1 |Essa noite|

Anna Andaria

NO MEU país as mulheres servem para três coisas, tem as mães, as filhas e as concubinas, apenas isso. Todas as mulheres são legalmente consideradas menores de idade e não podem se casar, divorciar-se, viajar, conseguir um emprego, ser libertadas da prisão ou fazer cirurgias eletivas sem a permissão de seus guardiões do sexo masculino. Muitas vezes o guardião masculino de uma mulher é seu pai ou marido e, em alguns casos, o seu próprio filho. As coisas estão, levemente, começando a mudar se é que podemos chamar isso de mudança. 

Minha mãe não era concubina, mas fugiu de casa aos 17 anos quando seu baba tentou obrigá-la a se casar, ela estava apaixonada por outro homem, meu baba. Os dois fugiram, mas não demorou muito para meu avô descobrir onde eles estavam. Ele matou meu baba com uma adaga e atirou três vezes na minha mãe por uma questão de honra. Por um milagre divino ela sobreviveu ainda grávida de mim. Eu nasci em um parto difícil e emergencial, ela me chamara de Anna por causa da minha avó que estava muito doente. Sem dinheiro, sem direitos e sem lugar para viver o único que abrigou ela foi Jamal, o dono do prostíbulo mais apreciado de Riad. 

Eu não sou uma concubina, sou uma faxineira, mas só por estar aqui e minha mãe ser moça da noite, também não ter um guardião, sou considerada uma menina com o destino traçado para a luxúria.

AGORA:

Depois de esfregar o chão da primeira sala com escovas grossas e lavar todo o chão, meu sári marrom, um dos únicos três que tenho, está todo molhado e sujo. Sento ao lado do balde em uma cadeira me apoiando em um rodo. É apenas 14h30min e as dançarinas já estão se preparando para o espetáculo de hoje à noite, o Sheik mais poderoso da Arábia irá aparecer, ele vem uma vez por semana e tudo tem que estar nos mínimos detalhes. Eu nunca o vi, só trabalho no turno da manhã, todas as moças daqui falam da sua tamanha beleza. 

Suspiro fundo vendo as garotas dançando, suas cinturas em harmonia e sintonia. Eu acho tão bonito! Imagino-me dançando também, mas não gosto da humilhação! Eu não entendo, são os homens que frequentam esse lugar, são viciados! Gastam pilhas de Dirrã (dinheiro) com as moças, mas elas que são xingadas e profanadas por se deitar com eles. Minha mãe me ensina dançar às vezes, eu danço apenas quando estou sozinha com ela. 

Limpo a área exterior da casa todinha também. Não reclamo de limpar. Distraio-me muito da minha vida real quando faço isso e amo ver o resultado de tudo, Amiras Hari's como um dos estabelecimentos mais frequentados do país é lindo e libertino, mesmo limpando com todo esforço no outro dia tudo fica imperfeito e imundo. 

HORAS DEPOIS: 

A nossa casa, minha e de mamãe, é um quartinho pequeno no fundo do prostíbulo. Mamãe paga por dormimos aqui para o dono, Jamal um daqueles homens que só pensam em dinheiro. Os homens sempre mexeram comigo, os amantes de mamãe e principalmente Jamal. Eu tenho minhas técnicas para fugir deles. Tranco-me no banheiro ou em qualquer lugar que não me alcancem e durmo ali se for preciso, isso acontece desde quando me conheço por gente e o medo só cresceu comigo. 

Quando chego ao nosso cantinho, tranco bem a porta. Pego os temperos e a carne na geladeira, faço o almoço de mamãe com carinho. Depois esquento três garrafas de água para não acabar com a água quente do chuveiro, encho uma bacia de água morna para mamãe colocar os pés doloridos de tanto dançar, olho no relógio de barro o exato minuto que ela bate na porta. 

- Mamacita! Já estava com saudades!

