Parte ll

Já era quase noite quando os três chegaram de táxi. Fui correndo ao portão para recebê-los. Levamos Marli para seu quarto e a deixamos dormir até o dia seguinte.

Domingo, Marli levantou-se cedo, parecia mais disposta e até se prontificou a ajudar minha avó a preparar o almoço. Estranhamos, mas de qualquer forma ficamos menos preocupados.

Durante o almoço conversávamos sobre diversos assuntos: música, filmes, novelas e livros.

_Você ainda pretende ser escritor Marrone? _Perguntou minha avó.

_Sim vó! _Respondi sorrindo. Meu nome de batismo é Marcos, mas minha querida vovó me chamava de Marrone por causa de uma tia de minha mãe que pelo fato de ser nordestina e querendo me chamar de menino marrom por eu ser moreno acabava me chamando de:

“Menino Marroni”. _E que tipo de leitura você mais gosta?

_Romance policial. Adoro mistérios de detetives.

_Eu prefiro ser qualquer outra coisa menos escritor. _Disse Douglas de repente...

_Mas você já é um escritor! _Disse minha noiva a ele.

_Eu? Quem disse isso pra você? _Afinal das contas, você não vive escrevendo relatórios quase todos os dias? A única diferença é que você escreve fatos, nada mais.

_É verdade. _Disse Marli enquanto servia suco de limão ao seu noivo que fez uma careta ao experimentá-lo.

_Aconselho-o a continuar escrevendo, pois com certeza você ainda será um grande escritor. _Disse-me Elisa beijando-me no lado direito do rosto.

Ao término do almoço as meninas se prontificaram a ajudar minha avó. Eu e o Douglas fomos para a sala de leitura para conversar um pouco. Falávamos sobre coisas triviais e de outros assuntos também. Principalmente sobre o uso excessivo de cigarros que os jovens estudantes estavam se entregando ultimamente. De repente toquei no assunto sobre o susto que minha avó havia levado na noite em que ela disse ter visto o bandido Querosene assaltando uma mulher bem em frente a sua casa. Douglas parecia meio sério e pensativo demais para meu gosto. Ele disse que havia visto quando minha avó encontrara um pedaço de papel no chão do corredor e quando ela percebeu que estava sendo observada, assustou-se e o guardou.

_O que haveria de tão importante no que ela lia para se assustar com minha presença? Sem falar que ela anda se assustando demais... _Disse Douglas pensativo.

Preferi ficar calado. De repente senti sede e resolvi ir até a cozinha para beber um pouco de água. Percebi que as três mulheres conversavam como se estivessem se aconselhando. Pareciam sérias de mais. Ao notarem minha presença tentaram não demonstrar preocupação, pois foi o que notei, mas fora inútil para elas. Desde o dia em que eu e minha noiva chegamos à casa de minha avó, pela terceira vez ouvimos o telefone tocar.

Minha avó enxugou as mãos e quase correndo fora atendê-lo. Era um amigo seu, um investigador de polícia, fã de seus deliciosos bolos recheados. Queria saber se a mesma estava passando bem e quem eram as pessoas que estavam em sua casa. Até aí tudo bem. Ela nos informou que ele viria jantar conosco ainda aquela noite.

Ao anoitecer a tal visita chegou. Era um homem alto e corpulento. Parecia um gorila de tão forte que era. Cabelos grisalhos e olhos quase negros. Fomos todos apresentados por nomes e fortes apertos de mãos. Jorge era seu nome. O achei até muito educado para um investigador de polícia. Confesso que aproveitei para lhe fazer uma série de perguntas sobre casos criminosos, é claro que antes eu havia lhe explicado que gostaria muito de escrever um livro de cunho detetivesco. O caro colega foi muito prestativo. Após o jantar, ele nos contou um caso que até o momento parecia que ainda não havia sido solucionado.

