Renzo voltava com os remédios quando quase trombou com um lobo correndo em disparada... era Jael, em plena transformação.
O impacto quase o derrubou. Ele deu um passo pra trás, irritado, e soltou um palavrão.
Mas Jael já não ouvia mais nada. Parou diante do meu corpo, os olhos marejados. Estendeu a mão pra tocar a minha. Mas a frieza da pele o fez recuar, tremendo.
Ele não aguentou. As lágrimas desceram de vez.
— Liana. Por que você tá deitada aqui desse jeito, sozinha, como se fosse ninguém?
— Por que você não quis ser minha luna? Eu nunca teria deixado você passar por isso!
Talvez a dor fosse contagiosa. Desde que morri, minha alma flutuava quieta, resignada. Mas ao ver Jael chorar daquele jeito, senti meus olhos se encherem também.
Jael era um alfa do Clã Garra da Tempestade. Pra chegar tão rápido, devia ter superado vários obstáculos. Mas ainda assim, chegou tarde demais.
Eu era órfã. Fui acolhida pelo antigo alfa de Tempestade — pai do Jael — que me criou como uma filha adotiva. Oficialmente, eu era irmã dele.
No começo, Jael me detestava. Me chamava de princesa do barro, de cadelinha de rua. A gente vivia se estranhando.
Mas com o tempo, ele começou a se importar. Quando alguém me zombava, ele era o primeiro a mostrar os dentes e erguer as garras.
E eu fui embora por causa do Renzo.
O antigo alfa só me acolheu com a intenção de me usar como moeda de troca, uma oferenda pra manter boas relações entre os clãs.
Eu sabia que Jael me amava. Mas também sabia que o pai dele jamais aceitaria nós dois juntos.
Deixá-lo foi minha maneira de protegê-lo.
E Jael sabia. Tanto sabia que foi ele quem me ajudou a fugir de Tempestade.
— Corre. Corre o mais rápido que puder! — Gritou ele, enquanto o vento levava a voz dele até os meus ouvidos.
Naquele dia, eu jurei que estava correndo em direção à liberdade.
Mal sabia eu que o fim da minha estrada seria ter o próprio Jael recolhendo meu corpo sem vida.
Jael saiu com meu corpo envolto num lençol branco nos braços e deu de cara com Renzo.
Renzo estava prestes a sair para um clã distante. Juliana, manhosa, tinha reclamado do gosto amargo do remédio e queria um pouco de mel. E lá ia ele, disposto a fazer uma troca só pra agradá-la.
Eu, por outro lado, só tinha pedido uma vez pra ele trazer algo pra comer na volta de uma missão e ele sequer respondeu.
— Sai da frente. Não me faz perder a paciência. — Disse Jael, com a voz carregada de ódio.
Ver o rosto de Renzo bastava pra fazer o sangue dele ferver. Cortesia era algo que não existia mais entre eles.
Renzo olhou para o corpo coberto nos braços de Jael. Reprimiu o incômodo e deu um passo pro lado, abrindo caminho.
Mas, no momento exato em que iriam se cruzar, algo chamou sua atenção. Os olhos de Renzo pararam no meu braço, aquele que escapava discretamente do tecido.
— Espera aí! — Disse ele, franzindo a testa, desconfiado. — Quem é que você tá carregando aí?
Olhei pra Jael, tensa. Não sabia o que ele responderia.
Parte de mim queria que ele escondesse. Que me deixasse desaparecer do mundo de Renzo como se eu nunca tivesse existido.
Mas outra parte, queria ouvir a reação dele. Queria saber se minha morte ainda seria capaz de provocar alguma rachadura no gelo que ele se tornou.
Jael olhou Renzo de cima a baixo, sem qualquer calor no olhar.
— É a minha luna. — Disse com firmeza.
Eu e Renzo congelamos.
Ele sabia que Jael gostava de mim. Por isso mesmo, no passado, vivia exibindo nossa ligação de forma quase provocativa — até que Jael parou de me visitar com tanta frequência.
— Eu não sabia que você tinha luna. — Disse Renzo, com os olhos semicerrados. — Quem é? Quando isso aconteceu?
— O que isso te importa? — Respondeu Jael, seco, sem sequer piscar.
Renzo perdeu a compostura. A raiva subiu junto com o desprezo:
— E eu achando que você amava a Liana de verdade. No fim, trocou ela por outra. Belo amor o seu!
Jael respirou fundo, os olhos escuros como tempestade.
— Pois é. Porque neste mundo, não tem outro alfa que ame sua luna tão bem quanto você, né?
Virou as costas e foi embora, sem esperar resposta.
Eu entendi. Aquilo, aquela frase... Jael tinha dito por mim.
Renzo sabia muito bem a resposta praquilo tudo. Se me amava ou não, só ele podia responder.
Do alto, flutuando, vi o rosto dele se contorcer entre vergonha e fúria. De repente, ele me pareceu menor. Mais feio.
Toquei meu peito. E pela primeira vez, senti que talvez eu não o amasse mais.