Palavras vazias em um pacto frágil

Selene não esperava uma grande recepção em sua chegada, mas a falta de pessoas no dia de seu casamento e a frieza que a cercava era angustiante.

O sacerdote começou a cerimônia, pronunciando palavras vazias em um pacto frágil. O homem ao seu lado, recebendo com ela a benção matrimonial aumentava seu receio. O pai estava louco se achava que teria qualquer chance contra o cavaleiro alto e musculoso para o qual ele a entregou em casamento.

Quando Cedric entrou na capela, estranhamente Selene sentiu o coração disparar e um frio na barriga ao erguer os olhos para o rosto másculo.

Ele tinha profundos olhos pretos, cabelo escuro e a pele bronzeada, como se passasse cada hora do dia sendo beijada pelo sol. Uma beleza alta, selvagem e fria, foi como sua mente o descreveu conforme ele caminhava com a expressão fechada na direção dela e do sacerdote.

Inimigos de guerra unidos em matrimônio, forçados a isso em um acordo tão frágil quanto um dente-de-leão ao vento. Assim foi o matrimônio de Selene, princesa de Magdala, e Cedric, o Rei Corvo. Quando foram declarados marido e mulher, Cedric agarrou sua mão com força e a arrastou para uma saleta. Selene teve as costas prensadas na parede e os seios contra o tórax forte.

— Bem, agora você é a rainha de Eszter — Cedric disse seco, as íris negras adquirindo um crescente brilho avermelhado. — Por quanto tempo? — rosnou levando a mão ao pescoço delicado.

Assustada, Selene inspirou fundo, o que se mostrou um erro. O aroma dele, semelhante à chuva caindo em pinheiros, a envolveu como veneno, seu coração acelerou, suas pernas tremeram e cambalearam para frente, atraídas por um laço invisível.

Inimigos. Não importava a união forçada pela busca por paz. Eram inimigos, a mente de Cedric gritava junto com recortes da dor que o pai de sua esposa infligiu nele e em seu povo. A mesma mente que estava inebriada pelo perfume de flores silvestres e mel, que o fazia observar a curva suave da boca rosada.

— Isso é... encantador... — Cedric murmurou sem pensar.

Avaliativo, o olhar dele se fixou nela e momentaneamente se viu perdido na visão. Miúda, Selene possuía cabelo loiro-platinado e olhos azuis como a maioria das pessoas de Magdala, incluindo o pai dela. Mas os dela não tinham o brilho purpúreo da magia da escuridão e nem carregavam maldade, ao contrário, pareciam gentis, inseguros e repletos de medo.

Forçou-se a manter o foco e resistir à beleza da filha de seu inimigo. Não podia permitir-se sucumbir e fraquejar diante da filha do inimigo, repetia como um mantra.

— Dever cumprido — Cedric disse se afastando um passo, determinado a ignorar a beleza dela e cumprir a promessa que fez aos pais mortos. — Você é minha, para que eu faça o que quiser, até a sua morte.

Selene ergueu o rosto, sua tez clara tornando-se ainda mais lívida ao enxergar no fundo dos olhos negros a sede de retaliação.

Quando ele levou à mão a espada presa ao cinturão, viu sua morte na ponta do aço com punho de corvo, o que à fez correr para fora em desespero. Mesmo não tendo para onde ir, mesmo que do lado de fora só houvesse pessoas que a devolveria para a morte certa pela espada do seu agora marido.

Alguém barrou seu caminho e, sem pensar, com uma fina esperança alucinada, ergueu os olhos em súplica.

— Me ajude!

Ouvindo os passos apressados atrás de si, estremeceu dos pés a cabeça e se apertou contra o peito do desconhecido, as lágrimas nublando sua visão.

~*~

Cedric saiu irritado atrás da esposa, a espada a postos para colocar um fim rápido naquela união, mas quando chegou ao corredor recuou surpreso.

Tristan, seu melhor amigo, o homem que arriscou a própria vida para salvá-lo no campo de batalha, e por isso carregava ferimentos profundos pelo corpo, segurava Selene pelos braços contra o peito.

Mas não era isso que o fez parar e encarar os dois em choque. Havia uma luz azulada emanando da jovem para Tristan, percorrendo os vincos que cobriam todo o lado direito dele.

— Ela possui magia lunar! — Ouviu Ayala, que nem mesmo percebeu se aproximar, murmurar ao seu lado. A maga estava impressionou-se, pois se tratava de um poder raro. — Fraca, sem controle, mas consigo sentir... Não pode matá-la — anunciou, complementando para convencê-lo: — Ela pode nos servir no futuro.

— Ao inferno! Tenho magia suficiente do meu lado, não necessito de mais — Cedric resmungou caminhando até a esposa e o amigo, os passos rápidos, temendo que, ao contrário do que a maga achava, Selene controlasse a magia e estivesse fazendo mal ao seu amigo.

— Solte-o! — Cedric, ordenou.

Trêmula, Selene se afastou e virou-se de olhos fechados, pronta para a sentença de morte que enxergou através dos olhos do recente marido.

Cedric ergueu a espada, pronto para desferir um golpe fatal. Porém Tristan colocou-se na frente da jovem.

— O que pensa que está fazendo?

— Não sei como, mas a dor diminuiu — Tristan disse com um sorriso, algo que fazia meses Cedric não via na face do amigo.

Abaixou a espada e observou o amigo. Os cortes, por onde antes passava um constante, fervente e torturante magma, fruto de uma maldição conjurada para atingir Cedric, estavam enegrecidos, com fumaça saindo deles.

— A magia lunar tem o poder de cura. Por ser fraco, o poder dela somente estabilizou as feridas, provavelmente voltaram a queimar em algumas horas. — Ouviu a feiticeira declarar baixo, de forma que só os dois pudessem ouvir. — Posso ensina-la a controlar a magia, de forma que eu possa capta-la a nosso favor caso o Perverso volte atrás na palavra. Ela pode ser nosso trunfo.

Sendo um reino situado no meio do mar, cercado por rochas e cachoeiras, invadir Magdala era uma missão quase suicida, por isso ganhar a guerra tornou-se uma tarefa impossível e aceitou o casamento. Embora o tempo todo planejou se livrar da esposa após a cerimônia. Olhou para o amigo, depois observou a agora esposa encolhida, de cabeça baixa e sem nenhum traço de magia rodeando-a. Depois se voltou para Ayala, aguardando sua decisão.

Cedric refletiu sobre as palavras de Ayala e percebeu que em sua sede de vingança quase reiniciou o derramamento de sangue. O matrimônio era uma tentativa desesperada de trazer a tão ansiada paz aos reinos após anos de guerra. Embainhou a espada e olhou para os dois guardas que estiveram o tempo todo do lado de fora da saleta.

— Levem-na para a ala sul e garantam que jamais atravesse meu caminho — ordenou antes de se afastar em direção à ala norte, em que ficavam suas acomodações, sem sequer lançar um último olhar a sua “esposa”. A distância entre eles era uma barreira construída por anos de hostilidade, e ambos estavam prisioneiros numa união indesejada, no que dependesse dele, aquela era a primeira e última vez que ficariam no mesmo ambiente.

Porém, o destino não pensava da mesma forma e uma silenciosa batalha já começava dentro de seus corações.

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