Resolvi reunir todos os meus contos e crônicas escritos até o momento em uma antologia, contendo textos inéditos e os originais que já foram publicados em outras coletâneas mistas de outros autores. Nela, mesclo minha essência e revelo minha paixão por escrever textos mais curtos para mero entretenimento ou reflexão.
Ler maisEloá encantava pelo seu jeito doce, meigo e tímido. Dona de belos olhos cor-de-mel, cabelos loiros naturais, formas bem distribuídas e pele alva como a neve, fora entregue, pelos seus pais, para o coronel Fredson Albuquerque, um homem de 60 anos, por um dote no valor de um milhão de cruzeiros. A pobre moça, sem muita instrução e maturidade, nasceu na pequena cidade Serro Azul e, ainda adolescente, já era observada pelo coronel mais rico da região. Fredson tinha um filho de 25 anos, chamado Henrique. O rapaz era médico e era o homem mais cobiçado entre as moças de sua idade, por sua beleza, status e poder. Após Fredson casar-se, forçadamente, com Eloá, o casal fora morar na mansão do coronel, a casa mais luxuosa da pequena cidade.
– Me solte, não sou sua escrava, seu verme. – esbravejou Eloá bem alto, quando acabara de levar um tapa na cara de seu marido.
– Mulher minha faz o que eu mando, entendeu? – respondeu Fredson quando tentava obrigar a esposa a fazer sexo com ele contra a vontade dela. O coronel era gordo e tinha um porte avantajado, segurou a mulher até violentá-la.
Chorando muito, Eloá saiu do quarto quase nua, vestindo apenas o baby doll. Encontrou, na sala, seu enteado sentado, lendo o jornal e tomando goles exagerados de whisky. Ao perceber a presença da madrasta, o rapaz de quase a mesma idade da moça, tomou um grande susto:
– O que aconteceu com a senhora? – falou Henrique. – Estás quase nua... foi meu pai, não foi?
– Sim, ele me bateu, abusou da minha honra. – desabou Eloá chorando em seus ombros.
– Fui contra esse casamento forçado justamente por isso... conheço meu pai como ninguém, sei que ele é um homem rude, hostil e violento. – disse Henrique.
– Por favor, Henrique, tire-me daqui e serei eternamente grata. – implorou a moça chorando ajoelhada aos pés de Henrique.
– Não sei o que posso fazer por você. Ir contra meu pai é cavar a própria cova, mas posso tentar em dá um jeito. – respondeu por fim Henrique, dando-lhe uma piscadela.
Fredson ia chegando a sala quando viu Eloá nos braços de Henrique, mas não deixou que eles o vissem. Se escondeu atrás da grande porta de carvalho e esperou o filho e a esposa saírem.
– Quer dizer que meu filho quer me trair? Antes, terá que passar por cima do meu cadáver. – disse o coronel, pegando um frasco de veneno transparente dentro da gaveta.
O coronel despejou todo o conteúdo do frasco em todas as panelas cheias de comida, na cozinha, aguardando a esposa e o filho comerem. Esperou por horas e nada. Ao anoitecer, quando já era quase meia-noite, ouviu um barulho vindo do grande salão. Estava na espreita. Fredson saiu do quarto apressado a procura do estranho som. Ao abrir a porta, deparou com Eloá deslumbrante, usando um vestido branco e seu filho, Henrique, trajando terno e gravata. Estavam fugindo. Henrique entrou rapidamente no seu carro e Eloá o acompanhou no carona. Ao ver aquela cena, Fredson sentiu um ódio que o consumiu por inteiro e pegou seu rifle na gaveta da escrivaninha, seguindo-os no seu Mercedes branco.
Andando rapidamente entre becos escuros e ruas esburacadas da pequena Serro Azul, o casal fugitivo teve uma surpresa desagradável: o combustível do carro acabou e não havia posto de gasolina próximo. Uma luz os encandeou. Perceberam que um carro se aproximava. Ao pedir ajuda ao estranho que dirigia o carro, foram surpreendidos com tiros, mas, por sorte, nenhum os atingiu. Henrique e Eloá se esconderam entre uma lata de lixo e um muro. A escuridão predominante impossibilitou que o velho coronel cansado os encontrasse. Quando já ia entrando no seu Mercedes, frustrado por não ter encontrado a esposa traidora e o filho rebelde, Fredson deu gargalhada e gritou:
– Estão mortos, os dois.
E retornou para casa. Estava com fome e muito cansado por a perseguição em vão. Não admitia ter perdido a mulher para a beleza e jovialidade do filho. Fredson entrou na grande cozinha, esquentou a panela cheia de ensopado e comeu em seguida. Um minuto depois, caiu morto no chão. Havia se esquecido que a comida estava envenenada. Na manhã seguinte, a notícia do falecimento do homem mais rico da cidade corria na velocidade da luz. Henrique e Eloá já estavam bem longe de Serro Azul.
– Devo-lhe eterna gratidão por ter me salvado daquele monstro. – disse Eloá abraçada ao jovem rapaz.
– Não me deves nada. Peço-lhe desculpas por a índole perversa dele. – respondeu Henrique encarando Eloá nos olhos.
