Ele…
Ela não parecia surpresa.
Nem desconfortável.
Estava parada ao lado da escada do jatinho, com os braços cruzados, o cabelo preso de forma prática e aquele olhar... altivo.
Como se já soubesse exatamente o impacto que causaria em mim.
Como se estivesse saboreando minha expressão contrariada antes mesmo de eu dizer uma palavra.
— Surpresa, doutor Klaus? — perguntou, com a cabeça levemente inclinada e o tom tão educado quanto venenoso.
— Você? — deixei escapar, tentando engolir a indignação que ameaçava subir pela garganta.
— Não me diga que invadiu meu avião também.
— Relaxa — Ela sorriu, e aquele maldito sorriso, o mesmo do estacionamento dois dias atrás, voltou a me tirar do sério.
— Estou aqui a trabalho. Aparentemente, o destino resolveu se divertir às nossas custas.
Dois dias antes.
Plaza Royal.
Estacionamento subterrâneo.
Ela surgiu do nada, em velocidade, e bateu na lateral do meu carro como se dirigisse um trator, e eu fosse apenas mais um obstáculo no caminho dela.
E, como se não bastasse a batida, desceu do carro com a audácia de uma rainha entediada, já pronta para me culpar por tudo.
— Você é cego ou só mais um a**o no meu caminho? — ela disparou, sem piscar — Porque buzinar depois de bater é bem a sua cara.
Naquele momento, minha paciência evaporou.
— Você tem ideia de quem está ofendendo?
Ela riu.
Uma gargalhada leve, insolente, debochada.
— Infelizmente, tenho. E é exatamente por isso que não vou pedir desculpas.
Não me dei ao trabalho de responder.
Apenas virei as costas, convencido de que aquela mulher cruzara minha vida por engano.
E que eu jamais voltaria a vê-la.
Mas agora ela estava ali.
Subindo a escada do meu jatinho, como se pertencesse à equipe.
Como se nunca tivesse me desafiado.
Como se não tivesse riscado meu carro e minha autoridade ao mesmo tempo.
— Por que você está aqui? — questionei, a voz baixa, carregada de tensão.
— Nova assistente executiva. Fui designada para acompanhar todo o processo de fusão. Diretamente com o senhor, pelo visto.
O impacto da revelação foi quase físico.
Como um soco bem dado no estômago.
Jonathan.
Aquele inútil.
Claro que ele aprovaria essa contratação sem me consultar.
E agora, aqui está ela: a mulher mais inconveniente que já conheci, oficialmente infiltrada na operação mais importante da minha agenda.
Sem esperar resposta, ela subiu com elegância e naturalidade.
Como se já tivesse feito aquilo mil vezes.
Como se pertencesse ali.
Descarada.
Irresponsável.
Subi logo atrás.
Lá dentro, o clima era o de sempre: executivos sentados com as costas retas, pilotos revisando os últimos detalhes da decolagem, e o silêncio tenso antes de uma longa viagem corporativa.
Havia apenas um assento vago.
Claro.
Ao meu lado.
— Sente-se — indiquei com um gesto seco, sem sequer encará-la.
— Achei que preferisse viajar sozinho — respondeu, acomodando-se no lugar com um sorrisinho entediado, como se aquele momento fosse só mais uma cena num roteiro que ela já conhecia.
— Prefiro viajar com profissionais competentes. Ainda não decidi se você se encaixa nesse perfil.
Ela virou-se levemente, os olhos cravados em mim com um brilho quase divertido.
— Vai ter bastante tempo para decidir, doutor Klaus. Afinal, temos dias inteiros de convivência pela frente.
Aquela ousadia.
O olhar firme.
A boca quase sorrindo.
Ela sabia o que estava fazendo.
E, pior ainda, parecia se divertir com meu incômodo.
— Está achando que isso aqui é um jogo, Baker?
— Claro que não — Ela ajeitou-se no assento, sem pressa, cruzando as pernas com elegância.
— Se fosse, eu já estaria vencendo.
Mordi a parte interna da bochecha, contendo o impulso de retrucar.
Era raro alguém me provocar sem medir consequências. Mais raro ainda alguém me responder na mesma altura e continuar respirando profissionalmente ao meu lado.
E ela fazia isso como se fosse natural.
Pela primeira vez em muito tempo, eu não sabia se queria mandá-la embora do projeto… ou se preferia mantê-la ali só para ver até onde iria a ousadia.
Mas uma coisa era certa: Hayla Baker acabava de se tornar um problema. Um que eu teria o prazer de resolver pessoalmente.
Inclinei-me em sua direção.
Meu tom era baixo, firme, e carregado de uma ameaça que qualquer um em sã consciência entenderia.
— Ótimo. Mas se acha que vai jogar comigo como fez naquele estacionamento… está redondamente enganada.
Ela também se inclinou, os olhos cravados nos meus.
Os lábios perigosamente próximos.
A voz veio como uma carícia cortante.
— Eu nunca jogo, doutor Klaus. Eu só revido.
Nesse instante, o avião começou a taxiar na pista.
O rugido dos motores cortou o silêncio.
E, ainda assim, a tensão entre nós parecia mais alta do que qualquer turbina.
Sentei-me de volta no meu lugar, sem desviar o olhar.
E eu soube, com uma certeza incômoda, que aquela viagem mudaria tudo.