_Eu era novato na corporação em 1982 _Começara ele. _Quando recebemos uma denúncia de assassinato, daqueles bem misteriosos numa favela da Vila Mara bem próximo ao Itaim Paulista. A denúncia era anônima, provavelmente o próprio criminoso ligara para a delegacia. Ao chegarmos no local eu e a equipe de policiais, logo vi que o criminoso não era como os outros que deixam pistas. O corpo estava dentro de um barraco bem trancado por dentro. E o pior de tudo era que no barraco não havia nenhuma janela. Arrombamos a porta e quase nos sufocamos com o mau cheiro que estava no local. Constatei que o homem caído em sua velha cama feita de caixotes de madeiras e alguns tijolos havia sido morto há uns dois dias aproximadamente. Em seu peito inchado havia algumas perfurações parecendo ter sido feitas por faca ou outro objeto semelhante. Procuramos por vestígios que normalmente os criminosos deixam, mas não encontramos nada. Não havia nenhum sinal de infiltração, a única entrada era através da porta a qual havíamos arrombado. O mais intrigante de tudo era que a mesma estava trancada por dentro. A maior parte dos barracos naquela favela usava uma espécie de trinco de ferro, igual ao que a senhora usa em seu quarto Dona Izaura, _Disse o policial olhando para minha avó, _ impossível ser aberta ou fechada por dentro estando do lado de fora. O delegado de nossa equipe, por preguiça ou desfeita de gente como os favelados, concluiu o caso da seguinte maneira: “_A vítima foi esfaqueada por alguém desconhecido em alguma briga na rua e tentou chegar em seu barraco. Ao conseguir, trancou-se e deixou-se cair em sua cama vindo a morrer assim”.

Parecia bastante convincente mas para mim, mesmo sendo novato na corporação, aquela conclusão não era provavelmente a correta. Pois no chão não havia marcas de sangue, o que não poderia faltar caso o homem viesse correndo da rua. Mesmo assim preferi não contrariá-lo. Ficamos todos em silêncio por algum tempo pensando no que acabáramos de ouvir. Percebi que estava sendo observado por Marli. Fiquei um pouco sem jeito até tentei disfarçar, mas não foi possível. Percebi que Douglas havia notado como sua amada me observava e talvez para quebrar aquele embaraço, me fez uma pergunta um tanto inesperada.

_Talvez você tenha alguma coisa a dizer a respeito de tal caso, não Marcos? _Olhei para meu amigo e respondi: _Posso dar um palpite se todos concordarem me ouvir...

_Queremos! _Disseram Marli e Elisa quase ao mesmo tempo. Após alguns segundos comecei com minhas explicações.

_Muito bem, vou dizer o que acho de tudo isso e como a vítima fora atacada fora de seu barraco, pois é isso o que penso. Acabamos de ouvir de nosso colega que a vítima fora encontrada dentro de seu barraco, deitada em sua cama e com vários furos, provavelmente de faca, em seu peito. Todos os policiais que estiveram no local constataram que o barraco estava trancado por dentro, sendo praticamente impossível para o suposto assassino ter cometido o crime dentro do barraco e fechado o por dentro estando do lado de fora. Essa observação não escapou ao delegado que dirigia a investigação, e por ser um ótimo observador constatou que a vítima havia sido agredida quando ainda estava na rua. E após a agressão saíra correndo para o interior do barraco trancando-se lá. Mas para concluir se a vítima fora mesmo agredida antes de trancar-se, preciso que o policial Jorge me responda a uma pergunta. Como a vítima estava vestida? _O policial meio surpreso com minha pergunta parecia observar o espaço vazio entre ele e eu.

_A vítima estava vestida apenas com uma calça jeans, uma camiseta branca com uma blusa de lã cáqui por cima. Calçava sandálias de couro, dessas que se usa sem meias. Todos os seus documentos estavam em seu bolso, e em seu punho esquerdo havia um relógio desses que se troca a pulseira pra variar... Quando o policial terminou seu relato, continuei cheio de satisfação:

_Pronto, minha dedução está feita. Não sei se está correta, mas foi o melhor que pude fazer no momento. Vejamos, a vítima estava usando uma blusa de lã grossa por cima da camiseta, aprendi na escola que a lã e quase todos os tecidos porosos contribuem para o efeito de “capilaridade”, sendo assim a blusa sugou o sangue que escorria, evitando que o liquido gotejasse na entrada do barraco. Então podemos concluir que a vítima fora realmente agredida na rua em uma briga qualquer e em seguida saíra correndo para o interior do barraco na intenção de se proteger. Quanto ao telefonema anônimo podemos deduzir que o tenha sido feito por uma testemunha ocular que, por medo, preferiu não se identificar, pois sabemos como funciona a lei do silêncio nas favelas para quem age como dedo-duro.

_Então o delegado estava certo? Perguntou o policial.

_Tudo indica que sim! _Concluí. Elisa me olhava com um brilho nos olhos.

_Vou me casar com o homem mais inteligente do mundo. _Todos nós rimos, menos Douglas.

De repente o policial põe-se em pé olhando para seu relógio, um enorme SEIKO, e achando que já estava um pouco tarde para continuar conversando despediu-se de todos nós. Quando saíamos da sala de leitura para acompanhar o policial até a porta percebi que Douglas pegava alguma coisa sobre a poltrona, exatamente no lugar de onde eu havia me levantado. Após uma rápida olhada, rapidamente guardou o achado no bolso de sua calça. Fingi não ter visto nada.

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