CAPÍTULO 02 - Conversas Banais e Espaço Na Cama

Jazz ressoando pelo apartamento inteiro e o cheiro suave de um ótimo vinho tinto me inebriando, essa era de longe a descrição da minha noite perfeita. Não precisava de muito para me sentir satisfeita, para sentir paz.

Passei o dia inteiro me desdobrando em mil para fazer tudo o que era possível na Hayans. Fiz mais umas trezentas ligações para resolver assuntos do casamento e tive uns quinhentos picos de raiva em cada uma delas.

Mas a noite me pertencia. Não me permitiria continuar sofrendo mais, os últimos dias tinham feito o belo trabalho de me deixar em cacos. Bastava.

— Ah, e teve aquela vez que meu pai pegou o Scott transando com uma garota no escritório dele na mansão. Acho que nunca vi Paul Legard tão decepcionado... Sendo assim, meus irmãos ganham de mim em "motivos para serem deserdados" — concluiu, bebendo o último gole do líquido tinto em sua taça.

Eu não deveria deixar Corey beber, mas o final de semana estava próximo então, foda-se.

— Depois dessa noite as coisas ficaram bem pesadas — desdenhei, não querendo dar continuidade àquele assunto.

Havia certas coisas no passado que não deviam nem sequer serem lembradas em pensamentos, quanto menos serem descritas em palavras proferidas. Se fosse possível guardar a dez mil chaves, que assim fosse feito.

— É, não dá pra esquecer das consequências de desobedecer uma das principais regras… Mas enfim, meus pais não podem me odiar por um motivo tão neutro. É um casamento. Coisa que eles mais queriam que acontecesse. Só não com quem eles queriam.

— E você por acaso sabe quem era a sua pretendente? Alguém te disse alguma coisa? — Demonstrei um pouco mais de interesse, voltando a me aproximar do homem sentado na banqueta da minha cozinha.

— Não. Só sei que se não estão felizes com o anúncio da cerimônia, significa que tinham outros planos pra mim, bem distintos dos meus.

Fato. Os Legards gostavam de estar no controle total, e se pudessem decidir até a quantidade de vezes em que seus filhos fossem ao banheiro, eles fariam.

— Faça eles amarem ela como você a ama, e tudo vai ficar bem. Eu acredito no seu potencial de persuasão, era pra tomar apenas um copo de suco natural e já está na sua terceira taça de vinho. — Tentei interromper o ato de Corey despejar mais líquido no lindo recipiente de cristal mas não tive êxito.

— Nem pense em me negar isso, senhorita J. — Se levantou contornando a bancada mais rápido do que eu fui para alcançá-lo. — Não me responsabilizo pelas minhas mãos te fazendo cócegas como forma de punição.

Com a ameaça, nem pensei em impedir que se servisse mais uma vez. Pelo menos naquela noite não poderia ter as mãos de Corey me tocando, estava fraca demais.

E depois de discutirmos um pouco mais sobre as possibilidades de meu chefe ser deserdado, e chegar a conclusão de que isso não aconteceria, estávamos nós ali, como sempre estivemos. O apartamento só nosso e nossa relação diferenciada que intrigava minha melhor amiga e os demais.

Sim, Corey tinha um espaço enorme reservado no meu armário apenas para deixar todo o necessário, como se ali fosse sua própria casa. Sim, ele muitas vezes dormia na minha cama, apesar de ter outros quartos no apartamento. E sim, ele fazia massagem nos meus pés enquanto eu tentava formular palavras para relatórios.

Essa era nossa amizade de longa data, e relação chefe/secretária. E claro, aquele algo a mais que eu não gostava de falar, mas, éramos também família.

— Você come isso todas as noites? — questionou de cenho franzido, observando eu colocar catchup na batata palha com azeitonas picadas dentro da cumbuca de porcelana, presente maravilhoso que sua mãe me deu.

— Se eu estiver com fome, sim — respondi levando a primeira colherada até a boca. — Você não quer?

O homem torceu o nariz.

— Obrigado. A dieta que você me faz seguir não permite que esse tipo de gordura misturada com sódio puro entre pela minha boca — resmungou irônico.

— Ainda bem que você segue a dieta. Eu é que não quero ter dor de cabeça se você comer bobagens e depois ficar gordo e com problemas de saúde. Já é um saco te aturar assim, imagina se sua vaidade se sobressai enquanto você só se alimenta com porcarias. Eu estaria ferrada.

— Nossa, que engraçado. — Forçou uma gargalhada. — Só queria saber como é que tanta besteira entra por essa boquinha linda e não danifica esse corpinho maravilhoso.

Olhei para Corey com as sobrancelhas arqueadas.

Então ele deu de reparar o meu corpo?

— A Mia me obriga a fazer vários tratamentos estéticos, baby. Não se engane com essas pernas sem estrias e celulites. Elas estavam aqui, mas minha amiga deu um jeito, um tanto quanto caro, de tirar elas e deixar minhas coxas lisas.

— Ah claro, estética... Isso explica porque parece que você colocou silicone.

— Como é? — Quase engasguei, tossindo e levando a mão até a boca para não cuspir minha receitinha deliciosa para fora.

— Ué, a sua... — Gesticulou algumas coisas desconexas como se apontasse para algo atrás de mim. — Sua bunda. Ela tá enorme.

— Corey! — repreendi sua constatação. — Eu não coloquei silicone na minha bunda, seu idiota. Posso ser ocupada demais, mas arrumo tempo para, pelo menos, fazer alguns agachamentos.

— Bom, de um jeito ou de outro ela aumentou de tamanho.

Sorri envergonhada com o comentário e apontei para o sofá, indicando para que ele fosse se sentar e quando o fez, também me sentei e não demorei a levar meus pés para cima de suas coxas espalhadas sobre o estofado.

