4 |Toda sua |

Anna Andaria 

MINUTOS DEPOIS:

— 300 mil?

Mamãe repete o número que Jamal disse valer minha castidade. Para todos, eles valem muito. Minhas lágrimas caem aos montes enquanto ele aperta meu braço, mamãe tinha acabado de cumprir uma hora com um dos frequentadores e está exausta, temo por mim e por ela.

— Não quero que venda minha filha! Não irá vender, isso não estava no nosso acordo quando me abriguei aqui!

   Jamal Youseff gargalha, olho para mamãe com medo do que à por vir.

— Rapariga tola! Não é um dos homens palermos que dormem com você, é o Sheik da Arábia Saudita! Tudo que ele quer, ele tem. Por sim ou por não, sua filha vai trepar com ele, mas a escolha é sua vendê-la e ficar com boa parte da grana. Eu até perdoo suas despesas e deixo-a sair pela porta da frente.

É uma oferta idiota, eu sei que mamãe jamais me entregaria por dinheiro, mesmo que eu fosse de uma maneira ou outra, não seria causado por suas mãos. Eu sei disso, disso eu tenho certeza.

— Feito. — O quê?!

Mama?

Jamal dá risada, mamãe se vira de costas para mim. Ela acaba de me deixar ir, acaba de autorizar um desconhecido há me usar. No meu aniversário de dezoito anos.

— Querida precisa entender, que se o Sheik te quer será ótimo para você. E eu, eu vou ficar livre.

— Mas eu não mamãe, eu não vou ficar nunca. Vou ficar aqui, serei uma concubina, serei maltratada mama!

Tento me soltar de Youssef, ele me aperta com um sorriso no rosto. Meu mundo que era apenas uma torre fraca em uma construção remota, acaba de ir à ruína. Desmoronou, algo que jamais acreditei vir de minha mãe! Sempre estive ao lado dela e ela ao meu, sempre à ajudei tanto quanto ela me ajudou, e agora é isso? Ouvir da boca dela dói demais, estarei em prantos eternamente.

— Tem certeza? Soraya?

— Eu quero que prove seu... vai me dar mesmo o dirrã?

— Prometo rapariga, a metade inteira, agora a rapariguinha precisa ser produzida. Hoje é noite de vitória, não?

Jamal me puxa para a porta, me arrastando para fora do quarto.

Mama? Mama? Mamãe, mãe...

Ela nem hesitou, nem virou para me ver sair arrastada com lágrimas nos olhos.

MINUTOS SEGUINTES:

Uma banheira de madeira calcária, com flores de lótus rosas e brancas, com outros produtos. Seguro a toalha no meu corpo, não querendo desgrudar nunca, duas mulheres velhas estão me esperando.

— Precisa entrar menina.

— O que vão fazer comigo?

— Você apenas entrará no banho mocinha, um banho normal de banheira. A diferença é que vamos examiná-la, queremos a prova de sua castidade. —  Sinto minha respiração parar, me sufoco por alguns minutos.

— Eu sou virgem, nunca me deitei com ninguém.

— Isso será ótimo, mas quem sabe já não se tocou? Ou não foi tocada? Sua palavra não basta.

— Eu nunca...

— Entre logo, não faça a gente obrigá-la!

Deixo a toalha cair com vergonha, elas me ajudam a entrar na banheira quente. Enquanto elas me lavam e passam as mãos pelo meu corpo inteiro, eu choro muito ainda sentido toda tristeza e decepção que alguém pode sentir. Não consigo aceitar que no meu aniversário mamãe me vendeu, que serei de um homem, o homem mais cruel da Arábia. Desejo por um momento nunca ter nascido, nunca ter nascido mulher e ser obrigada a tanto. Eu nunca tive uma maldita alternativa.

Assim que as duas senhoras  terminam, secam-me como se eu não pudesse fazer isso, passam cremes naturais no meu corpo. Não consigo lutar contra e nem adiantaria.

Colocam uma lehenga vermelha em mim com bordas pretas brilhantes, admito ser a peça de roupa mais linda que já usei, mas não tem privilegio algum para mim agora. É como se eu fosse arrumada para ir ao abatedouro.

