

Fiquei revoltado com a cisma desnecessária do amigo perturbador e o expulsei da minha presença. Afinal, tratava-se do dia mais feliz da minha vida. Era imprescindível que nada ou ninguém tentasse impedir minha felicidade. Como manda a tradição, fui o primeiro a chegar no altar. A cerimônia seria realizada no amplo jardim da mansão dos pais da noiva, um importante médico da cidade. Agora dá para entender o fato dela ser tão metida a besta, não é?

Pois sim, Rosângela era filha única de uma tradicional família de classe média alta. Daí eu ter me esforçado tanto para ser digno de aceitação por parte do sogro cheio da grana. Naquela época eu era um importante executivo de sua empresa, o funcionário do ano. Estaria me casando naquela manhã de domingo, no mês das flores com a filha do patrão.

Totalmente equivocado com a realidade que me era oculta vivia um sonho. Somente Edu, meu amigo, além dela mesma sabia o que me aguardava. Mas naquele momento nada mais me importava, era o dia do meu casamento com a mulher mais linda do mundo. E eu acreditava que ela me amava. Amava? Claro que não. Como aconteceu dezenas de vezes, evitei ouvir as orientações do amigo.

 E isso me trouxe severas consequências. A primeira aconteceu naquele mesmo dia, quando bem na hora do "sim" minha noiva decidiu me abandonar no altar. Fugiu com Malone, o filho de um rico e importante empresário da cidade. Esse sempre foi o grande mistério. Rosângela e seu amante me usaram o tempo todo como testa de ferro para colocar as mãos na herança do pai, com este ainda em vida.

O plano seria cumprir o principal requisito do testamento que era estar casada. Minha maior idiotice foi casar com a safada no civil duas semanas antes e somente realizar o religioso depois.  Se bem que não poderia ter sido de outra maneira, visto que havia uma grande fila de espera na igreja.

A pilantra aproveitou esse espaço de tempo para dá entrada no pedido de herança junto ao juiz. Visto que seu pai havia contraído uma grave enfermidade e não estaria mais em condições de tocar os negócios. Nunca em minha vida tinha conhecido alguém tão inescrupulosa ao ponto de brincar com os sentimentos alheios.

Era uma verdadeira víbora! Sua ambição não tinha limites e não media esforços para alcançar seus mais perversos objetivos. Aquela mulher era de fato uma pessoa má e sem a menor dignidade. Infelizmente fui cego o bastante para perceber tudo isso somente bem mais tarde.

 Ela não pretendia ser apenas uma simples administradora, mas proprietária definitiva de tudo. E, é claro, não fazia parte de seus planos me manter no esquema, e sim seu amante a quem de fato amava. Assim, apresentando o documento exigido para o processo através de seus defensores tomou posse dos bens em questão.

 Ninguém, nem mesmo os pais, se opuseram à decisão da filha única em solicitar seus direitos testamentários. Haja vista ter ela cumprido todas as exigências legais feitas por eles. Mas, precisava prosseguir até o altar para depois disso me deixar com cara de palhaço na frente da plateia?

Porque não se mandou com o tal amante cafajeste logo, se já estávamos casados em cartório. E se havia a garantia dela colocar mão nos bens dos pais otários? E porque não se casou com o amante filho de uma puta? Acontece que aquele tipo de macho não quer assumir esse tipo de compromisso — Então aparece o idiota aqui!  

Bem, foi só após alguns meses do vergonhoso episódio que reencontrei Edu, aquele amigo chato. Sim, o mesmo que não parava de tentar me alertar e nunca lhe dei a menor atenção. E foi ele quem me revelou em detalhes tudo o que ela e o tal indivíduo planejaram fazer.

Meti a cara no saco e segui em frente cercado de críticas e com o nome manchado. Com um par de chifres na cabeça e a tamanha decepção, o que ainda me restaria acontecer? Fugir da realidade é algo impossível de fazer nestas horas. O melhor é encarar a razão e caminhar rumo a um futuro incerto.

Anos depois de ter me recuperado da pior vergonha que um homem poderia passar, como de costume teimoso arrisquei amar novamente. Conheci Lindalva, uma enfermeira com dois empregos e cursando medicina numa faculdade particular. A melhor e mais cara da cidade. Com uma agenda sempre cheia, dando prioridade aos amigos e aos compromissos, eu era a menor de todas as suas preocupações.

