Capitulo Seis

Eu e Bryan resolvemos ir à casa de Kimberlly ver o que está acontecendo com ela. Chegando lá, ela mesma nos atende. Está com os olhos inchados, como os de quem passou horas chorando.

- Liv, Bryan, é tão bom ver vocês! - ela diz, com a voz rouca.

- Kim, o que está acontecendo...? - pergunto, preocupada.

- Precisamos conversar... Algumas coisas que venho tentando ignorar desde a infância estão vindo à tona... Eu não aguento mais esses sentimentos...

Olho para ela com dúvida. Eu não entendi o que ela queria dizer com aquilo.

- Tudo bem, eu vou tentar ser mais direta - diz Kim - assim, vocês vão me entender melhor.

Enquanto ela respira e se prepara para falar, penso no que pode ser. Acho que lá no fundo, eu tenho uma suspeita do que é. Conheci Kimberlly ainda criança, aos 13 anos. Nessa idade, muitas dúvidas começam a surgir em nossa cabeça, ao mesmo tempo que nosso corpo está mudando. É isso que em mais ou menos um ano vai diferenciar uma criança de um adolescente. É a famosa pré adolescência.

Nessa época, eu lembro de Kim tentando me explicar que sempre se sentiu uma menina diferente. Ela se vestia diferente, brincava de coisas diferentes e andava mais com meninos do que com meninas, até que eles começaram a estranhá-la e ela ficou solitária. Ela dizia que queria ter o cabelo curto, queria ter nascido menino para poder fazer o que ela quisesse sem ser julgada ou zoada pelos outros. Com o tempo e a pressão social que todo adolescente sofre nessa época da vida, ela acabou deixando tudo isso de lado para tentar se ajustar na escola.

No meio de meus devaneios, ela começou a falar e eu me concentrei em suas palavras.

- Bryan, Liv... Eu sei que vocês nunca me julgariam por nada, por isso tenho toda a coragem de compartilhar meus pensamentos com os dois. Não sei se vocês se lembram, mais sempre tive dúvidas sobre mim mesma. Mesmo tentando, nunca consegui me ajustar completamente aos outros em nossa época de escola. A verdade é que eu nunca me senti uma menina, uma mulher. Lembro de ser criança e pedir a Deus todas as noites para que ele me levasse e me botasse em um corpo de menino. Lembro de ser caçoada por fazer coisas "de menino", de ser chamada de machinha e coisas do tipo. Vocês eram meus únicos amigos. Eu já não consigo mais esconder isso de mim mesma. Liv, Bryan... Eu sou um homem trans. Eu tenho certeza disso, sempre tive e sempre fui. Os anos que passei tentando esconder isso de mim mesma e dos outros foram tristes, me sinto aprisionada nesse corpo. A minha dor é pelo que vou sofrer daqui pra frente se eu quiser me assumir a todos. Minha família, meus amigos. Meu corpo de mulher já é completamente desenvolvido, vou precisar de muitos hormônios se eu quiser adaptar ele. Eu só não consigo mais deixar isso guardado dentro de mim... Precisa sair de algum jeito.

Aquilo ao mesmo tempo me chocou e me aliviou. Eu sempre senti que havia algo de diferente na Kim, sempre soube. Ela apenas escondeu isso de si mesma.

Ela soluça de tanto chorar e Bryan a conforta, junto comigo. Nós dois dizemos a ela que está tudo bem.

- Vamos te apoiar em tudo, Kim. Te levo até o médico para pegarmos hormônios e vermos como você pode os usar. Porém, você precisa falar com a sua família. Não toda, mas aqueles que você mais ama. Principalmente sua mãe.

Passamos a tarde na casa dela, a divertindo e conversando com ela. Daqui pra frente, eu sei que terei o papel de a apoiar nesse processo de se assumir e mudar seu corpo, e isso me animava porque faria minha amiga feliz.

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