8º capitulo

Quando saímos do quarto, Aila ainda ria para mim.

Hermes e Kaarl vinham no corredor e Kaarl me olhou de alto a baixo.

- Que roupas são essas?

Aila se encolheu, Hermes interveio.

- Não sei senhor, deixei lindos vestidos para ela hoje mais cedo!

- Eu não os quis! – disse dando um passo à frente – Inclusive os dei para Aila, ela, porém, não os aceitou. Como não tinha o que vestir,  fez a gentileza de me emprestar um vestido dela já que não posso usar calças por aqui!

Kaarl escondeu o sorriso.

- Anna, pedi que Hermes conseguisse os vestidos mais lindos de toda Taika. Jogou todo o trabalho dele no lixo.

- Não consigo andar com aquelas coisas, são pesadas e desconfortáveis. Já disse,  pode dar todos a Aila, até por que não precisarei deles, prometeu que eu voltaria hoje para casa!

Kaarl olhou para Hermes.

- Recolha os vestidos e procure por coisas mais confortáveis para a senhorita Anna. Eu deveria ter imaginado que ela não gostaria de tanta pompa, é tão rebelde quanto sua avó.

Mais uma vez aquela comparação com a tal Tiina. Gostaria de poder ver uma imagem que fosse dela.

- Vamos andar senhorita, concede-me a honra? - disse ele me oferecendo o braço. Agora eu conseguia entender porque ele agia com tanta cautela. Provavelmente era por respeito, Kaarl era um príncipe criado sob regras rígidas de respeito e cavalheirismo, certamente tinha sido educado para não ultrapassar os limites com ninguém, e eu não sabia muito bem o que esses “limites” significavam.

Aceitei o braço e saímos andando pelos corredores.  Hermes, por sua vez, fez um rosto de decepção ainda olhando meu vestido amassado.

Quando comecemos a descer as escadas, duas meninas adentraram no castelo e fizeram  uma cortesia para Kaarl,  que respondeu com um sorriso. Uma delas era a mesma que eu tinha visto olhar para ele com tom de malicia na noite passada.

- E depois você fala que é ruim ser príncipe... Essas garotas parecem ficar loucas por você.

- Temos costumes diferentes dos seus, Anna, no seu mundo pode parecer incomum, mas no nosso o ato de cortejar uma mulher deve ser feito com todo um cuidado e com a permissão dos pais da moça, um homem e uma mulher não podem sob hipótese alguma ficarem sozinhos, para os que já são noivos então é permitido pequenos passeios, mas sempre acompanhados de uma serviçal.

Comecei a rir. Lembrava de ter lido sobre isso em livros de história, mas isso parecia tão surreal quanto o resto que eu já tinha visto ali.

- E então não irão falar se nos verem juntos?

- Provavelmente, mas acredite não há mal algum caso vá mesmo ir embora hoje, possivelmente lhe esquecerão assim que partir.

- Então aqui as pessoas se casam através de arranjos dos pais?

- Exatamente.

- Mas, e se os casais se apaixonam sem que os pais saibam?

- Ainda assim a ordem de um pai não deve ser desrespeitada; se os pais não aprovam o casamento, ele não deve acontecer.

Engoli em seco. Que bom que os tempos tinham mudado. Eu posso imaginar que tipo de homem minha avó e meu avô escolheriam para mim. Certamente, eu não gostaria dele.

Saímos para o jardim e Kaarl soltou-se de meu braço.

- Teremos que pegar meu cavalo caso queiramos chegar lá antes do meio dia...

- Vai mesmo me deixar ir assim? Quer dizer, vocês dependem de mim para serem salvos... Vai mesmo abrir mão disso?

- Eu fiz uma promessa de que a levaria para casa e vou cumprir. Sei que seu instinto de justiça vai guiá-la pela melhor escolha e voltará para nós, agora que sabe pelo  que passamos aqui. E sei também que se não voltar, terei que intervir.

- Como assim?

- É meu dever de Príncipe lutar por esse povo, Anna, não deixarei que escape de mim, irei atrás de você.

- Não está pensando em ir para o meu mundo, não é?

Ele sorriu.

- Sim estou, aliás, vou adorar conhecer seus avós, temos muito que conversar.

- Não! Não, Kaarl, por favor, isso não, eles vão pirar se você for até lá!

- Não será a primeira vez que alguém de nossa terra irá viajar para lá.

- Quem já foi?

- Hermes, ora, ele já atravessou para o seu mundo muitas vezes.

- Hermes?

- Sim, ele é meu súdito fiel, foi ele quem me cuidou dentro da montanha por tantos e tantos anos.

- Então era por causa dele que minha mãe fugia da escola, era ele que ia buscá-la, ele era o homem que a fez fugir...