Logo após a primeira decepção no amor eu batalhei e comprei um carro do ano e um luxuoso apartamento. Bem, pelo menos para mim era um enorme luxo, pois possuía mais espaço do que o antigo, onde os compartimentos eram semelhantes a uma caixa de fósforo, tudo bem apertado.

Passei a frequentar certos ambientes visitados por pessoas interessantes. Onde pude conhecer a segunda decepção da minha vida. Tratava-se de uma mulher admirável, excêntrica e manipuladora. Facilmente me convenceu a abrir as portas da minha casa para ela e toda sua multidão de amigos. Daí veio as festinhas, bebedeiras e rolou as drogas que aprendi a usar, acompanhadas de muito sexo. Acontecia de tudo aos finais de semana, ia desde consumo indiscriminado de álcool e entorpecentes às transas quase que contínuas.

 Rolava de tudo. Sim, as mais pesadas orgias já vistas. Se eu sentia raiva de ver minha namorada dando para outro cara? Como poderia, se me encontrava sob efeito da maconha, cocaína e até crack? Era uma sodomia daquelas. Nem me lembro quantas mulheres levei para a cama. Mas, apesar de essa sacanagem e loucura nos dávamos bem e éramos felizes — Éramos felizes mesmo? — Acho que sim, pelo menos durante o efeito das drogas. Logo cogitei me casar.

Eu e essa mania de pensar que todas as mulheres desejam subir ao altar com um vestido branco e um buquê de flores nas mãos.  Precisava mesmo levar muito chifre para entender que em pleno século vinte elas já se modernizavam.

 E passaram a ver estes detalhes como tabu e os tratavam com desprezo. E nos dias atuais nem é bom comentar o que pensam a respeito do assunto. A mulher de hoje gosta mesmo é de homens safados que as tratem com indiferença e repúdio. Marquei o dia para o casamento e toda a maldita roda de falsos amigos se fizeram presentes na igreja matriz para assistirem ao enlace.

Entretanto, outra vez fui vítima do descaramento de uma vadia que só queria zombar de minha boa vontade. Os amigos compulsivos de Lindalva eram em maioria motoqueiros. Pilotavam motocicletas antigas, modelos típicos dos anos sessenta e setenta, fabricadas por encomenda. E naquela tarde ensolarada de verão estávamos os dois diante do sacerdote católico para nos ligarmos um ao outro até a morte.

Quando na hora do sim ela saiu correndo porta afora e se atirou nos braços de outro. Fugiu em seguida com um motoqueiro, gritando e fazendo a maior baderna pelas ruas da cidade. Riam-se da minha idiotice de acreditar que uma mulher como ela me daria algum valor. Todos sabiam de meu histórico de ser abandonado no altar, e já aguardavam esse novo desfecho.

Agora foi aquela pilantra quem zombou de mim. E ainda me deixou com cara de idiota diante dos convidados. Debaixo de muitas vaias e zombarias mais uma vez tive que sair cabisbaixo. E de cara enfiada entre as pernas como um macho sem maturidade que parecia não ter aprendido a lição, depois da primeira vergonha. Dali em diante jurei nunca mais me apaixonar, prometi a mim mesmo jamais voltar a amar. 

Precisava aceitar o fato de que não havia nascido para viver um perfeito amor. Então, mais uma vez tive que engolir seco a afronta. Voltar envergonhado para casa. Depois disso jurei a mim mesmo nunca mais me deixar enganar novamente. Porém, um ano e meio depois da segunda decepção estava eu numa das muitas praias existentes na região e vi passar na minha frente aquela deusa com um corpo perfeito.

 Era algo nunca antes visto e sedutor como poucas vezes pude apreciar. Fiquei louco ao ver aquela princesa com lindas curvas e um fio dental separando as duas nádegas carnudas que se movimentavam para cima e para baixo na medida em que ela andava.

Percebi que ela estava sozinha, não hesitei e parti para a conquista. Foi mais fácil do que imaginei, bastou uma única investida, deveria ter desconfiado de tamanha facilidade. Maldita mania de ser dominado pelo tesão que arde na ponta da ferramenta de trabalho sexual. Me cegou mais uma vez. Assim, só considerei o momento, sem me preocupar com as consequências futuras. Em pouco tempo namoramos e ficamos noivos. O enlace aconteceria no mês do Outono, mas aí veio o terceiro abandono que criaria feridas quase incuráveis na minha alma.