Que a noivinha insuportável me perdoasse, mas Corey tinha belas pernas, resultado de muita malhação.

Ele não esperou um único segundo para me tocar com os dedos e iniciar sua massagem maravilhosa, enquanto liguei a televisão e deixei no canal de um jornal local apenas para fazer um barulho extra na sala, contrariando minha vontade inicial de não ter meu chefe me tocando. O álcool já trazia seus efeitos.

— Vamos parar de falar sobre a minha bunda para falar sobre o sexo com sua noiva — sugeri com um sorriso debochado.

O homem me olhou como se eu tivesse dito as piores palavras do mundo para ele, como se houvesse uma afronta gigantesca em cada uma delas.

— Por que temos que falar sobre isso? — Fechou a cara.

— Porque você sempre me conta como é o sexo com todas as garotas que você sai. É justo me contar como foi que ela te fisgou a ponto de pedi-la em casamento — disse o óbvio.

Sim, eu era tipo o melhor amigo homem de Corey também, ele me dizia tudo, sem exceções, então nada mais normal do que contar como uma garota tão mimada conseguiu conquistar as duas cabecinhas dele.

— Bom, tudo bem. — Pareceu um pouco desconfortável. — Na verdade, é normal, como todas as outras foram.

— Sem surpresas agradáveis? — Fiz uma careta de desgosto para debochar, mas focado na tela do aparelho a nossa frente ele não reparou.

— Sem muito de diferente, Chloe. Mas isso não é um problema, certo? — Virou o rosto para mim e questionou querendo uma resposta verdadeira.

— Não, claro que não.

Na verdade, era sim.

Se tinha uma coisa que Marisa Legard falava sobre seus filhos, em particular, era que eles precisavam de mulheres que se dispunham a estar no controle.

O motivo era muito simples. Corey, assim como os outros, praticamente comandava uma empresa. O seu setor era suficiente para transformá-lo em um chefe que precisava colocar ordem e mostrar liderança o tempo todo.

Isso fazia com que uma carga recaísse sobre ele, como se na maior parte dos seus dias ele tivesse que apenas mandar e demonstrar poder.

Nas palavras da mãe dele, isso era o que trazia a necessidade de uma mulher que gostasse de dominar. Na cama ele precisaria de alguém que quisesse impor as coisas, não deixar o poder nas mãos dele como a cada minuto dentro da empresa ele tinha que fazer.

Havia a necessidade de ter alguém que tirasse esse fardo de suas costas, no sexo. Ter que dominar e comandar o ritmo, como em todas as outras áreas da vida, era cansativo demais para ele, e, enjoativo a ponto de ser motivo para não manter um relacionamento fixo, firme, e estável com uma só mulher.

Será que Lily era uma Dominatrix e ele não quis me contar?

— A Lily é boa, e isso é suficiente — disse sem muito ânimo, subindo seus dedos para perto de minhas coxas, em um ato que talvez nem ele tenha percebido.

Eu estava de camisola, curta e de alcinhas. Corey só de calça jeans com as meias nos pés e o tronco nu, com os braços definidos se movendo sobre mim.

Não era uma cena muito normal ter as mãos dele acariciando minhas pernas enquanto eu comia bobagens e falava sobre sexo, não era normal para alguém que estava noivo.

Me dei por vencida com sua explicação simples, evitando pensar nele transando com uma mulher que eu mal tinha visto na frente e já odiava. Depois de algum tempo em silêncio, acariciando quase toda a extensão de minhas pernas e fingindo prestar atenção no que a moça do tempo falava, ele me olhou com aquele puta sorriso incrível.

— Posso dormir aqui hoje?

Cerrei os olhos e ponderei por alguns segundos, que se tornaram talvez minutos.

Na última vez que deixei ele dormir no meu apartamento, Corey levantou mais cedo e se ofereceu para fazer café. Me obrigou a tomar e quando o fiz, tive uma surpresa desagradável ao constatar que ele havia colocado sal no lugar do açúcar, e o pior é que não foi de propósito, ele só era um verdadeiro desastre na cozinha mesmo.

Além disso, não poderia esquecer de quando meu querido melhor amigo escondeu a chave do apartamento e não me deixou sair para o trabalho, alegando que nós dois estávamos com um resfriado tão forte que precisaríamos ficar trancados em casa, motivo de bronca gigante vinda do patriarca dos Legards.

Claro, passamos o dia inteiro assistindo filmes de comédia e comendo pipoca, mas a bronca ainda esteve lá.

Corey amava agir como um adolescente desmiolado, sempre tentando fazer algo que remetesse à nossa infância, então sempre tinha que pensar em qual seria sua provável gracinha.

Ponderei, ponderei, para no final chegar a uma conclusão...

Ele não estaria mais ali depois que se casasse. Nunca mais. E eu sentiria falta de suas brincadeiras idiotas e de sua presença gostosa. Eu perderia o meu Corey. O meu coração que batia fora do peito, então sendo inteligente, precisava aproveitar ao máximo o que ainda tinha.

Será que essa perda seria suficiente para me derrubar?

— Pode. Além do mais, vai ser uma das últimas noites aproveitando minha cama. Não vou te privar disso — falei com desdém, tentando não mostrar que o fato me deixava triste.

— Por que "últimas noites"? — perguntou confuso.

— Ué, você vai se casar, Corey, e quando isso acontecer não vai poder vir até a minha casa com essa frequência toda.

Ele pareceu ainda mais confuso e até deixou de fazer massagem em mim para se dedicar a nossa conversa.

— Por que não? Eu vou me casar e não amarrar uma coleira no pescoço.

Revirei os olhos. 

Bom, acho que tinha chegado a hora de ser bem cirúrgica  com ele. 

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