- Não se preocupe, ele não é o seu pai, eu não sei quem foi seu pai, mas sim, acho que a parte em que sua mãe fez virar a cabeça da sua avó e se tornar uma rebelde faz parte disso, sim.

- Deus, eles vão pirar.

Como Kaarl mesmo tinha dito, era um pouco longe. Quando havia chegado ali não parecia ser tão longe, porém,  agora,  andando com ele sobre o lombo daquele cavalo,  o caminho parecia não ter fim. Tentei manter o máximo de distância possível do corpo dele  agora que eu sabia que me aproximar não era bom.

Kaarl respeitou meu espaço e não tentou fazer nenhum comentário sobre a minha distância. Quando chegamos ao lago,  eu resolvi descer sozinha e quase cai.

- Podia ter esperado, eu iria ajudá-la.

- Não pensei que fosse tão alto.

O olhar de desdém dele fez com que eu entendesse que ele não tinha acreditado em uma vírgula minha.

Olhei o lago reconhecendo o lugar de onde eu tinha saído, então aquele era o único portal que havia para aquele mundo de loucos, isso me deixou apavorada.

- Teremos que ir pelo lago mesmo?

- Sim, mas não se preocupe do meu jeito será muito mais fácil.

Ele caminhou até um barco que já estava a nossa espera, ajudou-me a entrar nele e depois se apressou a empurrá-lo antes de adentrar nele, seguimos até o meio do lago sem fazer esforço, era como se as águas soubessem o que tinham que fazer, Kaarl usou uma varinha para criar um escudo de proteção sob nós e o barco afundou, através da barreira mágica que ele tinha criado eu podia ver tudo com detalhes, era como estar em submarino totalmente transparente, eu podia ver as algas de baixo da água, os peixes que nadavam ao nosso redor, sorri involuntariamente ao constatar o quão lindo aquilo tudo era, Kaarl me observava em silencio enquanto eu brincava com os peixes do lado de fora.

- Anna?

- Sim?

- Talvez deva se segurar, iremos atravessar a passagem assim que alcançarmos o chão.

Eu me sentei no banco e me segurei com força, não demorou muito para atingirmos o fundo do lago, vi a areia do fundo da água se levantar e logo a mesma luz branca que tinha me trazido a Taika surgiu e me cegou me levando ao outro mundo, o barco imergiu rápido sendo lançado com força sob o gelo.

Com a pressão a água o gelo se quebrou todo, Kaarl derreteu o gelo mais grosso e fez o barco navegar até a margem e então descemos, ele olhou tudo em volta, agora ele sabia como eu me sentia, assim como o mundo dele para mim era surreal, o meu mundo era totalmente maluco para ele.

- Seu mundo é estranho. O que são essas coisas onde as pessoas entram e saem?

- São carros, é como as pessoas se locomovem por aqui. Naantaly é uma cidade grande, muitos lugares são distantes e as pessoas precisam deles para chegar aos lugares mais rapidamente.

- Entendo...

Eu sorri. Depois,  ele começou a olhar para as casas, tinha curiosidade em saber como elas eram erguidas. Por sorte ainda era cedo e muitos não tinham acordado, então,  poucas pessoas estavam nas ruas. Mas Kaarl notou suas roupas e viu que o estranho agora éramos nós, vestidos como se estivéssemos voltando de uma festa a fantasia.

- Por que olham assim para nós?

- Talvez porque você tem uma espada presa a suas roupas e se parece com um príncipe de filme americano.

- Eu sou um príncipe.

- Na sua terra, aqui você só é um ser humano esquisito.

Ele me observou, sentindo-se ofendido. Então, chegamos a minha casa, Kaarl observou tudo atentamente.

- Então é aqui que mora?

- Sim, bem-vindo a minha casa.

Kaarl observou tudo, desde a estrutura da casa ao carro do meu avô,  que estava um pouco sujo. Mal tínhamos pisado para dentro e eu vi a porta se abrir. Minha avó veio ao meu encontro.

- Anna!

Ela correu em minha direção e me abraçou com força; meu avô surgiu na porta, seguido por meus tios e tias.

- Onde esteve?

- É uma longa história, vovó – eu disse olhando para Kaarl que agora tinha se tornado o centro das atenções. Meu avô, porém, fechou o rosto já imaginando o que estava por vir.

- Então a descobriu, pois bem, é apenas uma pena que esteja livre agora.

- Senhor Arto, há quanto tempo.

Olhei para os dois.

- Se conhecem?

- Seu avô me visitou uma vez em minhas terras; ele foi buscar sua mãe e teve o prazer de me fazer uma visita antes de partir. Como pode ver, estou livre, sua neta me libertou.