 Novamente fui deixado feito um imbecil na frente do padre, quando este fez a tradicional pergunta: "E você, fulana, aceita fulano como seu legítimo esposo até que a morte os separe?" Claro que levei mais um não na cara para deixar de ser idiota. Mas que diabos, até quando viverei assim vítima do escárnio de mulheres insensíveis?

Provavelmente para sempre. sou daqueles homens azarados no amor. Do tipo que nasceu para ser esmagado pelos pés de quem não se importam com a dor alheia. Mas que diabos de barulheira é essa lá fora? — Numa favela é assim, acontece de tudo — Sem dinheiro para sustentar a legião de filhos que fez com uma maranhense dos cabelos duros Seu Rosa vive juntando latinhas e todo tipo de tralhas que acha pela rua.

 Em seguida carrega num carro velho, depois vai vender na sucataria da esquina. São nove pestinhas para matar a fome e é o capeta do catador o responsável por isso. É ele quem está lá fora, infeliz está dando marretadas numa telha de alumínio.

O velho está amassando o metal na intenção de fazer dinheiro. Coitado, ele precisa. A pobre mulher é uma negra alta, gorda e feia de chorar, mas danada de esperta para trabalhar. Os dois se viram como podem e ninguém passa tanta necessidade por lá. Por aqui é assim, cada qual procura dar seu jeito de sobreviver. Eu tenho umas reservas guardadas que me sustentam sem precisar suar a camisa. Além do mais, depois de tantos chifres perdi o apetite.

 Atualmente a última coisa que penso é em comer. Nem sede sinto, apesar do calor nessas bandas ser de lascar. O celular que custou quase dois mil reais está ali, inútil, em cima da mesa. Foi dinheiro jogado fora, não toca porque ninguém tem interesse em me ligar. Sem namorada, sem amizades, é um silêncio só.  Meu único amigo me virou as costas desde o dia que eu usei de grosseria com o pobre coitado.

Ele quis me avisar que eu iria ser abandonado no altar e o imbecil do corno aqui não quis ouvir. Decidi expulsar daquela festa a única pessoa que de fato queria o meu bem. Que se dane, quem precisa de amizade nessa porcaria de vida? Quer saber, bem feito, eu bem que realmente mereci passar por aquela situação vergonhosa!

 Quem decide ficar desavisado do perigo deve tropeçar e cair no precipício. E foi exatamente o que aconteceu. O cara era um companheiro fiel. Um fofoqueiro dos melhores, é bem verdade, bastava saber de algo interessante e vinha logo me contar. Sabia dos acontecimentos do bairro inteiro, às vezes dava a impressão de que ele sentia quando eles iriam acontecer bem antes de surgirem.

Mas era um companheiro legal e sincero. Ele sabia de tudo, parecia ter pacto com o bicho ruim. Mas fora isso era uma ótima pessoa, gostava de estender a mão e ajudar quem precisasse. Um homem capaz de dar aos outros seus últimos centavos. Bom sujeito aquele, que Deus lhe recompense. Já eu, não tenho créditos com o Criador, nem com o orelhudo que mora lá embaixo.

Falo isso porque nenhum dos dois parece ir com a minha cara, só levo pau nas costas em tudo aquilo que faço. No novo emprego que arrumei depois de levar chifre da filha do antigo patrão, nunca fui promovido a um cargo melhor do que aquele que já exercia. Permaneci na droga da mesma função por três anos e meus superiores pareciam nem me notar. Apesar dos muitos esforços que fiz para que isso acontecesse de nada parecia adiantar, mas admito que o salário era muito bom.

Nas relações interpessoais não foi diferente, amigo de verdade só tive um, e ainda joguei fora. Foram muitas as mulheres com quem me relacionei, mas nenhuma delas permaneceu ao meu lado. O que restou foi isso aqui, ficar sozinho entre quatro paredes, conversando comigo mesmo. Com a crise no país as empresas demitiram parte de seus funcionários para enxugar a folha de pagamento, como se era de esperar.