O beijo na boca foi inevitável. Molhado e demorado, digno de um conto de fadas. Casaram-se três meses depois, na cidade vizinha para onde fugiram. Henrique soube do falecimento do pai carrasco, mas não sentiu-se culpado ou triste, Fredson, na verdade, sempre humilhou o rapaz. Após um ano que estavam casados, Eloá contou ao marido que estava grávida. Tiveram um lindo bebê e o chamaram de Renato.
Todos os dias paro em frente à janela do meu modesto apartamento, nesse conjunto habitacional popular, daqueles tipo Minha casa Minha vida, e contemplo, daqui de dentro, solitariamente, através das persianas empoeiradas, crianças e alguns poucos corajosos brincando nas áreas de convivência. Estou isolado há quase um ano, sozinho, devido a pandemia da Covid. Meus pais se refugiaram no sítio da família, são aposentados, e me deixaram aqui. Trabalho em home-office. Não sei o que é pior: a sensação de medo, insegurança, indignação (sim, o governo vem vacinando a população a passos de tartaruga). Ainda bem que meus pais já receberam as duas doses da Pfizer. Tá passada?!!! Mas, mesmo assim, preferiram não arriscar e fi
As férias de Kassandra era o momento mais aguardado do ano. Não aguentava mais tanta pressão no trabalho e na faculdade de Direito, em especial quando aproximava-se o período de avaliações e término do semestre. Nas férias que se aproximavam, pretendia viajar com o namorado Plínio e o casal de amigos Léia e Jordan, na sua Blazer 2000 verde musgo. Dias de ansiedade passaram-se até que finalmente a viagem chegou. Iam para o litoral do Piauí, em Luís Correia, 30 km de Parnaíba. No caminho, contemplaram a linda paisagem litorânea, misturada com o cerrado e a caatinga, típica do estado. Já estavam cansados e estressados de percorrerem mais de 700 km de estrada, pois residiam em Picos, no centro-sul do Piauí. Kassandra dirigia o carro que fora de seu falecido pai e, hora por outra, balbuciava alguma insatisfa&c
Eu sempre amei o natal. Para mim, essa é a melhor época do ano. Tempo de reflexão, de olharmos para si mesmos e nos reavaliarmos enquanto pessoas, o que fizemos de certo e errado durante o ano, enfim... Faltavam dez minutos para meia noite e finalmente iniciarmos a ceia com tudo que temos direito: um peru (ou talvez frango) pequeno assado com batatas, sidra das mais baratas, arroz à grega sem uvas-passas, saladinha com poucos legumes e um tender. Esse ano precisei economizar ao máximo para a ceia porque tudo está muito caro, diferentemente de anos anteriores, em que comprava tudo do bom e do melhor. Sentei-me à mesa e me servi de um pedaço do peru com uma generosa porção de arroz, fiz uma oração em agradecimento por tudo que passei esse ano e pedi bênçãos e muita energia posit
Eu sempre gostei de aventuras. Sair à noite para visitar minhas amigas que moram nos bairros mais periféricos da cidade, tendo em vista o alto índice de criminalidade, faz parte do pacote de desbravamento e diria até de insanidade. Mesmo numa moto Biz 125, equipado com capacete, o medo não me impedia de sentir calafrios. Natasha morava há muitos quilômetros da minha casa, quase do outro lado da cidade de Teresina, e eu a visitava, religiosamente, todas as quartas-feiras após o futebol na TV Globo. Ela estava passando por uma crise séria no casamento, suspeitava que o marido a traia, mas não tinha provas, e pretendia dar cabo da própria vida, então sempre ia lá na casa dela no intuito de impedir esse ato de loucura. Nos conhecíamos desde o en
É inacreditável como as coisas podem dar um looping na sua vida da noite para o dia. Ano passado, em 2019, foi um ano incrível, pelo menos para mim. Ganhei muito dinheiro com as vendas dos meus portfólios, comprei meu apartamento no Morumbi praticamente à vista, troquei de carro por um modelo importado. Sem falar da promoção que ganhei na empresa de publicidade que trabalhava. Sim, o verbo está conjugado no tempo correto: pretérito. Ontem fui informado da minha demissão na empresa. Estou aqui, sentado no sofá e pensando o que fazer. Vamos por partes. Estamos em 2020, vivenciando a pandemia do coronavírus/covid-19, que nos obrigou a ficar em casa, em isolamento social como único meio eficiente de conter a curva de contágio. Ainda n
Não sabe-se bem o porquê, mas não era nada convencional Jairo Rocha pedalar em sua bicicleta àquela hora da noite, na ciclovia. Passava das 23h. Pedalava em um ritmo frenético, apesar de demonstrar cansaço. O jovem senhor de 45 anos já havia pedalado mais de 20km às margens do Lago das Garças, com a gélida brisa suave nas suas narinas, ocasionalmente, e as ruas da pequena Florentina completamente vazias. O lago tinha uma extensão de 50km e circundava toda a cidade de 100 mil habitantes. A lua, parecendo um lampião azulado no céu sem estrelas, clareava mais que qualquer poste. Jairo não via a hora de chegar em casa, tomar um banho e dormir, mas não havia se atentado a distância da mesma. Ficava umas três léguas de onde estava. Era um homem sedentário, acima do peso, e pedalar fazia parte da pres
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