Olhei para vovô sem saber o que dizer. Era visto em seus olhos que ele estava decepcionado comigo.

- Por que,  Anna, por que o soltou? Nunca deveria ter feito isso, não sabe o mal que nos está causando! A nós e a toda a família que a criou, estou muito decepcionado! - disse ele batendo o pé e adentrando na casa. Antes de entrar,  olhou para trás e bateu a porta.

- Não é bem-vindo aqui Príncipe!

Fiquei olhando a porta sem entender o que tinha acontecido. Nunca tinha visto meu avô ser mal-educado com ninguém, isso era muito estranho. Meus tios o seguiram, entrando na casa;  a única que permaneceu do lado de fora foi minha avó.

- Entenda querida, ele apenas está preocupado com você, passamos o dia te procurando, ligamos para a polícia e eles fizeram buscas; então um guarda disse que a tinha visto cair no lago e...

- Eu não caí,  vovó, eu fui puxada para dentro dele, pelas águas dele.

- Eu sei, entenda que é um pouco difícil para eu aceitar isso. O mesmo aconteceu com sua mãe e então tudo começou. Ele vinha buscá-la cada vez para mais uma batalha, mais uma guerra, e seu avô ficava aflito,  sem saber se algum dia ela voltaria para nós. Até que um belo dia ela apareceu e disse estar grávida. Ela ficou conosco durante aqueles 9 meses inteiros e foram os momentos mais felizes de nossas vidas;  mas depois que você nasceu ele voltou, a levou de nós e nunca mais a trouxe... – disse minha avó às lágrimas. – Então inventamos a ele que você não tinha sobrevivido para que não corrêssemos o risco de perdê-la também. Assim, sabíamos que eles nunca viriam buscá-la.

- Mas o destino dela cumpriu com o esperado, acabaríamos descobrindo Anna de qualquer jeito senhora, entenda que fizemos tudo para proteger Hely, ela foi muito amada por seu povo.

- Mas morreu! Morreu pelas mãos de um povo que não a viu crescer, dar os primeiros passos ou falar as primeiras palavras. Tem ideia do que é para uma mãe cuidar de uma filha como eu cuidei dela e depois perdê-la assim? Ver sua vida se perder por causa de desconhecidos? Tem ideia do que passamos do que sentimos? Não vai roubar minha neta de mim! Nunca! - disse ela me abraçando com força. Eu nunca tinha visto minha avó falar assim de mim ou de minha mãe, eu nunca tinha me sentido tão amada por ela.

- Eu entendo melhor do que ninguém sua dor, também perdi pessoas que  amava por conta da maldição. Mas agora temos uma nova chance, uma chance que nasceu com Anna,  e tenho certeza de  que Hely se sentiria honrada em saber que criou uma filha forte e capaz de lidar com isso.

- Aquela mulher não vai matar a minha menina. Eu não sei o que você passou, mas eu sei que não vou permitir que minha neta viva isso.  Anna, vá imediatamente para o seu quarto!

Olhei para minha avó sem acreditar no que tinha ouvido.

- Mas, vó!

- Vá agora, ninguém vai pôr as mãos em você, nunca.

Dei as costas meio a contragosto a Kaarl e o escutei protestar.

- Não pode fazer isso com ela, está impedindo que a natureza dela aflore.  Anna é uma bruxa, uma das mais brilhantes que já vi, sua energia foi sentida por todos em Taika. Se não for treinada,  acabará perdendo o controle sobre seus poderes.

- Cale-se, eu criei essa menina,  fui mãe e avó dela, já disse, ninguém vai tirá-la de mim! Ninguém!

- Não sabe o que diz. Assim que eles souberem que ela existe,  virão atrás dela e destruirão essa casa, talvez até mesmo essa cidade,  e não irão descansar enquanto não colocarem suas mãos nela. E, acredite,  ela será um alvo fácil,  porque não irá saber como se defender ou do que se defender!

- Faço das palavras de meu marido as minhas senhor, Príncipe. Não é bem-vindo aqui!

Minha avó entrou na casa e deixou Kaarl parado na calçada, do lado de fora. Da minha janela, eu pude ver quando ele se sentou no meio fio da calçada com a cabeça entre as mãos. Eu não podia sair do meu quarto, mas podia observá-lo na calçada e vi quando alguns policiais se aproximaram dele e pediram para que se retirasse. Vi quando ele começou a se afastar como se decidisse ir embora, talvez ele tivesse desistido.  Recebi meu almoço e meu jantar no quarto, mas estava sem fome, eu queria saber o que tinha acontecido com ele, para onde tinha ido. Teria voltado para Taika?

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