E não deu outra, fui um dos tantos outros que foram empurrados pelo ralo. Perdi o emprego, fui forçado a vender meu carro e o espaçoso apartamento localizado numa área nobre da cidade. Tudo isso para poder pagar a imensidão de dívidas acumuladas desde o primeiro casamento — Praga de teimosia! Não entendo o porquê de não aceitar logo que não nasci para essa porra de casamento, pois minhas insistentes tentativas de querer formar uma família só me ferraram!

Essa de querer ser pai, ter uma esposa que me amasse, me lascou! Pensar em ter com quem sair aos finais de semana, passear e nos divertir na praça ou irmos todos ao shopping fazer compras, visitar os parentes e amigos. foi só ilusão. Teria orgulho de poder mostrar a quem fosse possível que finalmente era um homem realizado, mas querer isso só me lascou totalmente.

Edu, quando ainda era meu melhor amigo é que tinha razão ao afirmar que eu não nasci com a sina de ter esse privilégio — Nem todo mundo nasce para casar e formar família! — ele diria. E acho que sou um desses desafortunados. Interessante como Deus escreve a história de cada uma de suas criaturas.

Uns, para serem completamente felizes e abençoados, tudo no que tocam vira ouro. Outros como eu, sem sorte, amaldiçoados, tudo que faz dá errado. Parece que o barro usado para nos criar foi dos piores, extraídos das olarias celestes onde a argila era podre. Com mal cheiro, fétidos às suas narinas fomos criados e por isso nos condenou ao descaso e sofrimento.

 Parecido com aquela história da Bíblia. Qual é mesmo o nome dos dois gêmeos? Ah, Jacó e Esaú! O pobre diabo do mais velho ainda nem havia nascido, estava na barriga da mãe, quando o anjo avisou que ele ao nascer seria servo do irmão mais moço. A diferença na idade era de apenas alguns segundos na hora de nascer. Mas que desgraça, já pensou ser descomungado antes mesmo de nascer?

Pois o filho mais velho de Isaque e neto de Abraão, que é considerado na Bíblia como o "amigo de Deus" e o "pai na fé", foi rejeitado pelo Criador e jogado de escanteio. Sem nada dever. Acho que, na semelhança dele, muitos de nós já nascemos condenados. A nunca encontrar a verdadeira felicidade. E quem é o responsável por isso, somos nós mesmos ou quem nos deu a vida? O autor de nossos destinos, ele é a razão de tantos desacertos nas nossas andanças incertas neste mundo ou cada um de nós?

Eu creio que nós fazemos as escolhas erradas. E hoje, após quebrar a cara nos relacionamentos fracassados me dou conta dessa triste realidade. Só fracassei e colhi infortúnios porque fiz más escolhas. Aprendi a troco de muitas decepções que colhemos exatamente aquilo que plantamos. Na verdade, todo o mal que cai sobre a humanidade é resultado de seus próprios erros e não do Criador.

Após a falência por gastar o que não tinha para tentar conseguir uma esposa eu tive que vir morar na favela, o único lugar onde pude comprar um barraco de madeira para não ter que morar no relento.  Essa de querer insistentemente uma mulher do meu lado me lascou todo! Restou apenas alguns trocados na poupança e esse buraco que chamo de casa. Pelo menos o terreno é amplo, posso mais tarde construir algo melhor.   

  Mas como, se estou quebrado? — Sei não, sabe-se lá, vou vivendo como der nessa droga! — Minha cabeça está cansada, meu corpo dolorido.  Estou aqui sentado nesse assoalho de madeira bruta, duro para danar, por horas a fio, remoendo em meus pensamentos. Tentando entender como pude descer tão baixo ao ponto de chegar ao fundo desse maldito poço. Porcaria de vinho fuleira!

  Foi comprado em taberna, o diabo é mais azedo que limão e arde no estômago como cachaça da pior espécie! — Fazer o quê, se me tornei um pé rapado sem a menor condição de comprar uma bebida que preste? — Ah, meus tempos de vacas gordas, quando podia entrar num supermercado e escolher boas marcas, eu esnobava. Adoro vinho do Porto, feito à base de uvas secas. Sim, é o melhor. Essa droga aqui deve ter sido feita dos rabiscos de uvas colhidas durante a safra.