Depois de tudo, elas me levam ao cubículo das concubinas para o restante.

(...)

— Anna! Que Lehenga linda, você se deu muito bem!

— Você está bela, Anna.

Algumas das meninas falam para mim, olho para o chão, e não para elas. Mera me ajuda, eu fico na penteadeira única na qual Yasmin predominava por tempos.

— Vou escovar bem seus cabelos e colocar uns bijus, vai ficar divina!

Me olho no espelho, meus olhos estão esmagados de dor e da ruína que meus dias irão se tornar. Olho para o reflexo atrás no espelho e vejo uma Yasmin furiosa.

— Ele me dispensou sem dizer uma palavra, pediu para o segurança me levar! E tem mais, parece que essa menininha... — ela vira a cabeça indicando a todas que se tratava de mim — vai ser levada há um lugar melhor para ser traçada, isso mesmo... Ele não vai se deitar com ela aqui, como sempre fez comigo e com outras!

O quê?! Não vai ser aqui? Que importância isso tem? Minha vida já está destruída, mais um pouco debacle não é nada.

— Calma Yasmin, isso é comum com as moças puras. — Mera tenta acalmá-la enquanto arruma meus cabelos, olho para minhas mãos e deixo as lágrimas tocarem minhas palmas.

— Está certo meninas, ele não vai gostar dessa fresca mesmo. Virgens são cheias de mi-mi-mi, ele não vai aturar e vai voltar para mim. Ela só será dele por uma noite.

Ela fala como se eu não tivesse aqui, Yasmin está desesperada, ela nem imagina o quanto eu faria para deixá-la no meu lugar.

Quando Mera termina, eu fico inacreditada com o que aconteceu comigo. Sou outra no espelho, de maquiagem e bijuterias, mas me sinto um gatinho preso na árvore. Uma lágrima cai e ela seca com pó.

— Não chore, vai acabar estragando tudo.

— Por que aquele homem me escolheu?! Por que mamãe deixou eu ir assim?! Está tudo errado.

— Está tudo correto e esse é seu destino, você é a moça mais linda e doce daqui.

— Chega da palhaçada! Cadê a rapariga?! — Jamal entra no cubículo e coloca os olhos rapidamente em mim. Estremeço, está chegando...

— Vadia, meretriz...

Ele puxa-me pelo braço, tenho tanto nojo e raiva dele que posso sentir a ânsia de vômito embrulhar meu estômago.

— Quando voltar amanhã cedo, eu mesmo irei te usar e irá ser minha concubina particular.

   Yasmin se levanta do sofá em que estava secando os olhos.

— Ele falou alguma coisa de mim? Disse que eu iria também?

— Calma Yasmin, por hoje ele só comprou essa daqui!

Jamal segura meu pulso, eu sei pouco sobre Yasmin, mas já ouvi boatos de que ela é ex-namorada dele.

— Enfim, diga para Aninha que ela é seca! Sem gosto e sem sal, ele vai odiá-la! Que se divirta muito que é só por hoje, que ele provavelmente será o último que vai tocar nela, a não... Jamal também pode tocar, mas esse é de graça! Cortesia da casa.

Risos cercam a sala, Jamal até sorri e então me segura forte para sair do recinto.

O som alto da casa, antes de sair pela porta principal vejo mamãe dançando nos palcos, lembro dela ensinando-me a dançar... E tudo vira controvérsia. Nunca duvidei de mamãe e apesar dela ter aceitado a oferta da minha volta, não quero odiá-la ainda a amo muito. Não consigo evitar uma lágrima. Quando chegamos no ostentoso lado de fora da boate que eu não via a anos, vejo o Sheik perto de um carro preto de luxo.

Sua cara de mal, sua barba, os olhos frios e azuis. Sinto meu ar evaporar, sinto medo do que a por vir, seus músculos, meu pânico.

— Senhor Mustafá, essa é Anna, por todo Dirrã efetuado, pelo petróleo e honra, ela é toda sua.

***


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