Minha esposa, rainha de Eszter

Forçando as pálpebras a se abrirem, Selene observou um teto branco por um segundo, antes de uma dor aguda a fazer fecha-los com um gemido trêmulo. Seu corpo doía por inteiro.

Ergueu um braço, para suavizar a luminosidade em seus olhos. Com a visão melhor, reparou nas ataduras cobrindo todo seu torso.

Como um raio as lembranças do que aconteceu antes de desmaiar a atingiu. O empregado conjurando um portal; a fera esverdeada; o ataque feroz; a chegada de um ser alado, que logo soube se tratar de Cedric, junto com a certeza de que ele terminaria o serviço e a mataria como tentou no dia do casamento; o abrigo quente e reconfortante que encontrou nos braços dele.

Confusa, fraca, com uma sensação pastosa na língua, e sentindo os braços e pernas pesando como chumbo, piscando observou o que a cercava.

Estava em um quarto pequeno, com outras três camas, um armário com remédios e havia uma cadeira próxima a sua cama. Sentado na cadeira, em trajes elegantes e encarando-a com os profundos olhos negros estava Cedric.

— Onde estou...? — perguntou a voz saindo esganiçada, a garganta seca arranhando a cada sílaba.

— Na ala médica da fortaleza — ele respondeu, a voz grossa preenchendo o ambiente.

— Como vim... parar aqui...?

Ele a fitou em silêncio por um segundo, desviou o olhar e respondeu friamente:

— A carreguei até aqui para que cuidassem de suas feridas.

Ficou surpresa por Cedric estar ali, por ela estar viva e, acima de tudo, por ele a ter salvado do ataque e mandado cuidarem de suas feridas, no lugar de deixa-la morrer. Desde o casamento, ele nunca tinha sequer olhado para ela depois da cerimônia, não mandou nem uma carta ou palavra por mensageiros, mas desta vez, tinha ido salvá-la. Era um milagre.

— Obrigada...!

O agradecimento fraco e trêmulo fez Cedric, voltar a olhar para Selene, algo que até aquele dia não se permitia.

Selene, sua bela e pequena esposa, tinha o sangue do homem que matou seus pais, do monstro que executou milhares de inocentes por pura sede de poder, do demônio que Cedric jurou, diante das cinzas de seu povo, destruir e fazer sofrer de todas as formas possíveis. Deveria odiá-la, deixar que morresse e assim afetar o rei Phelix.

No entanto, quando a oportunidade apareceu, quando ninguém sequer poderia dizer que Cedric causou a morte dela, de forma que Phelix não teria desculpa para recomeçar a guerra, ele a salvou.

Foi um ato impensado. Ouviu os gritos quando estava prestes a abandonar a fortaleza para checar os arredores, identificou Selene sendo atacada e simplesmente voou ao local para protegê-la como um leão faz pelos seus. E ela de fato lhe pertencia desde que a aceitou em casamento, embora sem intenção alguma de aceitá-la em sua vida.

A verdade é que durante todo o tempo que a ignorou, sabendo que todos dentro do reino seguiriam seu exemplo, jamais encontrou algo que a desabonasse, que mostrasse que era tão perversa e sem coração quanto o pai.

Ao contrário.

Tristan, seu melhor amigo, a idolatrava e só não passava mais tempo ao lado de Selene por ter funções junto à guarda real. E não era só pelo fato de que as dores dele diminuíam na presença dela. Notava a felicidade que tomava o rosto do amigo quando estava perto dela, era genuína e calorosa, até demais na opinião de Cedric.

Se a adoração do amigo por Selene não bastasse, quando não sabiam que estava por perto, vários empregados, aldeões e até guardas declaravam que ela era gentil e bondosa, até mesmo com a pessoa mais grosseira a atravessar seu caminho.

Queria odiá-la, despreza-la, mas era dominado por pena, por ela aguentar calada o tratamento frio e indigno para uma rainha. Também sentia uma sensação esquisita domina-lo toda vez que colocava os olhos nela, motivo que evitava fazê-lo.

Passou os dedos pelo cabelo, respirou fundo e desviou de novo a atenção dos suaves e bonitos olhos de sua esposa, de um tom de azul tão claro que se assemelhavam a duas luas.

“Selene precisa amar e ser amada”. Seria mais fácil se Ayala tivesse pedido para lutar contra uma centena de demônios, monstros e seres rastejantes com nada além dos punhos.

— Não agradeça — desdenhou levantando, achando impossível iniciar o plano de conquistar a afeição de Selene, de modo a beneficia-lo com os poderes de cura. — Fiz o que faria a qualquer um do meu reino — justificou friamente, andando em direção à porta e para o mais longe dela, da perturbação que lhe causava.

— Majestade... — o chamou, juntando coragem para aproveitar a oportunidade e pedir gaguejante: — Permita-me morar sozinha fora do palácio... da fortaleza...

— Você é minha esposa, rainha de Eszter, seu lugar é dentro da fortaleza — Cedric recusou sem ao menos se virar.

Selene apertou os lábios para controlar a vontade de dizer que ocupava uma ala vazia e sombria do palácio do qual se tornou rainha. Respirou fundo e, sentindo o coração batendo veloz de ansiedade, insistiu:

— Quase todos da fortaleza me ignoram... Não suporto morar aqui... — contou esperançosa de que isso o fizesse atender seu pedido. — Por favor, deixe-me morar em uma casinha fora da fortaleza...

— Não! — voltou a recusar enfático.

Observando em silêncio ele partir, Selene engoliu em seco e inspirou profundamente tentando acalmar o coração para não surtar. Não adiantaria discutir com um rei impiedoso, isso foi o que aprendeu em anos sendo maltratada e agredida pelo rei de Magdala, o seu próprio pai.

Embora Cedric, depois da tentativa de matá-la após o casamento, nunca tivesse erguido a mão ou a espada contra ela, e até permitia que tivesse uma vida agradável em comparação a que teve na torre em que foi trancada durante anos por seu pai.

Esgotada, sentindo o corpo repuxando e doendo, afundou embaixo do lençol e observou as ataduras sabendo que havia mais faixas em torno de seu corpo da cintura para cima.

Pelo menos agora afastou de vez o medo de ser degolada a qualquer momento pelo marido. Não entendia completamente o comportamento estranho dele, mas Cedric impediu sua morte e ainda mandou curarem suas feridas, sinal de que o medo de a qualquer momento ele ordenasse sua decapitação era infundado.

Encarou o teto pensativa. Agora que o receio que a assombrou dia e noite foi afastado, perguntou-se por qual motivo tentaram matá-la.

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