 Aquelas sementes que são deixadas para trás porque não possuem boa qualidade. E somente depois são extraídas e transformadas em sucos de baixo consumo, uma verdadeira porcaria produzida para clientes de baixa renda. Em outras palavras: Para o estrume da sociedade. Mas é assim mesmo, apesar de ser um lixo tem lá no fundo suas vantagens.

A gente toma uns dois copos bem cheios e o efeito do álcool é imediato, começamos a ver tudo com outros olhos. Até o péssimo sabor fica adocicado. Os fabricantes desse veneno sabem que para gente como nós o que importa mesmo é a embriaguez. Então, sabiamente eles colocam mais álcool que suco de uva na droga da garrafa. Assim nos embriagam de uma vez e passamos a achar a bebida deliciosa. Não gosto de ficar porre, relembro todo o meu passado como num filme.

As antigas namoradas reaparecem para me atormentar. Principalmente as noivas fugitivas que me abandonaram maldosamente no altar. E o pior é que já estou com a cabeça pesada, grogue. E vejo elas bem aqui na minha frente, riem da minha desgraça. Elas parecem me ouvir e permanecem ali, paradas, a olhar meu sofrimento com deboche.

 Zombam da minha solidão e escarnecem do meu pranto — Malditas, eu devia ter me vingado de todas vocês!  — Só posso está louco, falando para as paredes?  É o diabo da revolta. Aprendi que as mulheres são uma praga na vida de qualquer homem.  Afinal, desde o Éden, quando a primeira delas foi formada já chegou colocando tudo a perder.

Adão era homem bom, obediente ao Criador e tudo fazia corretamente. Recebeu ordens para morar no jardim e comer de tudo, menos do fruto proibido. Mas a gente nunca se conforma com o que já temos e queremos mais. Foi reclamar para o dono do jardim que estava se sentindo muito sozinho e precisava da porcaria da companheira. Ele via os animais em pares, macho e fêmea, então pediu uma mulher para ser sua companhia.

Diabos de solidão que nos obriga a ter alguém com quem conversar e preencher o vazio que insiste em nos atormentar. Para dividir nossos bons e maus momentos. Aí ele foi atendido, Eva surge no cenário e em seguida a serpente, com quem a doida faz grande amizade. É tentada a comer do fruto e a curiosidade lhe fez obedecer aos maus conselhos do capeta.

 E para completar convence o babaca do marido a comer também. Pronto, o safado por querer agradar sua mulher quebra a aliança feita entre ele e o Criador. Condenando todas as gerações futuras a nascer, crescer e morrer como tudo que existe nesse mundo. O cara era um tremendo babaca. — Mas que porcaria! — Se não fosse por isso seríamos imortais e sem pecados e culpa alguma.

Eu por exemplo, talvez não teria nascido com a infeliz sorte de ser traído pelas mulheres a quem entreguei meu coração, pois afinal, elas nem existiriam. Acredito que o mundo seria melhor sem a presença dessas pestes infiéis. Um planeta habitado somente por machos, sem sexo, sem negócio de paixão, família e tudo o que existe hoje. Revolta? 

Sim, sou mesmo um tremendo revoltado com o sexo oposto, podem acreditar. Mas nem pensar mudar de time. Tenho orgulho de ter nascido homem, somos a coroa da criação! Machista? Sim, totalmente. Depois do que passei não poderia ser diferente. Mas preservo meu gosto pelo sexo oposto. Não sou preconceituoso, pelo menos penso assim. Pois sou bem tolerante com certas coisas. Até dou valor numa negra e isso prova que não sou racista!

Mas, pelo amor de Cristo, não me vem com essa de viadagem para o meu lado. Um tempo atrás tive que colocar um indivíduo metido a bichona no lugar dele. O safado veio querer me alisar na maior, se insinuando e me fazendo convite para ir até sua casa.

Queria trepar comigo, ora vejam só. Posso ter sido corno, mas gay nunca!  Sai na tapa com o desgraçado e sangrei o nariz pontudo dele, a galera aprovou minha atitude. Mostrei que cara de homem se respeita — Caramba, já bebi quase a garrafa toda do péssimo vinho! Aquela joça lá da taberna de Seu Hilário!