Eu abraço-a e levo-a para o sofá, coloco seus pés sobre a água quente e deito o rosto em seu colo para ela poder fazer pequenas tranças no meu cabelo como gosta tanto. Sinto sempre muitas saudades de mamãe, apesar dela estar bem perto de mim nos vemos apenas três horas por dia, a hora do almoço, ela treina a manhã toda depois vem almoçar, logo em seguida volta para a boate e se arruma para os espetáculos, na madrugada ela sai com os rapazes que à compra e só volta no dia seguinte. 

- Hoje à noite o dia vai ser bem mais complicado, mas renderá bastante. 

- Por que mamãe? 

- Hoje é o dia do Sheik mais poderoso Anna, apesar de vir Sheik's todos os dias esse é o mais poderoso dos Emirados. 

- Hm... Dizem que ele é cruel, nunca vi, mas já carrego medo. 

- Como grande maioria dos homens do nosso país ele é, foram criados assim. Mas eu sei que ele não me quer, ele só fica com a Iasmim, aquela loira dondoca que se acha por ser a única amante do Sheik. Ele só escolhia uma por ano, ela é a felizardo há dois. 

- Felizarda? 

- Ora Anna. Por se deitar com o Sheik mais poderoso, todos os homens vão querer ela e ela é bem remunerada pelo Mustafá, Iasmim usa mais joias que qualquer outra. 

- Eu só queria ajuntar dinheiro e sair desse lugar mamãe, nos livrar de Jamal - Ela beija minha testa sorrindo:

- É tudo que eu mais queria. 

Olhávamo-nos com ternura por alguns segundos, ela faz cócegas em mim até sermos assustadas, alguém tenta arrombar a porta com diversos chutes e consegue na sétima tentativa, esse alguém chamado Jamal Youssef. 

Colo em mamãe com medo me tremendo. Jamal entra com sua fúria nos olhos negros, ele já me bateu centenas de vezes. Ele alisa aquele bigode olhando para todos os lados. Ele sempre revista nosso quartinho, mas não veio hoje para isso. 

- A rapariga e a filha da rapariguinha! 

Ele arruma sua túnica, segura um bastão de ferro com força nos punhos. 

- O que queres superior? 

- Faz dias que não me paga direito pela sua estadia aqui! Eu disse que viria cobrar sua puta suja! 

- Se é assim, já tenho o dinheiro ajuntado! Pago cada moeda de Dirrã. 

- Não, não. Eu quero outra coisa Soraya, quero sua cadelinha. 

Aperto o braço de minha mãe com força, eu queria tanto poder fazer alguma coisa, mas não tenho alternativas ele é mais forte. As lágrimas borram minha visão. 

- Saia daqui Jamal, o trato foi que eu lhe pagasse e você ficasse longe de mim e de minha filha. 

Ele sorri caminhando com passos tranquilos até nós. 

- Você me paga muito mal e sua filha já não pode enganar os homens se passando por criança, apesar do tamanho e do rostinho ela completa dezoito amanhã, não é mesmo?! A cadelinha tem um corpinho de sucesso! 

Olho para Jamal com lágrimas nos olhos, ele gira o bastão nos dedos. 

- Primeiro vou te dar uma surra Soraya, aprenda a não levantar a voz contra mim! Anna vai trabalhar na noite. 

- O quê?! Minha filha? Não mesmo!

Ele acerta o bastão no seu rosto com força, mamãe cai no chão e eu seguro seu rosto que derrama e me suja com o sangue. 

- Mama! Mama! Olhe o que você fez com minha mãe! 

Jamal me segura pelo sári e aproxima seu rosto nojento do meu, então acerta um soco forte que também me faz cair, me chuta para o lado de mamãe que grita e chora. 

- Vai trabalhar faxinando a noite toda até os pés fraquejarem e criar calos nas mãos, já que eu não posso ter sua castidade, eu vou te torturar muito cadelinha! Agora acho  melhor você trocar esse sári sujo, vai começar hoje! Esta noite.

***

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