Fragilidade.

Capítulo 3.

Fragilidade.

07 de outubro, 2017.

Parei o punho à poucos centímetros da madeira escura e respirei fundo. Deveria ser o centésimo nas últimas horas. Me preparava, tanto emocional quanto mentalmente, para bater na porta daquela casa e saber o que havia acontecido com a minha melhor amiga na última semana. Foram 4 dias sem nenhum contato ou sequer qualquer miséria notícia de Elena, o que me deixou bastante preocupada e inquieta com o seu sumiço. Ela nunca passava mais de 24 horas sem me m****r qualquer mensagem de texto, áudio ou um meme idiota que encontrou não sei aonde.

Mi corazón implorava em vê-la.

No entanto, hesitei e pensei muito antes de aparecer do nada, pois o seu progenitor me odiava e desaprovava a nossa amizade. Ele sempre deixou bem explicito em como desprezava a mim e a minha família. Tudo se tornou pior quando me assumi como lésbica.

Respirei fundo, pois yo não poderia dar as costas e sair sem nenhuma notícia de Elena. Por fim, bati levemente na madeira envelhecida pelo tempo e esperei sem muita paciência. Houve um curto período de silêncio dentro da casa, enquanto eu esperava, ansiosa e agitada, em pé na pequena varanda. Porém, pude ouvir o barulho de chaves logo em seguida. Mi corazón bateu mais forte. Enruguei as sobrancelhas quando a porta foi aberta apenas uma fresta e metade do rosto de Elena entrou no meu pequeno campo de visão.

– Lorena? — Ela sussurrou o meu nome como se eu fosse a última pessoa que desejava ver em pé na sua porta. Ela parecia estar bastante surpresa e ansiosa com a minha aparição repentina. — O que você faz aqui? — Questionou com urgência na sua voz trêmula.

Pendi a cabeça para o lado, sentindo-me confusa pela sua reação nervosa, e umedeci meus lábios ressecados com a ponta da língua.

— O que está havendo com você, Elena? — Rebati, ignorando a sua pergunta de propósito, e encarei-a com seriedade. — Yo estoy preocupada com o seu sumiço, amiga. Não te vejo ou tenho qualquer notícia sua desde terça. Tu nem tem me respondido as minhas ligações ou mensagens no WhastApp. — Expliquei, preocupada, e franzi ainda mais o cenho. — Posso entrar? — Abri um sorriso fraco e avancei um passo, porém ela fechou a porta mais um pouco. — O que está rolando? — Inquiri, surpresa.

— Você não deveria ter vindo aqui, Lorena. — Sussurrou, agoniada. As suas reações atípicas e estranhas apenas estavam deixando-me mais tensa e ansiosa. — Me desculpe, amiga. Contudo, você não deveria ter aparecido agora. — Sussurrou, parecendo estar com medo e apreensiva. — Vá embora, por favor! — Pediu e lançou um olhar aflito para atrás de si quando ouvimos o som pesado de passos no interior da casa.

Engoli em seco e dei mais um passo na sua direção de forma inconsciente.

— Seu...seu...aquele cara não está viajando? — Inquiri, apreensiva, arregalando os olhos com leveza. A minha voz saiu baixa e com pequenas notas da minha raiva crescente — Bom, foi isso que você me disse na segunda. — Franzi as sobrancelhas, com o meu coração pulsando com mais agitado a cada misero segundo que se passava.

Ela encarou-me, parecendo ficar ainda mais tensa. Logo, a primeira lágrima escorreu por sua bochecha, ao mesmo tempo em que uma quase incontrolável necessidade de vomitar fez-me cerrar os lábios com certa força. Apenas mencioná-lo em voz alta, ou sequer pensar na sua existência miserável na terra, era como um gatilho para que yo sentisse a vontade de despejar para fora tudo que estava no meu estômago.

— Foi o que pensei, mas ele ficou na cidade. — Revelou em um sussurro quase inaudível, e pude ver que um pequeno tremor de pavor atingiu o seu corpo na minha pouca visão dela. — Vá embora, Lorena, antes que ele te veja aqui. — Pediu de novo e começou a fechar a porta em seguida.