Isso porque disse não prestar — Velho rabugento e sovina, nunca vi um peste como aquele. Era tão miserável que perdeu a esposa para o padeiro. Verdade, todo mundo aqui na rua viu ela arrumar as malas e atravessar a rua para morar com o pé de pano. E ainda permanece por lá sem sequer demonstrar remorsos ou medo de represálias por parte do macho que abandonou. De tão ruim nem os filhos quiseram ficar ao lado dele, preferiram ir morar com a mãe e o padrasto.

 Ah, velho infeliz e frouxo, numa dessas mesmo sem razão de reclamar eu metia a porrada nos dois, e se desse mandava logo era bala nos canalhas. Minha mulher me troca por outro e continua morando do outro lado da rua, zombando da minha cara? Nem pensar meu bem. Mas nunquinha! As noivas que aprontaram comigo sumiram mundo à fora, não sei nem do paradeiro. A não ser, é claro, aquela que era cheia da grana, pois contra quem tem poder ninguém pode fazer nada.

 Se dou uma de vingativo ela mandava me dar um corretivo. Sempre planejei matar cada uma delas e seus parceiros, quando lhes vissem. Comprei até uma arma aqui na baixada, é roubada, mas mantenho ela bem guardada à espera de encontrar os pilantras.

Mas tudo bem, talvez eu esteja mesmo pirando de vez. Que papo sinistro é esse de pensar em matar e porque comprei essa droga de arma? Por acaso vou me tornar um assassino e complicar mais ainda essa porcaria de vida que me restou? Não, vou é deixar tudo para trás e prosseguir rumo ao desconhecido sem saber onde vou parar. Mas que porcaria é essa, quem está batendo nessa droga de porta?

— Já vai, já vai, não precisa jogar a porta no chão!

— Boa noite, vizinho, desculpe o incômodo, mas é que não vimos mais o senhor sair desse quarto e ficamos preocupadas, pensamos se por acaso não estivesse precisando de alguma coisa, sabe? Sei lá, talvez doente

— Entendo, Dona Bia, mas por favor fique tranquila, porque está tudo bem. Não precisa se preocupar — Ah, tudo bem, então. Desculpe qualquer coisa.  Mas procure sair um pouco, homem, venha na minha casa a noitinha tomar um chá ou café. Bater um papo!

— Tá certo, qualquer hora dessas apareço por lá

— Olhe, promessa é dívida, vou lhe esperar! É assim por aqui, vizinhos bisbilhoteiros é o que não falta.

Dona Bia é uma viúva carente que mora aqui ao lado, daquelas insistentes.

Está louca para me levar pra cama. Mas não rola, sabe? Não sou chegado a me relacionar com mulheres maduras, prefiro as novinhas. E foi exatamente esse tipo de mulher que me lançou no abismo. O homem que se apaixona está propenso ao sofrimento emocional, principalmente se for pelas mais jovens.  Não sou nem de longe a pessoa ideal para criticar quem caiu nesse poço sem fim.

 Afinal, foi exatamente o que tentei fazer por várias vezes.  Mesmo que por uma certa proteção do destino nunca tenha conseguido ter êxito algum. Sabe, tem males que vem para nosso bem. Mesmo que no exato momento não compreendermos as verdadeiras razões. Quando fui abandonado no altar por repetidas ocasiões só pensei numa terrível conspiração entre o céu e o inferno contra mim. No entanto, agora posso avaliar melhor a situação e perceber que há uma enorme possibilidade de eu ter sido livre da maior furada.

 Afinal, nenhuma das candidatas minha futura esposa era digna de tal coisa. Se bem que, mesmo ciente disso, ainda me martirizo por tê-las perdido. Bateram na porta, não dá para acreditar que a vizinha resolveu me infernizar essa noite.  Outra vez me incomodando com aquele papo furado de estar preocupada com meu isolamento nesse cubículo nojento?

— Já vai! Oh gente para incomodar!

— Olá, vizinho, boa noite

— Boa...noite...

— Eu sou a Gabriela, filha da Dona Bia, que mora bem aqui ao lado. Vim aqui lhe trazer essa refeição

— Nossa, minha querida, fico muito agradecido. Repasse à sua mãe meus mais sinceros agradecimentos

— Tudo bem, direi a ela. Minha santa mãezinha, que mulher é essa, batendo na porta a essa hora?

Valei-me Santo Antônio casamenteiro, será que finalmente meus olhos viram e meu coração confirmou a chegada de minha musa encantada? Lá vem eu novamente começando a sonhar com contos de fadas, será que nunca aprendo, nem mesmo depois de tantos enganos e decepções? Preciso de mais um copo desse amaldiçoado vinho de uva verde terrivelmente azedo, é puro álcool! Já estou é porre, pensando coisa com coisa, confuso das ideias.

Olhem só o que resulta em descer o nível, antes tomava whisky importado e da melhor qualidade, agora essa água roxa com um falso rótulo de vinho. O que pensaria minha mãe se me visse assim na pior, porre como estou agora? — Meu filho, tome jeito! — Ela diria.

 Essa maldita solidão na qual me encontro está mexendo profundamente com minha cabeça. E devido a embriaguez que diariamente me acompanha, estou cada vez pior. Ando semelhante a um cão raivoso que só late e não morde, nem sai do lugar. Estou revoltado com tudo e todos, rangendo os dentes para qualquer um que se aproxime. Quando apanhamos demais na vida perdemos a fé nas outras pessoas.

  Vemos todos ao nosso redor como inimigos. Logo eu, um cara cheio de confiança na humanidade. Sempre fui do tipo que acreditei que o ser humano era capaz de corrigir seus erros e se tornar cada dia melhor. Mas foram tantas feridas que inflamou dentro de mim a descrença, agora levo um tempo danado para confiar em alguém.

Passou o dia e chegou a noite, depois a madrugada, e eu aqui sem conseguir dormir — Insônia maldita! Ouço apenas as gigantescas aparelhagens que estrondam ao som de seus repertórios musicais, tocados pelos mais variados DJS. Esses gigantescos aglomerados de equipamentos sonoros estouram os ouvidos de quem as ouve. É um tremendo absurdo que as autoridades liberam em troca de altos impostos.

 Este parece ser o único Estado brasileiro a admitir essas aberrações incomodando famílias inteiras, com as malditas festas aos finais de semana e nos feriados.  Aliás, agora inventaram a tal "festa da segunda-feira", uma praga de bagunça elaborada especialmente para os desocupados. É diversão para aqueles que não possuem qualquer ocupação na vida e não se importam de amanhecer caídos na vala em pleno começo de semana.

Nunca vi nada igual antes, essa gente é assim mesmo, totalmente viciada em festas, cervejas e muita bagunça. Nenhuma outra região é tão voltada à diversão quanto essa em que vivo, talvez porque são descendentes direto dos índios. São eles os herdeiros diretos da cultura indígena — Todo paraense é índio! — Dizem o pessoal de outras regiões.  Aqui, diferente de outras partes do país, chove todo dia.

Às vezes ficava puto da paciência, quando precisava sair para o trabalho ou a qualquer outro lugar e a chuva caia repentinamente. E quando era um compromisso importante? Ai a coisa ficava preta! Bem, mas eu agia de forma errada, afinal, quantos nordestinos não rezam aos santos para que caia pelo menos umas gotas por lá. É aquele papo antigo: Uns de celeiros cheios e outros de panelas viradas.  O mundo todo sofre com as desigualdades sociais.

 Porém, o Brasil parece ser o campeão nesse particular. Afinal, aqui as injustiças e impunidades dão margem para que isso continue acontecendo. Os poderosos ficam cada vez mais ricos, enquanto os menos favorecidos empobrecem mais ainda. Sou brasileiro, mas admito que odeio as leis desse país nojento. Temos a maior quantidade de decretos aprovados e quase nenhuma aplicada em defesa de inocentes.  Nessa nação dominada pela corrupção somente os ricos se beneficiam com tais leis.

 Aqui, eles podem cometer todo tipo de crimes e continuarem impunes. Isso é Brasil, o pedaço mais contaminado pelo descaso aos direitos humanos do planeta. Altas horas e nada de sono, apenas essa droga de insónia me impedindo de apagar na cama pelo menos uns minutos para vencer o cansaço e recuperar minhas forças.

Até quando vou continuar aqui remoendo a pouca sorte que tenho e as infelicidades que me cercam? — Sabe-se lá, seu escroto! Permanecerei encarando a solidão que sarcasticamente rir de minha agonia. Talvez devesse sair logo cedo.