Sem pensar muito na minha atitude desesperada, avancei para frente e enfiei o pé na pequena abertura, fazendo a porta abrir-se mais. Por fim, tive uma visão completa do rosto da minha melhor amiga e uma parte de mim morreu no mesmo segundo. Elena levou um susto e arregalou os olhos escuros. Senti o ar ficar preso nos meus pulmões e o choro entalado na minha garganta.

— Mas o que significa isso?! — Exclamei, incrédula e horrorizada, quase sem voz ao fitar o seu rosto e ver o seu olho esquerdo roxo e inchado. — Elena, foi esse desgraçado que lhe bateu, não é? — Grunhi em uma mistura sufocante de dor e ódio. Yo, simplesmente, não conseguia desviar o olhar do seu ferimento. — Isso explica o motivo de você não estar indo nas aulas no meu período de suspensão. — Sussurrei, amarga.

Minha respiração saia em arfadas altas e pesadas e, inconscientemente, cerrei as mãos em punhos. Eu queria tanto invadir a sua casa e socar a cara daquele verme miserável em resposta para cada lágrima que a mi mejor amiga derramou, contudo seria apenas uma atitude irresponsável e tola minha.

Uma das duas pessoas que mais deveria amar e proteger Elena acima de tudo, era a mesma que estava destruindo-a tão profunda e amargamente sem pensar nunca parar. Yo temia tanto por ela.

Quem está aí, Elena? — Questionou uma voz masculina e nojenta no interior da casa. — Responda logo! — Exigiu em um grito raivoso.

— Me desculpa, Lola. — Minha melhor amiga lamentou, pesarosa, e fechou a porta em seguida.

Fiquei encarando a porta por um breve momento, inerte. Porém, pareceria que várias horas transcorreram, sem yo tivesse alguma reação lógica ou pensamento coerente. Minha mente havia ficado em branco. Como uma música agorenta longe e ao fundo, ainda pude ouvir alguns gritos e xingamentos dirigidos unicamente à Elena. Contudo, continuei estagnada no mesmo estado chocado e destruído.

— Elena... — Soltei, engasgada, sem ainda conseguir desviar o olhar da madeira escura.

Por alguns segundos, ainda permaneci paralisada no mesmo local, enquanto os berros raivosos eram desferidos dentro daquela pequena e antiga casa. Yo estava sem reação alguma. Era como se a minha alma tivesse sido arrancada do meu corpo e ficado apenas um buraco desconhecido no lugar. Parecia que o meu interior tivesse começado a ser sugado por uma força invisível e poderosa, deixando um rastro de uma dor impotente e amargura. Por fim, veio a sensação do vazio.

Yo me sentia oca por dentro. Livre e vazia de qualquer sentimento ou emoção.

Não sei quando ou exatamente como, porém consegui fazer meus pés ganharem vida e saírem da pequena varanda de piso de madeira. Ao mesmo tempo em que me afastava daquela casa, o vazio ia aumentando e rasgando o meu peito como navalhas afiadas. Eu não fazia a menor ideia para onde minhas pernas me levavam, apenas ia caminhando de forma apressada e confusa pelas calçadas úmidas e frias de Waterfall Falls.

Em um certo momento, tive que parar em meios as poucas pessoas que transitavam, mas que sequer me olhavam, pois os meus olhos marejados estavam me impossibilitando de enxergar um palmo na minha frente com clareza. Então, foi sob a chuva pesada e fria que o vazio foi embora e o choro veio sufocante do fundo do meu peito.

Eu estava dilacerada e sem saber o que fazer para ajudar Elena.

Era como se um bolo de cacos de vidro estivesse rasgando meu ser de dentro para fora da forma mais dolorosa existente. Doía tanto. Mordi os lábios com força na tentativa falha e débil de impedir que mais uma onda de choro rasgasse do fundo da minha garganta, contudo foi inútil. As lágrimas caíram sem permissão, e o meu grito de ódio e dor rompeu o começo da noite sob a chuva pesada.