 E tentar levar uma ideia com aquela gostosa que veio bater na minha porta ontem à noite. Quem sabe se com um pouco de sorte ela não acabaria dando espaço para algo mais sério — Como me fazer cair noutro precipício? Sim, sem dúvida deve ser isso que estou querendo, outra vez me lascar!

Mas o que é isso, mal falei uns segundos com a moça e já vou criando falsas perspectivas a respeito? Basta ver um rabo de saia e perco o juízo, vou logo crendo ser possível rolar um lance entre nós? Quer saber, não preciso de uma nova paixão ou de amizades, não quero ouvir nem falar com ninguém, basta de decepções.

Seguirei meu caminho sozinho, distante de tudo o que possa vir a me ferir o coração novamente. De agora em diante vai ser assim, apenas eu e a solidão, nós dois e este vazio imenso neste pequeno quarto onde talvez por covardia eu e ela nos escondemos do mundo.

 Sempre mudos, calados, num completo vazio. O lugar tem como principal detalhe a pobreza em todos os seus ângulos. As paredes feitas de tábuas podres e pintadas de azul, são frágeis e fáceis de invadir. O telhado feito com madeira vagabunda e coberto com telhas de barro respingam a água das constantes chuvas que diariamente caem por aqui.

Ao invés de um ar condicionado, como possuía antes naquele luxuoso apartamento. Me resta simplesmente o vento frio das noites que penetram pelas brechas das tábuas, trazendo junto uma multidão de mosquitos. Todos gerados nas diversas valas expostas ao ar livre nessa comunidade. Vivemos sem qualquer saneamento básico nas nossas ruas.

As casas, todas sem a menor infraestrutura, despejam seus dejetos pelos regos a céu aberto, o odor é quase insuportável. Na minha opinião ser pobre é o mal maior da humanidade. Mas nem todos pensam assim, uma vez li o livro de um pastor evangélico cujo título dizia que é uma benção ser pobre.

Se na opinião dele, que certamente deve ser um homem de grandes posses financeiras, a pobreza material é uma virtude, então porque não pega tudo o que tem e distribuir aos necessitados? Depois vem morar na favela como eu e muitos outros fomos inevitavelmente forçados a fazer?  Que nada, pura demagogia barata, nem Deus é pobre!

Pela ausência de bens materiais somos menosprezados. Sofremos insultos e tratados como a escória da humanidade. Muitos líderes religiosos ensinam sobre a encarnação de Cristo como um humilde carpinteiro e sua trajetória como um homem de muitas dores e sofrimentos. Cuja intenção era nos ensinar a importância de nunca nos apegarmos às riquezas deste mundo. Porém, eles mesmos tudo fazem para acumular ricos tesouros. É fácil ensinar aos outros que viver como um miserável neste mundo acumula tesouros no céu.

Difícil é depois colocar em prática a mesma filosofia que ensinou a seus seguidores. É como costumo dizer aos religiosos que me abordam com esse papo de ter que me converter. O que de fato querem são mais seguidores para suas religiões — Raça de carniceiros, vocês comem a carne e bebem o sangue dos fiéis discípulos, em suas igrejas, na desculpa barata de que seus dízimos e ofertas são para a "Obra do Senhor"

Quando o verdadeiro destino destas verbas é sustentar suas vidas requintadas e cheias de regalias!  Mas a culpa deles se darem bem, à semelhança dos políticos, é da própria sociedade que alimenta essa malandragem. Se todos um dia compreenderem qual a real verdade por detrás dessas heresias, vão parar de jogar dinheiro fora.

Irão parar sustentar esses picaretas da fé — Bando de hipócritas miseráveis! Aí eles, então, seriam forçados a ir em busca do próprio sustento de maneira justa e o nome de Deus deixará de ser escarnecido. Estes cretinos transformaram os milagres gratuitos de Deus num comércio e estão se dando bem — Canalhas! Aqui no bairro está cheio de templos dessa e daquela igreja fulana de tal, passam vários carros de propaganda anunciando o culto. Eles chamam toda a comunidade para participarem de suas gananciosas reuniões, visando as ofertas colhidas dos babacas.

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