— Lorena? — Sussurrou uma voz conhecida e preocupada nas minhas costas, fazendo-me virar em seguida. — O que houve? — Questionou, cuidadosa, dando passos lentos e calculados na minha direção.

Hana... — Seu nome escapou por entre os meus lábios, antes que eu me jogasse nos seus braços e me rendesse novamente as lágrimas. — Dói tanto. — Confessei já sem forças.

[...]

Hana estacionou o seu carro em frente à minha casa e desligou o motor em seguida, fazendo-nos cair em um silêncio tenso e constrangedor dentro daquele pequeno espaço. Os únicos barulhos que interrompiam a quietude irritante eram: a chuva constante sobre o teto, nossas respirações e o aquecedor ligado no máximo. Por fim, pude ouvir o seu suspiro pesado e cansado se fazer presente ao meu lado.

Se fosse em outro tempo, yo teria ficado rubra de vergonha e ansiosa por tê-la comigo de forma mais intima.

— Obrigada pela carona, Hana. — Agradeci, em um sussurro baixo e rouco, e pousei a mão maçaneta da porta em seguida. — Me desculpe por molhar o seu banco. — Continuei, no mesmo tom, pronta para sair do lado da minha ex melhor amiga e namorada.

Contudo, Hana segurou o meu braço em um toque firme quando destranquei a porta. Voltei-me para olhá-la com as sobrancelhas arqueadas e yo sabia que a minha expressão era uma máscara de confusão pela sua atitude inesperada. Fitei a sua mão ainda pousada no meu braço e ela afastou o toque, ficando o mais longe possível de mim que o pequeno espaço permitia.

Sua ação me afetou mais do que deveria.

— O que você quer? — Questionei, seca e até um pouco grossa, ao fitar o seu rosto sério. — Não dirá nada? — Insisti com o seu silêncio perturbador. — Não tenho tempo a perder aqui. — Virei-me para sair do carro, no entanto a sua voz séria me paralisou.

— O que aconteceu com Elena, Lorena? — Inquiriu, inexpressiva.

— Não sei do que você está falando. — Esquivei-me em resposta. Eu não podia encará-la no rosto, pois tinha medo dela ver como os meus olhos ficaram marejados a simples menção de minha melhor amiga. — Mais uma vez, muito obrigada. — Sussurrei.

Outra vez, a sua mão foi parar no meu braço, impedindo-me de sair do seu carro. Soltei um suspiro pesado e olhei-a com todo o cansaço explicito no meu rosto. Desejava que ela parasse de me impedir de se deslocar do seu lado e ficar o mais distante possível, afinal não estava com ânimo e nem vontade de brigar com ela como faria em qualquer outro momento. Yo era grata por ela ter me ajudado, mas ainda apenas distância dela.

Ainda havia rachaduras no meu coração que ela causou.

— Quando te encontrei, você disse durante o choro o nome dela algumas vezes. — Hana contou e retirou a sua mão do meu braço em seguida. — O que houve com ela? — Insistiu ao olhar dentro dos meus olhos.

Soltei mais um suspiro pesado e me permiti relaxar um pouco no banco macio de couro. Mesmo que eu ainda estivesse com as roupas úmidas pela chuva, sentia-me aquecida e livre do frio por causa do aquecedor. Desviando o olhar do seu rosto, foquei-o no pequeno apanhador de sonhos que yo tinha feito e lhe dado de aniversário, há quase dois anos.

Tu ainda o tem. — Soltei surpresa e até um pouco admirada.

O seu riso baixo e sem humor soou como um lembrete da sua presença ao seu lado.

— E por que não o teria mais, rosada? — Ela rebateu, fazendo-me olhar na sua direção de esguelha.

Novamente, aquele apelido foi proferido pelos seus lábios em relação ao tom dos meus cabelos.

— Justamente porque foi yo quem lhe deu. — Respondi sem rodeios — O que foi? — Franzi o cenho, confusa, quando ela riu novamente e relaxou no seu banco. — Contei alguma piada? — Estalei a língua com leve irritação.

Hana negou com movimentos sutis. Ela virou a cabeça na minha cabeça e encarou-me com intensidade, fazendo o meu estômago embrulhar-se em uma familiar sensação de expectativa.

— Você continua sincera e direta. — Observou com um sorriso pequeno, fazendo-me arquear as sobrancelhas em sinal de confusão. — Pensei que não te conhecesse mais, Lorena.

Agora foi a minha vez de soltar um riso baixo e sem humor.

— De fato, você não me conhece mais, Hana. — Retruquei, rápida e ácida. — Mesmo que você ainda saiba disso, não significa que me conheça. — Complementei, desviando o olhar e focando-o além do para-brisa. — As coisas mudaram há muito tempo.

— Nunca irá me perdoar, Lorena? — Sua voz soou baixa e exausta, após alguns segundos de silêncio. — Ficar com Ingrid, naquela maldita festa, não significou exatamente nada para mim... — Interrompeu-se, pensativa. — Eu estava tão confusa e perdida que não medi as consequências das minhas atitudes. — Socou o volante com força. — Não estava pronta para aceitar tudo o que fizemos e a minha bissexualidade... não hesitei em ficar com ela, pois queria provar se era realmente verdadeiras as sensações que você me despertava. — Completou, pesarosa.

Fechei os olhos e reprimi mais um suspiro pesado, sentindo o meu coração bater mais forte.

— Para o meu próprio bem, yo já te perdoei há bastante tempo. — Confessei ao observar a sua expressão ficar surpresa. — Contudo, isso não significa quero a sua amizade ou você próxima de mim outra vez, Hana. — Murmurei, firme, e toquei a maçaneta. — Tudo está no seu devido lugar como deveria ser. — Fechei a porta com um baque suave, sendo recebida pela chuva e clima gélido do início da noite.

Dei as costas ao carro negro e comecei a caminhar em direção a varanda da minha casa. No entanto, pude ouvir a porta do motorista sendo aberta e passos apressados vindo atrás de mim. Repentinamente, senti a sua mão agarrar, pela terceira vez, meu braço e virou-me na sua direção. Engoli em seco ao me deparar com a sua expressão destruída e enrugada de dor. O meu interior borbulhava em desejo de tocá-la, acalentá-la.

— Lorena, eu... — Calou-se e desviou o olhar para o lado. — Eu... — Falhou, novamente.

Afastei-me do seu agarre com brusquidão e passei a mão pelos meus cabelos molhados e rosados.

— Como yo disse: tudo está no seu devido lugar como deveria ser. —Repeti e dei alguns passos para trás. O melhor era ficar o mais longe possível dela para o meu próprio bem. — Viva a sua vida e me esqueça, Hana. — Pedi, sentindo um bolo formar-se na minha garganta. — E esqueça que um dia existiu um nós duas. — Virei-me de costas, voltando a caminhar para o abrigo da minha casa.

— Eu sei que você ainda me ama como eu sempre te amei, Lorena! — Soltou um grito abafado sob a chuva que ficava cada vez mais forte e fria. — Eu sinto isso quando seus olhos veem de encontro aos meus. — Afirmou.

Paralisei-me no segundo degrau da escada e a primeira lágrima rolou pela minha bochecha.

— Meus sentimentos por você estão todos esquecidos e enterrados no passado, Hana. — Menti, descaradamente.

Não esperei pela sua resposta e abri a porta da frente com um rompante de angustia e dor. Encostei-me na madeira pintada de amarelo e deixei meu corpo escorregar contra a superfície, alcançando o chão frio. O choro alto e desesperado escapou por entre os meus lábios, fazendo o meu peito doer e a minha respiração ficar entrecortada.

Hija? — Sussurrou uma voz conhecida e preocupada. — Mi amor, o que aconteceu? — Questionou, aflita, quando se ajoelhou na minha frente.

Ergui a cabeça dos meus joelhos e me deparei com o seu olhar em um misto de confusão e preocupação.

Dói, mamá. — Sussurrei, estrangulada. — Meu coração está doendo por causa dela, mamãe. — Revelei, antes de me jogar nos seus braços.

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